A primeira frase do livro se trata de uma citação de Jane Jacobs em seu livro Morte e vida de grandes cidades em 1961, questionando qual seria a densidade ideal para a vida de uma cidade. Já se passaram quase 60 anos e essa continua sendo uma discussão frequente na vida de urbanistas e planejadores urbanos. Claudio Acioly e Forbes Davidson toparam o desafio de participar dessa discussão ao resolverem publicar em formato de livro os resultados de suas pesquisas sobre o tema: Densidade urbana: um instrumento de planejamento e gestão urbana.
A busca pela cidade ideal passa pela discussão sobre exemplos práticos existentes, cidades compactas e verticalizadas como Hong Kong, Nova Iorque e Tóquio são melhores? Ou o melhor modelo passa pela linearidade de Los Angeles e Brasília? Os autores esclarecem logo de início que se trata de um debate complexo, que percorre por efeitos e consequências bem concretas, mas também por questões muitas vezes culturais.
O debate logicamente passa por termos claramente técnicos, os próprios índices de habitantes por hectare ou habitações por hectare dizem respeito a números matemáticos, entretanto a ideia de lote familiar ideal varia de acordo com o local e sua cultura, como no exemplo citado do lote de 100m² para uma família de baixa renda: na Índia essa área seria considerada grande e consequentemente cara demais para se adquirir, enquanto na África Oriental seria vista como pequena demais para uma família. Um dos pontos fortes do livro é o constante uso de exemplos de cidades ao redor do mundo, demonstrando claramente ao leitor como a mudança de local e sua cultura afeta a maneira em que cada pessoa enxerga como ideal para se viver.
Os defensores das altas densidades argumentam que quanto maior a densidade, melhor será a utilização da infraestrutura e do solo urbano, porém densidades extremamente altas e desordenadas podem sobrecarregar as redes de infraestrutura e serviços urbanos, além de afetar a saúde das pessoas, visto que existem estudos que demonstram relação entre ambientes densamente ocupados e problemas de saúde física e mental. A questão da densidade costumeiramente está associada a renda das pessoas, é comum baixas densidades de ocupação estarem associadas à alta renda, vide a tipologia urbana de Brasília e a busca por condomínios fechados afastados dos grandes centros na maioria das cidades, geralmente com a justificativa de segurança e fuga de regiões violentas, o que acaba gerando verdadeiras ilhas em meio aos grandes centros urbanos. No outro extremo, as regiões de alta densidade geralmente são associadas a população de baixa renda, com pequenos espaços sendo ocupados por muitas pessoas, caso de favelas e cortiços.
O modelo de cidade linear comumente está associado com as cidades americanas que se desenvolveram e optaram por um desenho urbano baseado no uso de automóveis, gerando subúrbios residenciais de baixa densidade, modelo muito semelhante ao pregado pelos arquitetos modernistas com seus modelos de cidades-jardim, mas que na prática acabaram gerando uma sobrecarga no uso de transportes individuais, engarrafamentos, e um tempo de locomoção muito alto, além de criticas a questão ambiental, por conta do uso de combustível e emissão de dióxidos.
Apesar da aparente “disputa ferrenha” entre esses dois modelos de cidades, no decorrer do livro as dificuldades causadas pela opção de escolha por um meio urbano linear e de baixa densidade ficam mais visíveis, o custo por infraestrutura se torna muito mais caro e trabalhoso. Um relatório publicado sob o apoio de organizações e bancos americanos ainda no ano de 1995 já demonstrava preocupação com esse modelo de crescimento, em especial para o estado da Califórnia, onde se chegou a conclusão que o estado não tinha mais condições de arcar com os custos desse modelo de expansão desenfreada baseado em baixa densidade. Na Europa a ideia de cidades mais compactas também passou a ser apoiada pela Comunidade Econômica Europeia e aplicada em vários países, em busca da chamada vitalidade urbana tão discutida por Jane Jacobs ainda no século passado.
A discussão não se limita apenas a parte teórica, na parte final, os autores falam sobre medidas que urbanistas e planejadores urbanos podem tomar para ajudar as cidades a otimizarem espaço e recursos baseado no que foi discutido anteriormente. Com base em um estudo realizado por Crookston, Clarke e Averley (1) na Inglaterra, se chegou à conclusão de que a densidade urbana pode ser elevada consideravelmente apenas com uma amenização nas normas que regulamentam a questão de estacionamentos. Outras recomendações mais diretas foram feitas para outras questões de desenho urbano, como a preferência de uso de lotes com testada larga; o dimensionamento de largura das ruas de acordo com a densidade estimada da região; destinação de porcentagem para uso de área pública, semipública e privada; além de outras questões complexas que não possuem resposta fácil ou pré-definida.
A grande lição deixada para os urbanistas e planejadores, talvez seja a de que o controle da densidade demográfica é algo extremamente difícil, e que a saída passe por buscar um gerenciamento da densidade e do desenho urbano, ao invés de tentar controlá-la.
notas
1
CROOKSTON, Martin; CLARKE, Patrick; AVERLEY, Joanna. The compact city and the quality life. In: JENKS, Mike; BURTON, Elizabeth; WILLIAMS, Katie. The Compact City: A Sustainable Urban Form? London, E & FN SPON, 1996.
sobre o autor
Gabriel Rocha Casemiro é arquiteto e urbanista, formado pela Faculdade Independente do Nordeste – Fainor.