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reviews online ISSN 2175-6694


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português
Resenha da obra “Architecture of Happiness”, de Alain de Botton, sobre os desdobramentos da arquitetura enquanto ambiente construído e em uso enquanto fonte de felicidade para o caso de diferentes tipologias e períodos da história.

english
Review of the book “Architecture of Happiness”, by Alain de Botton, about the unfolding of architecture as a built environment and in use as a source of happiness for different typologies and in different periods of history.

how to quote

ORNSTEIN, Sheila Walbe. Uma imersão nos desígnios da arquitetura. Seriam eles sinônimos de felicidade? Resenhas Online, São Paulo, ano 22, n. 253.02, Vitruvius, jan. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/22.253/8709>.


De acordo com o Michaelis, felicidade significa:

“1.Estado de espírito de quem se encontra alegre ou satisfeito; alegria, contentamento, fortúnio, júbilo:...”

“2. Acontecimento ou situação feliz ou alegre, sorte, sucesso, ventura....” (1).

Eu me deparei ao acaso com o livro do filósofo suíço Botton, quando empreendi uma viagem ao exterior e busquei num determinado momento, um descanso “literário” numa livraria. O livro me chamou a atenção inicialmente pelo título, pois nunca tinha pensado nos edifícios decorrentes dos processos de projeto arquitetônico (e de design) sob o prisma da felicidade. A minha visão, mesmo aquela mais estética foi sempre técnico-funcional e racionalista e impulsionada por um olhar treinado pelas lentes de décadas de pesquisas em Avaliação Pós-Ocupação. Depois, ao contrário de uma maioria dos livros voltados a interessados e estudiosos das cidades e seus edifícios, que têm uma tendência a serem apresentados em grandes formatos e capas duras, Architecture of Happiness era (é) de pequeno formato, capa mole e cabia na minha sacola de andarilha. Tais condições, incontornáveis, me levaram a comprá-lo.

Pude, então, lê-lo não só durante o restante da viagem e ajustar com frequência a minha lente sobre as cidades que percorri em relação a algumas ideias de Botton, mas também persistir com algumas dessas reflexões em minhas pesquisas subsequentes.

Para Botton, se bem entendi, o conceito de felicidade está imbricado especialmente com aqueles sobre o belo (e o seu antônimo, o feio) e também com o tratamento aparente das fachadas e dos ambientes interiores quanto a simetria e a repetitividade de colunatas, a escala e o gabarito da edificação em relação aos espaços abertos, aos diferentes usos desde a habitação social aos palácios e aos templos, além de percorrer diferentes períodos, desde a pré-história, passando pelo renascimento, pelo moderno até o contemporâneo. A existência ou não de elementos decorativos, dos diferentes estilos, do mobiliário mais ou menos funcional e os olhares culturalmente mais ou menos ocidentais ou orientais, podem também estar associados ao tema da felicidade, para o autor, de grande complexidade e diversidade.

Botton, na construção da sua lógica textual, demonstra que no caso das cidades, suas edificações e artefatos, a felicidade é um caldeirão de temas. Botton, na verdade, tem conhecimento da interdisciplinaridade que rege o campo da arquitetura, a qual tangencia a filosofia, a psicologia ambiental, a psicanálise, dentre outros campos. Neste contexto, as relações entre o usuário e os ambientes são sempre o alvo (ou deveriam ser) da boa prática arquitetônica e parte inerente das soluções técnicas alcançadas. E por esta razão, o autor esforça-se em apresentar no livro, incontáveis exemplos de arquitetura (e o design) que buscam o belo e a fruição, seja sob a perspectiva do seu usuário final, do cliente ou mesmo dos observadores passantes ou usuários temporários. Ou seja, o relato contido no livro, pode inspirar não só os profissionais treinados, mas também os observadores leigos.

O autor apresenta uma narrativa teórica bem escrita e agradável, recomendada a todos aqueles que pretendam conhecer cidades, edifícios e elementos escultóricos. Esta narrativa está amarrada a um conjunto de fotos, imagens e desenhos (plantas arquitetônicas e urbanas) muito pertinentes ao que se pretende exemplificar.

Botton divide o livro em seis capítulos. O primeiro, sobre a significância da arquitetura; no segundo discute os estilos arquitetônicos; o terceiro, o fato dos materiais que compõem  os edifícios e das esculturas terem sempre algo a dizer e a representar, enfatizando que nada é sem propósito no processo de produção dos objetos arquitetônicos  e dos artefatos; no quarto discute os ideais da casa (e não do edifício habitacional) no sentido das memórias afetivas e a sua associação com as ambiências religiosas; o quinto aborda as virtudes das edificações trazendo Palladio para o centro do texto, no que se refere a conceitos como ordem, simetria e complexidade, equilíbrio e coerência (talvez o capítulo mais instigante) e, finalmente, o capítulo seis, sobre a relação nem sempre equilibrada entre espaços abertos e edificados, entre a natureza, as florestas, os jardins e os ambientes construídos.

Os conceitos presentes no livro, em sua maioria, não são novos. Já foram (e continuam sendo) discutidos nos meios acadêmicos nacional e internacional em pesquisas e seus resultados nos campos da psicologia ambiental, a percepção ambiental, a semiótica, a avaliação pós-ocupação e outros (2). Pode-se resgatar, por exemplo, a descrição de Button sobre o projeto habitacional cubista e moderno de Le Corbusier para operários de uma fábrica francesa, nos anos 1920, em Pessac, França e as transformações empreendidas pelos seus moradores nas décadas seguintes, tendo como resultado, nos anos 1990 uma aparência muito mais próxima do vernacular (pp.163-165) do que dos ideais corbusianos.

O autor também cita exemplos no Brasil, resultantes da arquitetura de Oscar Niemeyer, como no caso de Brasília e a casa de Juscelino Kubistcheck, na Pampulha, Belo Horizonte, no capítulo IV respectivamente às páginas 142 e 229-230. (3) A casa simples, para finais de semana e com telhado borboleta (vista frontal), para o então prefeito da capital mineira, na Pampulha, é dos anos 1940 e está situada num amplo terreno com paisagismo de Burle Marx e relação com a natureza. A sensualidade nos seus projetos de arquitetura indicada pelo próprio Niemeyer (menção de Botton, à p. 229) estaria associada aqui à conexão com os espaços abertos e a natureza e seria um exemplo de felicidade?

Casa Juscelino Kubitschek, Pampulha, Belo Horizonte, anos 1940, arquitetura de Oscar Niemeyer e paisagismo de Roberto Burle Marx
Foto Sheila Walbe Ornstein

Implantação da casa (vista posterior) no terreno em declive: a eficiente e econômica adequação a topografia original
Foto Sheila Walbe Ornstein

Detalhe de ambiente interior com mobiliário de época
Foto Sheila Walbe Ornstein

 

Ao ler Botton, é preciso considerar que as visões discutidas no livro refletem o contexto social, político, econômico e geográfico em que se inserem e o repertório dos profissionais envolvidos e dos seus contratantes (clientes) à luz dos períodos históricos em que viviam e vivenciaram.

Mas o foco do autor, sobre a felicidade, é sim diferenciado e pode estimular estudantes, profissionais e leigos a perceberem a cidade e sua(s) arquitetura(s) de sua forma reflexiva e crítica, mas otimista, relativamente à qualidade de vida urbana.

Possivelmente, tentar demonstrar associações entre arquitetura e felicidade não é uma tarefa fácil. Trata-se quase que de um ato de coragem, pois contextos e circunstâncias distintas implicam em percepções ambientais distintas, a depender do olhar de quem observa, percepções estas mutáveis no decorrer do tempo.

Mas, para a nossa felicidade, Botton nos brinda com esta ideia, ainda a ser muito explorada e conferida, inclusive no meio acadêmico.

notas

1
MICHAELIS. Dicionário brasileiro da língua portuguesa. São Paulo, Melhoramentos, 2022. <https://michaelis.uol.com.br>.

2
ORNSTEIN, Sheila Walbe. Towards a Pro-user Architecture and Urban Planning: Potential Chronologies. Academia Letters, Article 4539 <https://doi.org/10.20935/AL4539>.

3
Para entender Brasília, sua complexidade edificada e a trajetória profissional de Oscar Niemeyer, recomenda-se a leitura do livro organizado por Leonardo Barci Castriota, Arquitetura da modernidade (BH, Editora UFMG, 2017, 2ª edição). O plano para BH e sobretudo as edificações concebidas por Niemeyer para o entorno da lagoa da Pampulha, incluindo a casa de Juscelino Kubitschek, são leituras da arquitetura moderna essenciais para se analisar de forma mais assertiva, o que viria em seguida: o plano piloto e seus edifícios na capital federal.

sobre a autora

Sheila Walbe Ornstein é arquiteta e urbanista, professora titular na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e bolsista produtividade do CNPq (processo número 304131/2020-2). Tem interesse nos campos da Avaliação Pós-Ocupação, gestão no processo de projeto, tecnologia da construção e nas relações entre ambiente construído e comportamento humano. Mais recentemente tem realizado pesquisas sobre espaços museológicos e na área da saúde.

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resenha dos livros

A arquitetura da felicidade

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Alain de Botton

2007

The Architecture of Happiness

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253.02 livro
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