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architectourism ISSN 1982-9930

Zona portuária de Angra dos Reis. Foto Abilio Guerra

abstracts

português
Dividido em quatro partes, o grande relato de Anita Di Marco cobre sua passagem por dezenas de cidades de Portugal e Espanha. Nessa primeira parte trata da cidade do Porto e arredores.


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DI MARCO, Anita. Na península ibérica. Porto e arredores (parte 1). Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 140.07, Vitruvius, nov. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.140/7176>.>.


Foi nossa primeira vez na Península Ibérica, tão ilustre, tão estudada, tão buscada por estudantes e profissionais da arte e da arquitetura. E dizem que ninguém se esquece da primeira vez... Verdade! Da nossa primeira viagem a Portugal (Porto, Guimarães e Braga; Aveiro e Coimbra; Tomar, Batalha, Alcobaça e Óbidos; Lisboa, Sintra) e Sevilha, na Espanha, vou relatar aqui um percurso que me pareceu interessante para o viajante, arquiteto ou não, que queira apreciar as belezas, a comida, os espaços, os monumentos e as cidades visitadas. As dicas para a definição do roteiro vieram de muitas pessoas, em especial das amigas Marina Massote e Teresa Santos. Obrigadinha, queridas!

Quadro de distâncias entre as cidades
Porto – Braga: 55km
Braga – Guimarães: 25km
Guimarães – Porto: 55km
Porto – Aveiro: 70km
Aveiro – Coimbra: 62km
Coimbra – Tomar: 85km
Tomar – Batalha: 45km
Batalha – Alcobaça: 23km
Alcobaça – Óbidos: 40km
Óbidos – Lisboa: 89km

Porto: limpeza, azulejos, harmonia
Foto Anita Di Marco, 2018

Bem, nosso primeiro destino foi Porto, cidade caracterizada pela mescla entre tradição e modernidade e pelas referências de dois arquitetos laureados com o Prêmio Pritzker Álvaro Siza Vieira (1933), em 1992, e Eduardo Souto Moura (1952), em 2011. Nosso passeio arquitetônico começa já ao desembarcar em Porto, no aeroporto Francisco Sá Carneiro, um misto de arquitetura, luz e aço. Inaugurado em 1945, como Aeroporto de Pedras Rubras, teve sua pista aumentada nos anos 70 e, em 1990, foi a vez do terminal de passageiros, quando o aeroporto recebeu a denominação atual. As últimas obras de reforma e ampliação, a partir de 2006, ficaram a cargo do arquiteto João Carlos Ferreira Leal e o edifício passou de 16 mil para mais de 100 mil metros quadrados de área, e a altura das estruturas foi de 9,5 metros para 32 metros.

Arredores da Casa da Música, Porto
Foto Anita Di Marco

Claro, como arquiteta, além das tradicionais visitas aos centros históricos, edifícios e lugares recomendados como a Livraria Lello, o Coliseu do Porto, as várias igrejas e estações, cafés e mercados, minha lista incluía obras modernas como a Casa da Música do holandês Rem Koolhaas (1944), outras de Álvaro Siza (1933), como o Museu da Fundação Serralves, a Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto – FAUP, suas obras em Leça da Palmeira e Matosinhos, e a Casa da Arquitetura, atualmente com a mostra Infinito Vão. Infelizmente, não consegui ver tudo isso, por falta de tempo, mas conheci a Casa da Música, pertinho do nosso hotel. À distância, vi ainda o belo Terminal de Cruzeiros de Leixões, em Matosinhos.

Casa da Música, Porto, arquiteto Rem Koolhaas
Foto Anita Di Marco

Nosso hotel no Porto, o Boa Vista Guest House era de pequeno porte, mas bastante acolhedor, agradável, sem excessos e com um pessoal simpático, atencioso e gentil que nos recebia com um cálice de vinho do Porto. Beleza, hein? Recomendo! Além disso, o hotel era bem localizado, próximo à estação de metrô Carolina Michaelis. A propósito, durante todo o tempo em que viajamos, caminhamos muito e utilizamos sobretudo o metrô (metro, como eles falam lá, sem acento e com a sílaba tônica no me). Ao lado do hotel, na mesma rua Boa Vista, tivemos a sorte de encontrar, no nosso primeiro dia na cidade, um espaço gentil e agradável que nos acolheu enquanto esperávamos para fazer check-in no nosso hotel. Trata-se do D'Alma e Coração, cuja proprietária, Angela Mansilha, preparou uma deliciosa refeição com pães, frios, uvas, nozes e queijos locais, mesmo fora do horário. Uma gentileza que nos encantou já desde o primeiro momento em que chegamos à cidade.

Torre dos Clérigos, Porto
Foto Anita Di Marco

Porto é uma cidade charmosa e encantadora, com belas praças, ruas e avenidas de escala agradável, espaços acolhedores e azulejos por todo lado. Aliás, subir e descer as ruas do Porto fazem parte de qualquer percurso para conhecer bem a Cidade Baixa, às margens do rio Douro, e a Cidade Alta, na região da Torre dos Clérigos.  O bom é perder-se por ali (o que é impossível em termos literais e geográficos, porque basta localizar o rio ou um dos marcos referenciais, como a torre dos Clérigos ou a Catedral e o indivíduo já sabe onde está), apreciando o rio, as áreas de pedestres, os bairros, as escadas, os bondinhos, as livrarias, os cafés, as mil igrejas como a Igreja das Almas de Santa Catarina, a de Santo Ildefonso, a antiga igreja-fortaleza Sé do Porto e seu claustro, os enormes painéis de azulejos dentro e fora de edifícios, como as próprias casas, igrejas e a Estação São Bento (com murais de autoria do artista Jorge Colaço), as ruelas medievais e amplas praças como a Praça da Liberdade, bem no centro da cidade, emoldurada por soberbos edifícios como a Câmara Municipal.

Igreja dos Clérigos, nave oval, branca e rosa, Porto
Foto Anita Di Marco

Outros edifícios a destacar são a Bolsa de Valores e seu belo salão árabe, o Mercado Bolhão, em recuperação até 2020 e funcionando em outro local durante as obras para garantir a alegria dos frequentadores, turistas ou não, e o icônico Café Majestic, glamoroso desde seu início em 1921 e que, com certeza lembra muito a charmosíssima Confeitaria Colombo, fundada em 1894 no Rio de Janeiro, com seus espelhos, pisos, luminárias, mobiliário, bancadas de mármore e vitrines.

Porto: limpeza, azulejos, harmonia
Foto Anita Di Marco, 2018

Mas o maior ponto de referência da cidade é, sem dúvida, o rio Douro com suas pontes, vistas, paisagens, barcos e esplanadas. Com o metrô de superfície cruzamos a ponte Dom Luís I, estrutura metálica construída em 1886 por um discípulo do engenheiro Gustave Eiffel, construtor de certa torre francesa. Depois de apreciar a vista do Porto lá do alto, descemos pelas escadarias de Gaia, até a Ribeira. Seja do lado do Porto ou de Vila Nova de Gaia, as margens do Douro (a Ribeira), é o coração da cidade e uma deliciosa esplanada para caminhadas, uma taça de vinho ou um descanso nas pernas, sempre observando o vai e vem da multidão de turistas. Do lado de Gaia, ainda se encontram as vinícolas do principal produto da região, o vinho do Porto. As visitas guiadas às caves (visitamos a Ramos Pinto, a mais antiga), obrigatórias para qualquer cidadão minimamente interessado em vinhos, falam das origens, curiosidades e da história das vinícolas, do processo de fabricação, envelhecimento e distribuição da bebida, além da anunciada degustação dos três tipos encontrados (White, Ruby e Tawny) de seu famoso produto. Uma bela amarração de história, cultura e lazer e, assim, deve ser sempre! 

Arredores da Casa da Música, Porto
Foto Anita Di Marco

Na volta, cruzamos a ponte pela plataforma inferior e, de novo na Ribeira do Porto, perto da Igreja de São Francisco, tomamos o ônibus (500), rumo a Matozinhos, trafegando ao longo do Douro até sua foz e, depois, junto ao Atlântico. Já em Matosinhos, avistamos ao longe o Terminal de Cruzeiros, projeto do arquiteto Luís Pedro Silva, professor da FAU de Porto. Chegamos a descer do ônibus, mas as visitas não eram mais possíveis.  Também não era mais possível visitar a Casa da Arquitetura. Pena! Terminamos o dia em um agradável restaurante, comendo peixe grelhado e vinho. Lá mesmo, pegamos o metrô de volta para a estação Carolina Michaelis, perto do nosso hotel.

No sábado cedo, seguimos para o distrito de Braga, na região do Minho, em direção a Guimarães, uma das mais bonitas cidades medievais que conheci. Dubrovnik, na antiga Iugoslávia e hoje na Croácia, ainda está no topo da lista, mas Guimarães segue perto...

Calçamento em Guimarães
Foto Anita Di Marco, 2018

Conhecida como o “Berço de Portugal”, a antiga Vimaranes tem mais de mil anos. Passeamos pelo Centro Histórico (tombado como bem único pela Unesco), visitamos o castelo do século 10, local de nascimento do primeiro rei português. Vimos o Paço dos Duques de Bragança, a capela de São Miguel do Castelo, onde o rei foi batizado, e caminhamos por agradáveis ruelas e praças rodeadas de construções medievais e repletas de mesinhas para um bom café acompanhado dos deliciosos doces portuguesas, uma taça de vinho ou, simplesmente, para apreciar o entorno.

Castelo de Guimarães, cuidado com o original e com o visitante
Foto Anita Di Marco, 2018

Guimarães é um lugar encantador e que vale a pena visitar de novo. A cidade também faz parte do caminho de Santiago, como ponto de descanso ou passagem dos peregrinos para a cidade espanhola de Santiago de Compostela, a 215km de lá. Aliás, para quem quer descansar mesmo, sugiro Guimarães como base e algumas viagens bate e volta pela região – Vila do Conde, Ponte de Lima, Vila Real, Amarante, Pinhão, Barcelos, entre outras. Não pudemos ir, dessa vez, mas fiquei com água na boca e, definitivamente, a rota já está na minha lista para viagens futuras.

Padrão do Salado, 1340, Guimarães
Foto Anita Di Marco, 2018

De Guimarães seguimos para Braga, a mais antiga cidade de Portugal e a principal do Minho. Fundada pelo imperador romano Augusto em 16. A.C., a então Bracara Augusta, com o tempo tornou-se a capital religiosa do país, passando a ser chamada de “Roma Portuguesa”. Como Guimarães, Braga também é um charmoso centro histórico tombado e cidade universitária. Depois de percorrer e admirar seus arcos, largos, torres, igrejas, praças e cafés, seguimos para o Santuário do Bom Jesus do Monte, ponto alto da visita. A igreja atual, que substituiu a de final do século 15, é obra do arquiteto Carlos Amarante e foi iniciada em 1794. Três lances de escada (Escadarias do Pórtico, dos Cinco Sentidos e das Três Virtudes) cobrem os quase 120 metros de distância entre a parte alta da cidade e o santuário. A escadaria cenográfica de mais de 500 degraus, símbolo da ascensão da humanidade até o divino e com várias capelas representando a Via Sacra, foi implantada em diferentes décadas do século 18. Vale subir e descer a pé ou de bondinho, apreciar o parque, a igreja, a escala, as esculturas, as obras de arte e as vistas. A propósito, inaugurado em março de 1882, o funicular tem projeto do engenheiro suíço Niklaus Riggenbach (1817-1899) e execução a cargo do engenheiro português Raul Mesnier du Ponsard (1848-1914). Du Ponsard foi também responsável por vários outros elevadores e funiculares em Portugal.

Santuário de Bom Jesus do Monte, Braga
Foto Anita Di Marco, 2018

De volta ao Porto, após nosso último jantar na cidade, fomos nos despedir de nosso querido e doce amigo, John D. Stewart, profissional de capacidade ímpar do Historic England, órgão responsável pelo patrimônio histórico inglês. Gentilmente, quando soube que estaríamos no Porto, ele fez questão de juntar-se a nós. Foram dois dias incríveis, enriquecidos com sua presença alegre e seus extensos conhecimentos!

Ao voltarmos da estação, sentimos um vento mais forte, estranho e úmido, mas não percebemos que ele já dava sinais da tempestade Leslie, com ventos de quase 180 quilômetros por hora e que atingiria em cheio a região central do país naquela madrugada, sobretudo Coimbra e arredores como Figueira da Foz. Era a região para onde iríamos na manhã seguinte. Durante a noite, ventos e a chuva se fizeram mais fortes. Pela manhã, assistindo ao telejornal, soubemos dos estragos causados pela tempestade daquela noite. De qualquer forma, tínhamos de seguir viagem e, na segunda-feira cedo, rumamos para Coimbra, com parada em Aveiro.

[continua na parte 2]

notas

NA – Diversas das informações foram pesquisadas em websites especializados em turismo:
https://www.cultuga.com.br
https://www.oportoencanta.com
https://viajenaviagem.com.br
https://dicasdeportugal.com.br
https://manualdoturista.com.br/arquitetura-portuguesa
http://www.monumentos.gov.pt

NE – Primeiro artigo da série da série “Na península ibérica”. Os artigos publicados são os seguintes:

DI MARCO, Anita. Na península ibérica. Porto e arredores (parte 1). Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 140.07, Vitruvius, nov. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.140/7176>.

DI MARCO, Anita. Na península ibérica. Aveiro, Coimbra e a rota dos mosteiros (parte 2). Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 141.03, Vitruvius, dez. 2019 <http://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.141/7201>.

DI MARCO, Anita. Na península ibérica. Lisboa e Sintra (parte 3). Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 142.01, Vitruvius, jan. 2019 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.142/7221>.

DI MARCO, Anita. Na península ibérica. Sevilha (parte 4). Arquiteturismo, São Paulo, ano 13, n. 144.01, Vitruvius, mar. 2019 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/13.144/7281>.

sobre a autora

Anita Di Marco é arquiteta e tradutora.

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