Foi nossa primeira vez na Península Ibérica, tão ilustre, tão estudada, tão buscada por estudantes e profissionais da arte e da arquitetura. E dizem que ninguém se esquece da primeira vez... Verdade! Da nossa primeira viagem a Portugal (Porto, Guimarães e Braga; Aveiro e Coimbra; Tomar, Batalha, Alcobaça e Óbidos; Lisboa, Sintra) e Sevilha, na Espanha, vou relatar aqui um percurso que me pareceu interessante para o viajante, arquiteto ou não, que queira apreciar as belezas, a comida, os espaços, os monumentos e as cidades visitadas. As dicas para a definição do roteiro vieram de muitas pessoas, em especial das amigas Marina Massote e Teresa Santos. Obrigadinha, queridas!
Quadro de distâncias entre as cidades
Porto – Braga: 55km
Braga – Guimarães: 25km
Guimarães – Porto: 55km
Porto – Aveiro: 70km
Aveiro – Coimbra: 62km
Coimbra – Tomar: 85km
Tomar – Batalha: 45km
Batalha – Alcobaça: 23km
Alcobaça – Óbidos: 40km
Óbidos – Lisboa: 89km
Bem, nosso primeiro destino foi Porto, cidade caracterizada pela mescla entre tradição e modernidade e pelas referências de dois arquitetos laureados com o Prêmio Pritzker Álvaro Siza Vieira (1933), em 1992, e Eduardo Souto Moura (1952), em 2011. Nosso passeio arquitetônico começa já ao desembarcar em Porto, no aeroporto Francisco Sá Carneiro, um misto de arquitetura, luz e aço. Inaugurado em 1945, como Aeroporto de Pedras Rubras, teve sua pista aumentada nos anos 70 e, em 1990, foi a vez do terminal de passageiros, quando o aeroporto recebeu a denominação atual. As últimas obras de reforma e ampliação, a partir de 2006, ficaram a cargo do arquiteto João Carlos Ferreira Leal e o edifício passou de 16 mil para mais de 100 mil metros quadrados de área, e a altura das estruturas foi de 9,5 metros para 32 metros.
Claro, como arquiteta, além das tradicionais visitas aos centros históricos, edifícios e lugares recomendados como a Livraria Lello, o Coliseu do Porto, as várias igrejas e estações, cafés e mercados, minha lista incluía obras modernas como a Casa da Música do holandês Rem Koolhaas (1944), outras de Álvaro Siza (1933), como o Museu da Fundação Serralves, a Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto – FAUP, suas obras em Leça da Palmeira e Matosinhos, e a Casa da Arquitetura, atualmente com a mostra Infinito Vão. Infelizmente, não consegui ver tudo isso, por falta de tempo, mas conheci a Casa da Música, pertinho do nosso hotel. À distância, vi ainda o belo Terminal de Cruzeiros de Leixões, em Matosinhos.
Nosso hotel no Porto, o Boa Vista Guest House era de pequeno porte, mas bastante acolhedor, agradável, sem excessos e com um pessoal simpático, atencioso e gentil que nos recebia com um cálice de vinho do Porto. Beleza, hein? Recomendo! Além disso, o hotel era bem localizado, próximo à estação de metrô Carolina Michaelis. A propósito, durante todo o tempo em que viajamos, caminhamos muito e utilizamos sobretudo o metrô (metro, como eles falam lá, sem acento e com a sílaba tônica no me). Ao lado do hotel, na mesma rua Boa Vista, tivemos a sorte de encontrar, no nosso primeiro dia na cidade, um espaço gentil e agradável que nos acolheu enquanto esperávamos para fazer check-in no nosso hotel. Trata-se do D'Alma e Coração, cuja proprietária, Angela Mansilha, preparou uma deliciosa refeição com pães, frios, uvas, nozes e queijos locais, mesmo fora do horário. Uma gentileza que nos encantou já desde o primeiro momento em que chegamos à cidade.
Porto é uma cidade charmosa e encantadora, com belas praças, ruas e avenidas de escala agradável, espaços acolhedores e azulejos por todo lado. Aliás, subir e descer as ruas do Porto fazem parte de qualquer percurso para conhecer bem a Cidade Baixa, às margens do rio Douro, e a Cidade Alta, na região da Torre dos Clérigos. O bom é perder-se por ali (o que é impossível em termos literais e geográficos, porque basta localizar o rio ou um dos marcos referenciais, como a torre dos Clérigos ou a Catedral e o indivíduo já sabe onde está), apreciando o rio, as áreas de pedestres, os bairros, as escadas, os bondinhos, as livrarias, os cafés, as mil igrejas como a Igreja das Almas de Santa Catarina, a de Santo Ildefonso, a antiga igreja-fortaleza Sé do Porto e seu claustro, os enormes painéis de azulejos dentro e fora de edifícios, como as próprias casas, igrejas e a Estação São Bento (com murais de autoria do artista Jorge Colaço), as ruelas medievais e amplas praças como a Praça da Liberdade, bem no centro da cidade, emoldurada por soberbos edifícios como a Câmara Municipal.
Outros edifícios a destacar são a Bolsa de Valores e seu belo salão árabe, o Mercado Bolhão, em recuperação até 2020 e funcionando em outro local durante as obras para garantir a alegria dos frequentadores, turistas ou não, e o icônico Café Majestic, glamoroso desde seu início em 1921 e que, com certeza lembra muito a charmosíssima Confeitaria Colombo, fundada em 1894 no Rio de Janeiro, com seus espelhos, pisos, luminárias, mobiliário, bancadas de mármore e vitrines.
Mas o maior ponto de referência da cidade é, sem dúvida, o rio Douro com suas pontes, vistas, paisagens, barcos e esplanadas. Com o metrô de superfície cruzamos a ponte Dom Luís I, estrutura metálica construída em 1886 por um discípulo do engenheiro Gustave Eiffel, construtor de certa torre francesa. Depois de apreciar a vista do Porto lá do alto, descemos pelas escadarias de Gaia, até a Ribeira. Seja do lado do Porto ou de Vila Nova de Gaia, as margens do Douro (a Ribeira), é o coração da cidade e uma deliciosa esplanada para caminhadas, uma taça de vinho ou um descanso nas pernas, sempre observando o vai e vem da multidão de turistas. Do lado de Gaia, ainda se encontram as vinícolas do principal produto da região, o vinho do Porto. As visitas guiadas às caves (visitamos a Ramos Pinto, a mais antiga), obrigatórias para qualquer cidadão minimamente interessado em vinhos, falam das origens, curiosidades e da história das vinícolas, do processo de fabricação, envelhecimento e distribuição da bebida, além da anunciada degustação dos três tipos encontrados (White, Ruby e Tawny) de seu famoso produto. Uma bela amarração de história, cultura e lazer e, assim, deve ser sempre!
Na volta, cruzamos a ponte pela plataforma inferior e, de novo na Ribeira do Porto, perto da Igreja de São Francisco, tomamos o ônibus (500), rumo a Matozinhos, trafegando ao longo do Douro até sua foz e, depois, junto ao Atlântico. Já em Matosinhos, avistamos ao longe o Terminal de Cruzeiros, projeto do arquiteto Luís Pedro Silva, professor da FAU de Porto. Chegamos a descer do ônibus, mas as visitas não eram mais possíveis. Também não era mais possível visitar a Casa da Arquitetura. Pena! Terminamos o dia em um agradável restaurante, comendo peixe grelhado e vinho. Lá mesmo, pegamos o metrô de volta para a estação Carolina Michaelis, perto do nosso hotel.
No sábado cedo, seguimos para o distrito de Braga, na região do Minho, em direção a Guimarães, uma das mais bonitas cidades medievais que conheci. Dubrovnik, na antiga Iugoslávia e hoje na Croácia, ainda está no topo da lista, mas Guimarães segue perto...
Conhecida como o “Berço de Portugal”, a antiga Vimaranes tem mais de mil anos. Passeamos pelo Centro Histórico (tombado como bem único pela Unesco), visitamos o castelo do século 10, local de nascimento do primeiro rei português. Vimos o Paço dos Duques de Bragança, a capela de São Miguel do Castelo, onde o rei foi batizado, e caminhamos por agradáveis ruelas e praças rodeadas de construções medievais e repletas de mesinhas para um bom café acompanhado dos deliciosos doces portuguesas, uma taça de vinho ou, simplesmente, para apreciar o entorno.
Guimarães é um lugar encantador e que vale a pena visitar de novo. A cidade também faz parte do caminho de Santiago, como ponto de descanso ou passagem dos peregrinos para a cidade espanhola de Santiago de Compostela, a 215km de lá. Aliás, para quem quer descansar mesmo, sugiro Guimarães como base e algumas viagens bate e volta pela região – Vila do Conde, Ponte de Lima, Vila Real, Amarante, Pinhão, Barcelos, entre outras. Não pudemos ir, dessa vez, mas fiquei com água na boca e, definitivamente, a rota já está na minha lista para viagens futuras.
De Guimarães seguimos para Braga, a mais antiga cidade de Portugal e a principal do Minho. Fundada pelo imperador romano Augusto em 16. A.C., a então Bracara Augusta, com o tempo tornou-se a capital religiosa do país, passando a ser chamada de “Roma Portuguesa”. Como Guimarães, Braga também é um charmoso centro histórico tombado e cidade universitária. Depois de percorrer e admirar seus arcos, largos, torres, igrejas, praças e cafés, seguimos para o Santuário do Bom Jesus do Monte, ponto alto da visita. A igreja atual, que substituiu a de final do século 15, é obra do arquiteto Carlos Amarante e foi iniciada em 1794. Três lances de escada (Escadarias do Pórtico, dos Cinco Sentidos e das Três Virtudes) cobrem os quase 120 metros de distância entre a parte alta da cidade e o santuário. A escadaria cenográfica de mais de 500 degraus, símbolo da ascensão da humanidade até o divino e com várias capelas representando a Via Sacra, foi implantada em diferentes décadas do século 18. Vale subir e descer a pé ou de bondinho, apreciar o parque, a igreja, a escala, as esculturas, as obras de arte e as vistas. A propósito, inaugurado em março de 1882, o funicular tem projeto do engenheiro suíço Niklaus Riggenbach (1817-1899) e execução a cargo do engenheiro português Raul Mesnier du Ponsard (1848-1914). Du Ponsard foi também responsável por vários outros elevadores e funiculares em Portugal.
De volta ao Porto, após nosso último jantar na cidade, fomos nos despedir de nosso querido e doce amigo, John D. Stewart, profissional de capacidade ímpar do Historic England, órgão responsável pelo patrimônio histórico inglês. Gentilmente, quando soube que estaríamos no Porto, ele fez questão de juntar-se a nós. Foram dois dias incríveis, enriquecidos com sua presença alegre e seus extensos conhecimentos!
Ao voltarmos da estação, sentimos um vento mais forte, estranho e úmido, mas não percebemos que ele já dava sinais da tempestade Leslie, com ventos de quase 180 quilômetros por hora e que atingiria em cheio a região central do país naquela madrugada, sobretudo Coimbra e arredores como Figueira da Foz. Era a região para onde iríamos na manhã seguinte. Durante a noite, ventos e a chuva se fizeram mais fortes. Pela manhã, assistindo ao telejornal, soubemos dos estragos causados pela tempestade daquela noite. De qualquer forma, tínhamos de seguir viagem e, na segunda-feira cedo, rumamos para Coimbra, com parada em Aveiro.
[continua na parte 2]
notas
NA – Diversas das informações foram pesquisadas em websites especializados em turismo:
https://www.cultuga.com.br
https://www.oportoencanta.com
https://viajenaviagem.com.br
https://dicasdeportugal.com.br
https://manualdoturista.com.br/arquitetura-portuguesa
http://www.monumentos.gov.pt
NE – Primeiro artigo da série da série “Na península ibérica”. Os artigos publicados são os seguintes:
DI MARCO, Anita. Na península ibérica. Porto e arredores (parte 1). Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 140.07, Vitruvius, nov. 2018 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.140/7176>.
DI MARCO, Anita. Na península ibérica. Aveiro, Coimbra e a rota dos mosteiros (parte 2). Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 141.03, Vitruvius, dez. 2019 <http://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.141/7201>.
DI MARCO, Anita. Na península ibérica. Lisboa e Sintra (parte 3). Arquiteturismo, São Paulo, ano 12, n. 142.01, Vitruvius, jan. 2019 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/12.142/7221>.
DI MARCO, Anita. Na península ibérica. Sevilha (parte 4). Arquiteturismo, São Paulo, ano 13, n. 144.01, Vitruvius, mar. 2019 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/13.144/7281>.
sobre a autora
Anita Di Marco é arquiteta e tradutora.