Pela calçada da Avenida Brigadeiro Tobias na esquina com a Rua Mauá passaram levas e levas de mulheres com roupas coloridas e ousadas; eram prostitutas e travestis que abraçadas festejavam e gritavam: viva os estudantes!
Era outubro de 1968, com 16 anos eu estava lá, e como todos sem entender o que representava a passeata tão festiva e animada. A resposta veio rápida, e delas mesmas: “nos soltaram do Presídio Tiradentes, para colocar em nossas celas os estudantes presos, viva os estudantes!”
Naquela esquina, em frente à Estação da Luz, ficava a loja dos meus pais, a Casa Mundial (sucessora da Casa Moderna), que meu pai Mejer, tinha com seu irmão Ajzyk, e onde eu a contragosto, tinha que ajudar nas horas livres, obrigação de filhos de imigrantes em geral, enfatizada para maus alunos, que era o meu caso.
A loja, pouco tempo depois, foi desapropriada para construção da Estação Luz do Metrô, cujas obras abalaram tanto a estrutura do Presídio, que foi demolido, só restando desta edificação de triste memória, o Pórtico de Entrada tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico – Condephaat.
Passados exatos cinquenta anos, lembrei-me deste episódio, que quebrou o cotidiano do comércio local, e que nunca vi relatado nas matérias jornalísticas sobre a prisão de cerca de mil estudantes no Congresso da UNE, em Ibiúna, que soltou a moçada colorida: tristeza de uns, alegria de outros.
sobre o autor
Michel Gorski é arquiteto e escritor, trabalha com arquitetura do entretenimento e urbanismo, é coeditor da revista Arquiteturismo. Autor dos livros (em parceria com Silvia Zatz): Por um triz (juvenil), O soprador (romance adulto), Irerê da Silva e A mão livre do vovô (infantis).