Christopher Alexander e sua obra
O ato de fazer arquitetura deveria ser uma questão de organizar e explorar inteiramente todo o potencial proporcionado por determinada intenção projetual. Ela precisaria não só ir ao encontro das exigências funcionais no sentido estrito, mas também fazer com que o objeto construído cumpra mais de um propósito, que possa representar tantos papéis quanto possível em benefício dos diversos usuários individuais. Isso permitiria que cada usuário fosse capaz de reagir a ele à sua própria maneira, interpretando-o e atribuindo-lhe valores estéticos e simbólicos, de modo pessoal para integrá-lo a seu ambiente familiar (1).
Logo, a área de Arquitetura precisaria possuir papel fundamental no desenvolvimento, incentivo e difusão de métodos de projeto para a construção civil. Novas abordagens projetuais, pensadas para responder aos desafios ambientais, socioeconômicos e tecnológicos dentro desse setor, podem construir novas concepções de edifícios no mundo, aprimorando-os. Parte-se da ideia de que para uma arquitetura qualificada é necessário despender maior tempo no ato de elaborar sistemas projetuais, seguido pelo ato de projetar e, por último, o próprio ato de construir.
Nesse sentido, Christopher Alexander, arquiteto, matemático e urbanista nascido em 1936, dedicou-se principalmente à pesquisa sobre o modo de projetar e construir, usando recursos sistêmicos, matemáticos, empíricos e participativos, com a intenção de encontrar um método unificado de projetar e construir e tornar esse ato uma tarefa mais científica.
O primeiro passo de Alexander, com essa intenção, foi marcado pela publicação, em 1964, da obra denominada Notes on the Synthesis of Form (Ensaio sobre a Síntese da Forma), onde desenvolveu uma descrição de como se dá o processo de projeto dentro de uma perspectiva sistêmica, no qual a forma deveria satisfazer os requisitos do contexto em que se insere qualquer edifício. Fazendo uso de um raciocínio abstrato influenciado por sua formação de matemático, basicamente o que Alexander conclui é que enumerar o conjunto das possíveis falhas futuras do projeto seria bem mais fácil do que todas as qualidades necessárias e desejadas, por ser um conjunto com um número bem menor de elementos, e por serem os defeitos mais evidentes aos olhos de qualquer um, inclusive dos leigos. No entanto, evitar problemas em potencial não garante que as qualidades mais importantes sejam alcançadas, automaticamente. Segundo o autor, isso pode ser alcançado com a ajuda de um processo denominado por ele de auto-inconsciente (que, em outras palavras, é a própria criatividade) que coexiste com a racionalidade ou ao processo autoconsciente.
Brandão (2) esclarece que esse não é, porém, o único recurso sugerido por Alexander para simplificar o complexo processo de projeto. Alexander o compara com a solução de um grande problema, dividido em uma infinidade de subproblemas, e que pode ser devidamente dividido em dois conceitos: Contexto e Forma. O autor define Contexto como se fosse composto de dados, axiomas e constantes presentes no enunciado de um problema de matemática, ou seja, questões ambientais, legais, culturais, sociais etc, pertinentes ao projeto. Forma define como sendo a incógnita ou a parte variável e manipulável pelos arquitetos. Para resolver esse problema, o arquiteto criaria listas de requisitos e tabelas de interconexão entre eles. Em seguida, ele deveria representar esse modelo, o que poderia ser feito de vários modos.
Aos conjuntos e subconjuntos assim obtidos seria possível propor soluções espaciais. A resposta para o problema, isto é, a forma, percorreria o caminho inverso ao da identificação de requisitos e de suas relações internas: para cada grupo de requisitos, uma parte da solução seria elaborada. Uma vez juntas as partes, surgiria a forma (FIGURA 3). Os diagramas construtivos assim dispostos funcionariam como uma ponte entre o problema e a forma.
No ano de 1965, um ano depois da publicação de seu Ensaio sobre a Síntese da Forma, escreveu o artigo A City is not a Tree (Uma Cidade não é uma Árvore), no qual desaconselha o uso do gráfico em árvore como recurso subjacente ao processo sistêmico. No texto demonstrou sua postura em relação à arquitetura moderna, ao formular severa crítica ao modelo de cidade funcional defendido por arquitetos modernos. Para ele, as cidades possuíam características naturais e espontâneas, essenciais à vida e às necessidades de seus habitantes; portanto, não deveriam ser concebidas com a simplicidade estrutural de uma árvore, nem tampouco distorcer a concepção real do que é uma cidade, com sua complexidade estrutural natural e sua realidade social (3).
Alexander percebeu que, entre os diversos níveis de sua árvore, operam inter-relações não verticais; então, propõe o gráfico em semí-retícula (FIGURA 4), também usado em estatística, mas com mais conexões internas, e que representaria um processo mais espontâneo para se pensar a cidade. Todavia, para ser fiel às complexas necessidades e às vontades de uma comunidade, não poderia faltar a participação dessas pessoas dentro do processo de projeto para que os itens que compõem os gráficos sejam os mais fiéis ao contexto dos usuários (4).
Alexander logo constatou que os requisitos de um problema de projeto e suas inter-relações eram tão inumeráveis e imprevisíveis que nenhum sistema racional seria capaz de fazer surgir a forma a partir dos diagramas construtivos que ele propunha como ponte. Ao colocar em cheque o ideal cartesiano de subdivisão como meio de solução de problemas, suas pesquisas tomaram novos rumos. Abandonando o reino puro das matemáticas e da lógica, Alexander voltou a se interessar pelas diferentes culturas e modelos tradicionais de se construir. Mais que isso, os procedimentos dessas culturas se tornaram, para ele, exemplos a serem seguidos. Assim, inicia-se uma nova fase de pesquisas para o autor.
Christopher Alexander avalia que a participação dos usuários nos processos de projeto é a primeira condição para o bom êxito da atuação profissional do arquiteto. Mas essa participação, por sua vez, depende da existência, entre os participantes, de algum repertório associado às construções, às soluções arquitetônicas e à experiência dos usuários com outros projetos da mesma natureza, mesmo que fora da condição de projetista. Para esse fim, o autor propõe que eles sejam iniciados na prática de projeto, expressando satisfatoriamente a vivência que têm como usuários em seus diálogos com o arquiteto. Com o intuito de oferecer uma ferramenta de entendimento comum entre os participantes, Alexander propõe uma sintetização de conceitos básicos da Arquitetura, sem induções estilísticas e pessoais, que ele denomina Linguagem de Padrões e que é abordada no livro A Pattern Language: Towns - Buildings - Construction (Uma Linguagem de Padrões), publicado em 1977.
Embora tenha saído mais tarde, em 1979, o livro The Timeless Way of Building (O Modo Intemporal de Construir) é essencialmente a introdução para Uma Linguagem de Padrões, fornecendo o fundo filosófico, a teoria e as instruções para o uso da linguagem. Essas obras foram desenvolvidas em paralelo ao longo de oito anos e, conforme Alexander, são as duas metades de uma única obra.
Alterando o enfoque dado durante sua primeira fase de pesquisas, Alexander passa a adotar uma postura abertamente filosófica sobre o modo de projetar e construir, discutindo seus fundamentos, suas condições, sua estrutura básica, suas causas ou princípios. Ele declara que há um modo intemporal de construir, “tem milhares de anos e é hoje o mesmo de sempre” (5). Conforme Christopher Alexander, esse modo de construir deve ser aprendido, tanto pelos arquitetos, como pelos usuários, pois “não é possível fazer grandes cidades, nem grandes edifícios, nem lugares graciosos nos quais você se sente bem consigo mesmo, lugares em que você se sinta vivo, se não segue esse modo”. A título de exemplo, o autor apresenta alguns edifícios, convidando o leitor a observá-los e declara que “estão vivos. Têm essa graça sonolenta e desajeitada que provêm da perfeita naturalidade” (6).
O último trabalho de fôlego do autor se intitula The Nature of Order (A Natureza da Ordem), composto por quatro livros lançados entre 2002 e 2005, e que dão sequência ao trabalho iniciado em O Modo Intemporal de Construir. Se na primeira fase Alexander empenhou-se em estabelecer um método, à medida que suas pesquisas avançaram ele passou a dar mais valor à atitude de quem cria ao invés da de quem tenta criar algo. Ele afirma que há uma ordem auto generativa, que faz com que as coisas se desenvolvam e se tornem vivas, responsável pela harmonia do espaço físico tal como esse é produzido pelas culturas primitivas. Sendo essa ordem auto generativa, não é necessário trabalho para alcançá-la; em outras palavras, não é necessário projeto. Seu discurso torna-se cada vez mais metafísico; tal postura trouxe prejuízos a sua credibilidade, já bastante abalada, no meio acadêmico, esse formalmente rigoroso (7).
Há em The Nature of Order, também, um viés abertamente religioso, buscando abordar tais questões através de um direcionamento científico e filosófico. Alexander descreve laços profundos entre a natureza da matéria, a percepção humana do universo, e as geometrias que as pessoas constroem em edifícios, cidades e artefatos. Ele sugere uma ligação crucial entre práticas e crenças tradicionais e avanços científicos recentes. Segundo o próprio autor, ao descrever seu trabalho posteriormente (8), a tarefa, conduzida por ele e seus colegas, para desenvolver uma base conceitual e experimental mais sólida, que pudesse fornecer maneiras práticas de julgar quais ambientes e quais tipos de ambientes eram realmente mais bem-sucedidos na sustentação ou promoção da saúde e bem-estar humano, trouxe sugestões da presença de Deus. Eles começaram a descobrir um novo tipo de complexo empírico em edifícios e obras de arte que está ligado ao eu humano, à espiritualidade, à saúde social e mental, a Deus, a formas de entender o papel que o amor desempenha no estabelecimento da totalidade, à função da arte, à consciência consciente do ser humano como parte de alguma entidade espiritual maior.
Tais alegações foram feitas em 2016, em artigo elaborado pelo autor para uma publicação religiosa, intitulado Making the Garden, no qual ele declara ter compreendido plenamente que existe uma conexão necessária entre Deus e a arquitetura, e que esta conexão é, em parte, empiricamente verificável. Nesse texto, ele também faz severas críticas as suas experiências enquanto aluno de arquitetura e durante seus anos como professor na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Diz ter encontrado resistência considerável, tanto por parte de outros professores, como de administradores da faculdade, mesmo enquanto o caráter religioso não estava articulado em seus trabalhos, pois, na visão do autor, o conteúdo espiritual e a mensagem subjacente à sua abordagem, embora sempre apresentadas sob uma forma aceitável ao senso comum, foram consideradas como um ataque às formas predominantes de pensamento e prática na arquitetura do século 20.
Levar a arquitetura a sério nos leva ao tratamento adequado de minúsculos detalhes, à compreensão do todo que se desdobra e a um entendimento - místico em parte - da entidade que sustenta essa totalidade. O caminho da arquitetura, assim, conduz inexoravelmente a uma renovada compreensão de Deus. Essa é uma compreensão verdadeira dentro do cânone de toda religião, não ligada a nenhuma religião em particular, algo que, portanto, move-nos além do secularismo e da luta que dilacerou o mundo por mais de mil anos (9).
De qualquer forma, uma coisa é comum a todas as fases percorridas por Christopher Alexander nessa trajetória de mais de cinquenta anos de pesquisas: ele sempre esteve querendo buscar ou conhecer o método mais correto de fazer arquitetura, acreditando a cada passo estar mais próximo de encontrá-lo.
Linguagem de padrões
O livro A Pattern Language : Towns - Buildings - Construction, com coautoria de Sara Ishikawa e Murray Silverstein, entre outros colaboradores, foram o resultado das investigações conduzidas por Alexander e sua equipe no Center for Environmental Structure (CES), em Berkeley / Califórnia / EUA. Publicado pela primeira vez em 1977 pela editora Oxford University Press, foi traduzido para outros idiomas, dentre os quais, recentemente, o português (10).
A obra é formada pela compilação de 253 parâmetros projetuais. Os padrões são agrupados em temáticas específicas, basicamente definidas por suas escalas, as quais ele classifica como partes da linguagem: cidade, arquitetura e construção. São ainda organizados e apresentados em uma ordem linear, indo das áreas maiores, como regiões e cidades, passando por bairros, conjuntos de edificações, edificações, ambientes e nichos, e finalizando com os detalhes construtivos. Cada padrão é apresentado, caracterizado e, em seguida, é dada uma lista de outros padrões aos quais ele se relaciona.
A ideia que a palavra padrão evoca em nossa língua é diferente daquela que Alexander desejava apresentar com os seus patterns. Diferentemente de algo que, pejorativamente, transmite a sensação de repetitividade e conservadorismo, de natureza determinista, os patterns retratam, em vez disso, as inúmeras variáveis bem resolvidas que norteiam os projetos arquitetônicos, dentro de cada especificidade temática (11). Barros (12), inclusive, opta pela tradução e interpretação de patterns como parâmetros projetuais, acreditando no caráter propositivo dos patterns de Alexander e que a nomenclatura parâmetro enfatizaria essa interpretação.
Os padrões são derivados das observações de atributos espaciais de lugares apreciados por seus usuários e que incorporam profundo conteúdo humanizador. Cada padrão descreve um problema que ocorre repetidas vezes no meio ambiente e então descreve o ponto central da solução do problema, de modo que possa usar essa solução diversas vezes, mas sem, com isso, acarretar resultados formais semelhantes. Alexander e sua equipe argumentam que projetos construídos que violam os padrões eram visivelmente menos bem-sucedidos do que aqueles que os seguiram.
Na obra, Alexander também rediscute elementos presentes em outros movimentos urbanísticos a respeito dos espaços de uso comum, hierarquização do sistema viário e priorização da circulação de pedestre, por exemplo: “área externa coletiva” parecida aos espaços comuns das Cidades Jardins; a “rua de pedestres” também identificada em projetos de cidades utópicas e, inclusive, nas produções modernas do início do século 20, cujas ideias foram amplamente criticadas por ele. É oportuno mencionar que muitos destes padrões inspiraram concepções urbanísticas posteriores, como os projetos de vizinhanças do New Urbanism, movimento que reconfigurou cidades norte-americanas na década de 1990. Por outro lado, não se observam presentes, nos projetos do New Urbanism, características primordiais da obra de Alexander, como a participação do usuário em todo o processo de produção do ambiente construído ou a busca por ferramentas eficazes de comunicação entre profissionais e leigos (13).
Para Alexander, a Linguagem de Padrões é, antes de tudo, uma linguagem que estimula e otimiza a troca de ideias sobre as questões mais relevantes e as aparentemente mais banais ligadas ao ato de projetar. Tradicionalmente, o arquiteto, ao apresentar o resultado de sua primeira proposta do Partido Arquitetônico para os usuários, já tomou diversas soluções projetuais que esses dificilmente poderão confirmar se, diante de cada dúvida no processo de criação, eles teriam tomado as mesmas decisões conceituais. Assim, a Linguagem de Padrões pretende reunir esses momentos de decisão em forma de problemas de projeto, especialmente aqueles anteriormente já registrados e avaliados através de evidências empíricas, mas que precisam ser discutidos para que, só então, o desenho possa ser elaborado (14).
“A filosofia fundamental por trás do uso da linguagem de padrões é que as edificações devem ser adaptadas de maneira única às necessidades de seus usuários e lugares; e que o projeto das edificações deve ser um tanto informal e fluido, de modo a atender a estas sutilezas” (15).
Dessa forma a obra assumiu um papel fundamental nas discussões de fatores do projeto arquitetônico e da relação ambiente construído-comportamento humano. Os padrões, e as redes por eles estabelecidas, poderiam ser utilizados em infinitas combinações por aqueles que desejam construir espaços mais vivos. Essas redes teriam a mesma estrutura de semí-retícula proposta no artigo Uma Cidade não é uma Árvore, baseando-se na noção cartesiana da divisão de um problema em partes menores e possibilitando a manifestação da solução através do agrupamento dessas pequenas soluções. Apesar da obra ser bastante extensa, com mais de mil e cem páginas, o autor declarou não ter tido a pretensão de esgotar os padrões possíveis, dada a fonte inesgotável de padrões de acontecimentos da vida (16).
Ainda, mesmo sem tratar do assunto abertamente, para Kowaltowski e Barros (17) o livro foi um verdadeiro precursor de alerta sobre a sustentabilidade, trazendo à tona as preocupações referentes ao impacto socioambiental da construção civil e do desenho das cidades. “Muitos patterns tratam, concomitantemente, do suporte à vida para além da pura contabilidade de recursos naturais, canalizando a necessidade humana inata por ambientes enriquecedores, vivos e saudáveis, numa visão holística.”
O conceito linguagem de padrões
Para Christopher Alexander a participação dos usuários nos processos de projeto é a primeira condição para o bom êxito da atuação profissional do arquiteto. Segundo ele, essa participação está diretamente relacionada aos meios de interação dos usuários com os elementos componentes do projeto e construção, a partir de um repertório arquitetônico e conduzida em processos participativos. Como ferramenta de interlocução visando facilitar o entendimento, para que os usuários possam apreender as prerrogativas e componentes dos projetos elaborados pelos arquitetos, Alexander propõe uma sintetização de conceitos básicos da arquitetura, que ele denomina Linguagem de Padrões (18).
Em O Modo Intemporal de Construir (19), Alexander conceitualiza a Linguagem de Padrões, fornecendo o fundo filosófico, a teoria e as instruções para seu uso. Para ele, um edifício ou uma cidade só estão vivos na medida em que são governados por esse modo intemporal, descrito no título do livro. “Trata-se de um processo que extrai ordem somente de nós mesmos; não pode ser alcançado: ocorrerá espontaneamente, se o permitimos”.
Para acessá-lo, o autor declara que há a existência de uma certa qualidade sem nome, ainda que objetiva, permeando todas as coisas vivas. Ela estaria presente nos espaços que se ajustam bem aos padrões de acontecimentos que ali têm lugar, e esses padrões de acontecimentos, por sua vez, seriam os responsáveis pela geração de padrões de espaços vivos que deteriam essa qualidade sem nome.
Por sua vez, para alcançá-la, deve ser construída uma linguagem de padrões vivos, a qual funcionaria como um portal. Todos os atos de construção são regidos por linguagens de padrões de algum tipo, criadas pelas pessoas que as empregam; entretanto, para o autor, atualmente essas linguagens estão quebradas, uma vez que não são mais compartilhadas. Por isso, deve-se aprender a descobrir padrões que sejam profundos e capazes de gerar vida e uma vez que a forma de descobrir esses padrões individuais for compreendida, pode ser criada uma linguagem para qualquer tarefa de construção. A estrutura da linguagem é originada pela rede de relações entre os padrões individuais, e a linguagem vive ou não, como totalidade, na medida em que esses padrões formam um todo.
Uma vez construído o portal, pode-se atravessá-lo e passar à prática do modo intemporal. Como uma semente, a linguagem seria o sistema genético que dá aos milhares de pequenos atos criativos a capacidade de formar um todo. Dentro desse processo, cada ato individual de construção é também um processo em que o espaço se torna diferenciado, desenvolvendo-se passo a passo, um padrão por vez. Milhões de atos individuais de construção gerarão, reunidos, uma cidade viva, imprevisível, sem controle, que seria o lento surgimento da qualidade sem nome.
Alexander considera que as linguagens usuais de projeto, ao contrário da linguagem proposta, são fragmentadas e não fundamentadas em considerações naturais e humanas; ou seja, não permitem a liberação da qualidade no ambiente construído que faz com que as pessoas se sintam vivas. Como um centro arquétipo para outras possíveis linguagens, a sequência apresentada seria um mapa básico a partir do qual se pode configurar uma linguagem própria para cada projeto, escolhendo os padrões que lhe são mais úteis (20).
É importante observar que a Linguagem de Padrões, como o próprio nome sugere, conceitualmente pode ser interpretada como regras de gramática. Battaus (21) explica que para Alexander e sua equipe é necessário, em primeiro lugar, observar os componentes do meio ambiente tidos como coisas fundamentais, às quais denomina padrões. Conjuntamente, considera importante que se compreendam os processos generativos desses padrões (as suas fontes) essencialmente como linguagens.
Conforme Juhasz (22), um padrão é tanto a menor unidade significativa no ambiente construído, assim como unidades que são colocadas juntas em várias combinações, constituindo unidades significativas de ordem superior. Entretanto, ao contrário de palavras, a linguagem no ambiente construído não é óbvia. Isto acontece porque, em primeiro lugar, dentro dos padrões são incorporadas regras que especificam as combinações possíveis. Colocando-se isso de outra forma, um padrão é tanto a palavra, como o estado de sintaxe, ou seja, a relação lógica estabelecida pela disposição das palavras (nesse caso, dos padrões). Em segundo lugar, a capacidade dos povos para ler o ambiente construído tem-se deteriorado devido ao processo de mistificação da arquitetura. Assim, já que o reconhecimento de padrões não é um processo intuitivamente óbvio eles exigem definições e, como regras de gramática, precisam ser descobertos.
Hertzberger (23) também faz uma comparação entre forma e uso à relação entre língua e fala. A língua, como um instrumento coletivo, permite as pessoas moldarem seus pensamentos e comunicá-los uns aos outros, contanto que sigam convenções da gramática e da sintaxe. Como as palavras e as frases, as formas dependem do modo como são lidas e das imagens que são capazes de suscitar para o leitor. Uma forma pode evocar imagens diferentes em pessoas diferentes e em situações diferentes; desse modo, assumir um significado diferente. Essa consciência modificada da forma acaba por permitir que o ser humano faça coisas que possam se adaptar melhor a mais situações.
Para Queiroz (24) a Linguagem de Padrões não é apenas uma invenção matemática de Alexander para organizar e simplificar as decisões de arquitetos e usuários de projetos. É, na verdade, a formatação sugerida por um processo natural que se dá no Mundo Real (em primeiro nível) e no Mundo da Representação ou Imagem Mental (em segundo nível) de todos os envolvidos, não apenas em projetos arquitetônicos, mas em qualquer tarefa que exija algum raciocínio.
Barros (25) explica que os padrões de Alexander são apresentados como proposições do tipo se / então: descreve-se um problema recorrente no ambiente construído (se); apresentam-se as condições para uma solução (então). O uso dos padrões não necessariamente acarretaria resultados formais semelhantes e a relação entre eles não é linear, visto que ocorre uma riqueza de conexões em diferentes níveis.
Segundo Salingaros (26), após identificado o problema, o formato proposto por Alexander e seus colegas para determinar um padrão consiste primeiramente em uma declaração resumindo a filosofia sobre um tópico específico. Os autores seguem a explanação com uma argumentação que suportaria tal padrão: dados estatísticos; análise científica; descobrindo a ocorrência simultânea desse padrão em culturas totalmente diferentes; fatores psicológicos, estruturais ou razões culturais, etc. O padrão termina com pequeno parágrafo escrito no modo verbal imperativo, com algum tipo de prescrição em termos práticos para ajudar a incorporar o padrão em um projeto real.
Por exemplo, para o padrão Estacionamentos Pequenos é dada a seguinte declaração: "Estacionamentos muito grandes criam áreas extremamente desumanas" (27).
Na argumentação, entre outras justificativas, é mencionado:
“a malha social é ameaçada pela mera existência de automóveis, se as áreas de estacionamento ocuparem mais do que 9 ou 10% do solo de uma comunidade [...] estacionamentos minúsculos são muito melhores para o meio ambiente do que os estacionamentos grandes, mesmo que a área total dos dois seja idêntica [...] estacionamentos grandes, por sua própria natureza, se apropriam da paisagem, criando lugares desagradáveis e acarretando resultados deprimentes nas áreas abertas que os circundam [...] adequados para os automóveis, têm características completamente inadequadas para os seres humanos” (28).
Por fim, para a prescrição em termos práticos os autores concluem:
“Portanto: Faça estacionamentos pequenos para, no máximo, cinco ou sete automóveis, cada um circundado por muros, cercas vivas, cercas de madeira, taludes ou árvores, de maneira que do lado de fora os veículos fiquem praticamente invisíveis. Distribua estes estacionamentos pequenos de modo que fiquem a pelo menos 30 metros de distância um do outro” (29).
Considerações finais
“Criar sistemas é fundamentalmente tarefa do arquiteto, pois apenas ele tem formação técnica e humana para compreender a complexidade das contingências socioculturais e tecnológicas e propor respostas em diferentes escalas” (30). Precisa partir desse profissional, portanto, uma disposição maior para refletir, questionar e pensar sobre o projeto de arquitetura. Suas providências necessitam também ser tomadas num sentido pragmático, pois qualquer ideia tem validade apenas se trouxer alguma contribuição para a vida das pessoas. Com a devida observação de que, como a realidade é complexa e cheia de nuances, não há como afirmar que todas as pessoas serão beneficiadas igualmente por uma mesma proposta.
Para Salingaros (31), muitas das críticas à linguagem de padrões de Alexandre são válidas em algum ponto, seja por refletir a filosofia e o estilo de vida consoante à década de 1960, por ser em alguns casos bastante radical e difícil de ser incorporada na arquitetura e planejamento urbano contemporâneos ou por ignorar quase tudo que é julgado arquitetonicamente importante no século 20. Mas em sua visão, ainda assim tais motivos podem ser considerados triviais frente à importante mensagem que a obra oferece, que é a de favorecer a conexão do espaço construído com os seres humanos.
O centro do discurso de Alexander é, claramente, a qualidade de vida das pessoas no espaço construído. Além do mais, se há um entendimento que permanece durante a leitura da obra desse autor é a necessidade de se refletir sobre a concepção e construção do pensamento projetual. O processo de projeto que procura soluções de qualidade necessita, além de conhecimento sólido no campo de atuação profissional, de base crítica interna que auxilie no direcionamento do projeto em desenvolvimento sem, no entanto, mecanizá-lo a ponto de impossibilitar a manifestação da criatividade. E é justamente na formação dessa base crítica que o conceito da linguagem de padrões é vantajoso. Acredita-se que estratégias propostas a partir dele podem constituir um embasamento flexível para a emergência de novas ideias e contribuir para a reflexão e a prática do processo projetivo, visando à melhoria da qualidade do ambiente construído.
notas
NA
Este artigo foi desenvolvido a partir de dissertação apresentada pelo autor ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Construção Civil da Universidade Federal do Paraná.
1
HERTZBERGER, Herman. Lições de arquitetura. São Paulo, Martins Fontes, 1996, p. 151.
2
BRANDÃO, Otávio Curtiss Silviano. Sobre fazer projeto e aprender a fazer projeto. Orientador Joaquim Manoel Guedes Sobrinho e Helena Aparecida Ayoub Silva. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 2008.
3
BATTAUS, Danila Martins de Alencar. Parâmetros de projeto (patterns) de Christopher Alexander traduzidos para o português. Risco: Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo, n. 17, 2013, p. 144-146.
4
ALEXANDER, Christopher. A cidade não é uma árvore. Cuadernos summa - nueva visión: enciclopedia de la arquitectura de hoy, n. 9, abr. 1968, p. 20–30.
5
ALEXANDER, Christopher. El modo intemporal de construir. Barcelona, Gustavo Gili, 1981, p. 21.
6
Idem, Ibidem, p. 18-22.
7
BRANDÃO, Otávio Curtiss Silviano. Op. cit.
8
ALEXANDER, Christopher. Making the garden. First Things, Institute on Religion and Public Life, fev. 2016 <https://www.firstthings.com/article/2016/02/making-the-garden#print>
9
Idem, ibidem.
10
ALEXANDER, Christopher; ISHIKAWA, Sara; SILVERSTEIN, Murray; JACOBSON, Max; FIKSDAHL-KING, Ingrid; ANGEL, Shlomo. Uma Linguagem de Padrões. A Pattern Language. Porto Alegre, Bookman, 2013.
11
QUEIROZ, Marcos. O experimento com a escola de música da UFBA: um processo participativo utilizando a linguagem de padrões de Christopher Alexander. Cadernos PPG-AU/UFBA, v.3, n.1, 2004 <http://www.portalseer.ufba.br/index.php/ppgau/article/view/1410>
12
BARROS, Raquel Regina Martini Paula. A Integração de conhecimento qualitativo no processo de projeto. PARC Pesquisa em Arquitetura e Construção, Campinas, vol. 1, n. 3, 2008.
13
BATTAUS, Danila Martins de Alencar. Parâmetros de projeto (patterns) de Christopher Alexander traduzidos para o português (op.cit.), p. 144-146; BATTAUS, Danila Martins de Alencar. O New Urbanism e a linguagem de padrões de Christopher Alexander. Oculum Ensaios, v. 12, n. 1, Campinas, 2015, p. 111-126.
14
QUEIROZ, Marcos. Op.cit.
15
ALEXANDER, Christopher; ISHIKAWA, Sara; SILVERSTEIN, Murray; JACOBSON, Max; FIKSDAHL-KING, Ingrid; ANGEL, Shlomo. Uma Linguagem de Padrões. A Pattern Language (op.cit.), p. 961.
16
BRANDÃO, Otávio Curtiss Silviano. Op. cit.
17
KOWALTOWSKI, Doris Catharine Cornelie Knatz; BARROS, Raquel Regina Martini Paula. Prefácio. In ALEXANDER, Christopher; ISHIKAWA, Sara; SILVERSTEIN, Murray; JACOBSON, Max; FIKSDAHL-KING, Ingrid; ANGEL, Shlomo. Uma Linguagem de Padrões. A Pattern Language. Op.cit.
18
QUEIROZ, Marcos. Op.cit.; BATTAUS, Danila Martins de Alencar. Parâmetros de projeto (patterns) de Christopher Alexander traduzidos para o português (op.cit.), p. 144-146.
19
ALEXANDER, Christopher. El modo intemporal de construir (op.cit.).
20
BARROS, Raquel Regina Martini Paula. Op.cit., 2008.
21
BATTAUS, Danila Martins de Alencar. Parâmetros de projeto (patterns) de Christopher Alexander traduzidos para o português (op.cit.), p. 144-146.
22
JUHASZ, Joseph B. Christopher Alexander and the language of architecture. Journal of Environmental Psychology. Londres, 1981, p. 241-246
23
HERTZBERGER, Herman. Op. cit., p. 92 e 151.
24
QUEIROZ, Marcos. Op.cit.
25
BARROS, Raquel Regina Martini Paula. Op.cit., 2008.
26
SALINGAROS, Nikos A. Structure of pattern languages. Architectural Research Quarterly, v.4, San Antonio, 2000, p. 149-161.
27
ALEXANDER, Christopher; ISHIKAWA, Sara; SILVERSTEIN, Murray; JACOBSON, Max; FIKSDAHL-KING, Ingrid; ANGEL, Shlomo. Uma Linguagem de Padrões. A Pattern Language (op.cit.), p. 504.
28
ALEXANDER, Christopher; ISHIKAWA, Sara; SILVERSTEIN, Murray; JACOBSON, Max; FIKSDAHL-KING, Ingrid; ANGEL, Shlomo. Uma Linguagem de Padrões. A Pattern Language (op.cit.), p. 504-505.
29
ALEXANDER, Christopher; ISHIKAWA, Sara; SILVERSTEIN, Murray; JACOBSON, Max; FIKSDAHL-KING, Ingrid; ANGEL, Shlomo. Uma Linguagem de Padrões. A Pattern Language (op.cit.), p. 506.
30
BERRIEL, Andrea. Arquitetura de madeira: reflexões e diretrizes de projeto para concepção de sistemas e elementos construtivos. Orientador Jorge Luís Monteiro de Matos e Josilena M. Z. Gonçalves. Tese de doutorado. Curitiba, UFPR, 2009, p. 60.
31
SALINGAROS, Nikos A. Op.cit., p. 149-161.
sobre os autores
Marco Aurélio Peixe possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Paraná (2006), Especialização em Design de Interiores pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (2010), e, atualmente, é mestrando do Programa de Engenharia de Construção Civil da Universidade Federal do Paraná.
Sergio Fernando Tavares é doutor em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005), é formado em Arquitetura. Atualmente é Professor Titular da Universidade Federal do Paraná no Departamento de Arquitetura e Urbanismo e no Programa de Pós Graduação em Engenharia da Construção Civil. Entre Outubro de 2015 e Novembro de 2016 realizou estágio pós doutoral na Universidade do Minho, Guimarães, Portugal.