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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
A mudança no exercício do projeto para ambientes hospitalares, considerando a percepção dos usuários e os estudos sobre ambiência em arquitetura, observada a partir três atributos da ambiência – territorialidade, privacidade e apropriação.

english
The change in the exercise of the project for hospital environments, considering the users' perception and the studies about ambience in architecture, observed from three ambience attributes - territoriality, privacy and appropriation.

español
El cambio en el ejercicio del proyecto para ambientes hospitalarios, considerando la percepción de los usuarios y los estudios sobre el ambiente, observada a partir de tres atributos de la ambición - territorialidad, privacidad y apropiación.


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SILVA, Cristiane Neves da. Aspectos subjetivos dos ambientes de atenção à saúde e sua relação com o ambiente construído. Arquitextos, São Paulo, ano 18, n. 212.05, Vitruvius, jan. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/18.212/6867>.

É recorrente ao longo da última década, em estudos sobre  arquitetura para ambientes de saúde (1), a menção à necessidade de revisão das metodologias relativas ao projeto para tais edificações. Dentre os aspectos apontados pelos especialistas, destaca-se a necessidade de buscar o retorno de sua função primordial de locais voltados à cura, com protagonismo dos usuários e o resgate da dimensão humana. Santos e Bursztyn (2) mencionam que um dos desafios a serem enfrentados pelos projetistas de ambientes de saúde, é justamente o resgate da dimensão pessoal, trazendo de volta o foco na humanidade e não somente na tecnologia e normatização. A Organização Mundial da Saúde - OMS, também apontou a necessidade de reformulação dos sistemas de saúde no mundo inteiro, trazendo os indivíduos para o “centro da atenção sanitária” (3) e minimizando a perda de identidade traduzida pela desumanização (4).

Carvalho (5) afirma que a delimitação dos espaços em uma edificação de saúde é resultado de uma “ação conjunta”, que exige a participação e a responsabilidade de cada membro da equipe de trabalho. Pode-se ampliar este conceito estabelecendo a necessidade de participação nestas ações conjuntas, tanto dos profissionais que atuam nas diversas áreas das edificações de saúde, quanto dos seus demais usuários, cuja participação nos processos de planejamento é defendida como um meio de propiciar a humanização.

A humanização da edificação hospitalar é assunto de inúmeros estudos acadêmicos e técnicos ao longo das últimas duas décadas, bem como de políticas governamentais afins. No ano de 2006 o Ministério da Saúde Brasileiro lançou a Cartilha de Ambiência, como uma diretriz da humanização na busca pela qualificação do processo de projeto. A ambiência também é objeto de estudos de pesquisadores de áreas como arquitetura e psicologia ambiental, voltados às edificações de saúde, em sua maioria, ligados aos aspectos espaciais e construtivos. Outros estudos sobre ambiência voltam-se para a apreensão dos aspectos relativos à subjetividade dos usuários e as possibilidades de sua interferência na compreensão e nas reações de interação entre os indivíduos e o espaço construído.

Observamos três atributos da ambiência, relativos ao comportamento sócio espacial – territorialidade, privacidade e apropriação - relacionando-os com os eixos estabelecidos na Cartilha de Ambiência do Ministério da Saúde e com aspectos da psicologia ambiental relativos a ambientes de saúde, considerando os intervenientes relativamente ligados às funções exercidas e buscando auxiliar na avaliação e análise de aspectos subjetivos que podem influenciar a percepção do ambiente construído hospitalar, de forma a auxiliar na qualificação do processo de projeto. 

Ambiência

A ambiência torna-se um conceito capaz de auxiliar a produção de projetos ao considerar o espaço não somente como meio físico, mas também estético, psicológico e estruturado, com o valor próprio dado por cada indivíduo que nele permanece ou exerce atividades (6). O termo ambiência deriva do francês “ambiances”, cujo estudo pode ser mapeado nas escolas de arquitetura francesas desde a década de setenta (7). No âmbito deste texto, podemos adotar a descrição de Amphoux (8), explicando que o conceito de “ambiências” expressa as atmosferas materiais e morais que permeiam e envolvem sensações relacionadas, por exemplo, à luz, o som e à temperatura dos ambientes.

O conceito de ambiência engloba o ambiente construído em conjunto com os efeitos subjetivos que este induz no comportamento dos indivíduos. Nos estudos de ambiência não se considera simplesmente a composição do espaço, mas a inter-relação deste com a experiência sensível que é ocasionada nos sujeitos que o habitam. O uso do termo no plural é decorrente da associação do espaço a várias ambiências, de acordo com as condições físicas, psicológicas, ambientais, temporais, culturais ou quaisquer outras, que possam influenciar a subjetividade dos indivíduos e mudar a percepção a cada momento ou situação (9).

Podemos considerar que, ao ser elaborado um projeto arquitetônico segundo os parâmetros estabelecidos nos estudos de ambiência, seus componentes devem considerar não somente os aspectos formais, estéticos e normativos, mas também avaliar e considerar as condições ambientais que podem ser percebidas pelos usuários (10). Considera-se também a interação destes usuários com os espaços projetados através de seus sentidos, influenciados por aspectos subjetivos, relativos às sensações que lhes são passadas pela ambiênciae que irão influenciar suas ações e reações relativas a tal espaço.  “A ambiência, portanto, é a responsável para que as pessoas compreendam o espaço por meio de suas próprias experiências e das relações que estabelecem com os lugares” (11).

Enfermaria de observação pediátrica no setor de emergência do Hospital Federal de Bonsucesso RJ
Foto Cristiane N. Silva

Augoyard ressalta que a Ambiência é algo muito fácil de sentir, ao mesmo tempo em que explicá-la é o que há de mais difícil (12). Os aspectos relacionados fazem parte daqueles que possuem a capacidade de interferir na percepção do ambiente, podendo ser identificados como atributos das ambiências e servindo de base para apreensão de aspectos relativos ao meio físico a ser projetado, de forma a minimizar os efeitos negativos que possam ocasionar aos indivíduos que utilizem os espaços construídos. 

O projeto para ambientes de saúde e a ambiência do SUS

O arquiteto Luiz Carlos Toledo, sinalizou a necessidade de buscar-se a novas metodologias de projeto, mais adequadas ao estágio atual de desenvolvimento da arquitetura hospitalar, considerando aspectos técnicos e normativos, sem deixar de observar “os estudos relativos à percepção, expectativas, valores e comportamento dos usuários”.  Toledo conclui que devem ser consideradas no processo de projeto necessidades “de caráter psicológico, muito mais sutis e difíceis de serem apreendidas por projetistas” (13).

Da mesma forma que o planejamento de saúde deve considerar as diferenças regionais referentes às necessidades populacionais, respeitando perfis epidemiológicos e questões culturais inerentes aos locais de sua implantação, “cabe ao projetista de estabelecimentos assistências de saúde conhecer as reais necessidades de seus clientes” (14). Isso significa trazer para o processo projetual as considerações e aspirações dos indivíduos que partilharão dos espaços, bem como considerações sobre as formas como tais espaços poderão influenciar nas relações, nos processos de trabalho e de recuperação da saúde. Carvalho defende a participação dos usuários nos processos de planejamento das instituições de saúde, a fim de garantir a humanização.

É com este viés que surge em 2006, a Cartilha da Ambiência do Ministério da Saúde, proposta como uma diretriz que funcione como ferramenta de qualificação do processo de projeto e estabelecendo o conceito de ambiência como “o tratamento dado ao espaço físico entendido como espaço social, profissional e de relações interpessoais que deve proporcionar atenção acolhedora, resolutiva e humana”. Esta ferramenta propõe projetar os espaços “além da composição técnica”, considerando também as situações construídas nos “espaços e num determinado tempo, vivenciadas por uma grupalidade (...) com seus valores culturais e relações sociais” (15).

A Cartilha da ambiência ambiciona atingir esse objetivo, seguindo primordialmente três eixos relativos aos espaços considerados no projeto, a serem sempre pensados em conjunto:

  • a busca da confortabilidade focada na privacidade e individualidade dos sujeitos envolvidos;
  • a produção de subjetividades através do “encontro de sujeitos”, a discussão coletiva e a reflexão conjunta sobre os processos de trabalho realizados nos ambientes;
  • a utilização do espaço como “ferramenta facilitadora do processo de trabalho”, proporcionando melhor gestão e utilização de recursos e qualificando o acolhimento e o atendimento em saúde através da melhoria dos espaços de trabalho (16).

Ambiência nos espaços de atenção à saúde.

Alguns dos atributos das ambiências estabelecidos pelos pesquisadores da área podem ser relacionados com os eixos constantes na Cartilha de Ambiência do Programa de Humanização do Ministério da Saúde do Brasil. Para estabelecer este paralelo, é necessário apresentar os conceitos em questão, propiciando melhor compreensão dos atributos e sua relação com os eixos da Cartilha.

Eixos da Cartilha de Ambiência do Programa Nacional de Humanização

Confortabilidade – focado na privacidade e individualidade dos sujeitos através dos elementos de formação dos espaços com os quais estes sujeitos possam interagir diretamente e estimular a percepção ambiental (17).

Segundo Elali (18), a confortabilidade é diretamente relacionada com a atenção às necessidades dos sujeitos e à sua acomodação no ambiente onde se localiza. Esta sensação de conforto é ocasionada tanto pelos aspectos mensuráveis e/ou tangíveis, tais como som, temperatura, aspectos plásticos, mas também pelas emoções ocasionadas aos indivíduos na convivência com estes espaços e suas características.  A sensação de conforto pode ser estimulada em espaços que permitam, além do bem estar físico, sensações como segurança e autonomia através de boa orientação, ferramentas que facilitem os processos de trabalho e possibilitem condições de privacidade e respeito ao espaço pessoal dos indivíduos. A composição adequada entre morfologia, cinestesia, aspectos plásticos e ambientais mensuráveis com valores culturais, privacidade, individualidade, não mensuráveis, mas perceptíveis em sua incorporação nos espaços construídos, tendem a proporcionar sensações de conforto e bem estar, principalmente quando incorporados a espaços de uso coletivo ou de transitório (19) por períodos breves ou longos, como é comum nos ambientes de saúde.

Produção de subjetividades – trata da reunião dos profissionais envolvidos nos processos de trabalho realizados nos ambientes de saúde, a fim de que possam discutir e sinalizar, de acordo com sua experiência e conhecimento, quais seriam as melhores práticas e a melhor formatação espacial para o trabalho realizado.  Estas reuniões de usuários diversos pode facilitar a expressão dos pensamentos, trazendo a contribuição no projetar, o protagonismo e a apropriação pelos ambientes resultantes, além da melhoria na interação e no trabalho realizado. Seus resultados interferem no cuidado de uma forma geral, e nos resultados dos serviços assistenciais prestados.

Ferramenta facilitadora do processo de trabalho – está diretamente interligada com a produção de subjetividades, uma vez que tem por base a melhoria dos espaços de trabalho através da ambiência, utilizada como ferramenta qualificadora da gestão e da utilização dos recursos, bem com o do acolhimento e do atendimento aos pacientes. Se considerarmos que nos espaços de atenção à saúde, o ambiente de trabalho é, ao mesmo tempo e em sua maior parte o ambiente do cuidado, a melhoria dos processos de trabalho, a qualificação destes espaços poderá interferir diretamente na percepção do cuidado e na recuperação dos pacientes.

Atributos da Ambiência considerados em relação à Cartilha da Política Nacional de Humanização do Ministério da saúde no Brasil

Territorialidade

Como pode ser lido em Monken e Barcellos (20), a noção de espaço precede a de território, sendo o território formado a partir do espaço através das relações cotidianas, enraizamento, identidade e conexões nele estabelecidos por seus usuários relativas a fatores econômicos e culturais. Pode ser efetuada uma análise do hospital como um território cuja organização é complexa e composta por múltiplos interesses, ocupando uma posição de “lugar crítico na prestação de serviços de saúde” (21) e contendo identidades profissionais de grande reconhecimento social. São instituições permeadas por modelos administrativos que incentivam a fragmentação e a hierarquia, minimizando a autonomia dos sujeitos.

Os hospitais são compostos por diversos territórios e também por “terri­torialidades sobrepostas e articuladas no mesmo espaço geográfico” (22), que se devem  às complexas e diversificadas formas de apropriação do espaço e construção de territórios possíveis. Estes territórios são o espaço de concretização do trabalho assistencial, onde as diversas e inerentes relações de poder e interesses são exercidas cotidianamente (23).

A impossibilidade em estabelecer qualquer tipo de território em meio ao ambiente hospitalar, pode interferir diretamente com o critério de confortabilidade. Para os pacientes de forma relacionada à dificuldade em estabelecer algum tipo de ligação/identidade em ambientes completamente fora de seu cotidiano pessoal e onde muitas vezes precisam dividir o espaço com desconhecidos.  Para os usuários ligados aos serviços hospitalares interfere diretamente com o estabelecimento das áreas de exercício de função, hierarquia e poder.

Privacidade

Entende-se por privacidade, o direito de cada pessoa em restringir o conhecimento e apreciação alheia do que lhe é pessoal e privado. A privacidade contempla o direito à individualidade, proteção da intimidade, respeito à dignidade e limitação de acesso tanto ao corpo quanto aos objetos íntimos, relacionamentos familiares e sociais de cada ser humano. Na percepção de pacientes a respeito dos aspectos relacionados à sua privacidade no hospital, a experiência de exposição do corpo de si e do outro, constituem condições geradoras de ansiedade, constrangimento e estresse, que repercutem em sua saúde e bem-estar (24).

As pessoas internadas em hospitais em geral são passíveis de serem submetidas a procedimentos considerados invasivos, mesmo que destinados ao cuidado assistencial, podem causar constrangimentos, desconforto e perda de sua identidade e autonomia, podendo influenciando sua percepção sobre a qualidade do atendimento prestado, diminuindo a satisfação e as sensações positivas do paciente.

Um estudo feito por Pupulim e Savada (25) verifica que os sujeitos apontaram com mais assiduidade, como fatores de caráter comportamental que podem interferir na sua privacidade pessoal, atitudes de respeito às suas preferências pessoais, bem como a possibilidade de sua autoridade sobre o espaço que ocupam no hospital, ainda que em espaços compartilhado com outros pacientes, além de outros aspectos, de cunho mais íntimo, tais como “uso do banheiro, ocasião do banho, dormir junto a estranhos”, por exemplo. A exposição e manipulação do corpo em função das práticas médicas, algumas vezes em locais com pessoas desconhecidas, além dos especialistas, causa constrangimento e falta de privacidade, mesmo com algumas alternativas de proteção, como cortinas e biombos.

Individualização de espaço nos boxes de atendimento – sala de observação masculina no setor de emergência do Hospital federal de Bonsucesso RJ
Foto Cristiane N. Silva

Estas questões podem interferir diretamente com o critério de confortabilidade, diretamente nos aspectos que se referem à privacidade, estabelecida como um dos eixos primordiais da Cartilha de Ambiência. Este aspecto é mais percebido em relação aos pacientes, mas podem também atingir os funcionários, principalmente no que se refere às áreas não assistenciais e as relações de hierarquia social entre funções, extremamente comum nos hospitais.

Apropriação e identidade

Segundo apontam Cavalcante, Azevedo e Ely (26), a apropriação é constituída por processos relativos à percepção, cognição e comportamento, uma vez que está diretamente ligada à interação dos sujeitos com as características e informações provenientes do ambiente. As autoras descrevem a apropriação como um processo subjetivo, que depende, além das características do ambiente em sua dimensão física, simbólica e cultural, mas também dos aspectos relacionados à percepção dos indivíduos, baseada em suas experiências, valores e sentimentos.

A identificação do indivíduo com o local acontece em função de sua identificação com o ambiente, da sensação de pertencimento e do reconhecimento de aspectos relativos à sua própria identidade. A apropriação está ligada diretamente a vivencia dos espaços, à realização de quaisquer atividades nele efetuadas e atribuídos significados ao ambiente, além do modo como o este responde aos anseios do indivíduo e reflete sua identidade.  A identidade é um conceito que se refere ao “reconhecimento e pertinência”, relativos à forma como cada indivíduo consegue situar-se em uma “numa relação de igualdade ou diferença” com cada ambiente, permeando o ideal de como cada um quer ser visto e reconhecido, passando e estabelecendo sua imagem (27).

O espaço pode gerar uma apropriação maior ou menor, em função de suas características e das possibilidades de ajuste, cuidado, controle, demarcação e personalização, entre outros fatores, permitindo o estabelecimento da identidade do indivíduo que o ocupa (28).

A impossibilidade de identificação ou do sentimento de pertencimento em relação a um ambiente pode gerar indiferença, reações negativas ou de pouco cuidado em relação a este.   No que se refere ao ambiente hospitalar e aos pacientes nele internados, tais reações podem ser comuns, em função da impossibilidade em desempenhar quaisquer papeis que não sejam relativos ao tratamento recebido, além da dificuldade da identificação com ambientes geralmente estéreis e que dificultam o estabelecimento de marcadores pessoais. 

Uma das características da humanização do ambiente hospitalar trata justamente de tentar fornecer aos usuários condições para realização de atividades cotidianas e de expressarem-se como indivíduos, atribuírem significados aos ambientes e identificarem-se com eles. A apropriação, neste caso, situa-se além da proposição de ambientes confortáveis e agradáveis estruturalmente, mas que permitam a criação de vínculos e reações afetivas (29) por parte dos usuários, além da apropriação simbólica do espaço, de forma que os indivíduos possam moldar neste um lugar para si e para o desenvolvimento de sua identidade (30).

As questões relativas à apropriação e identidade podem interferir no critério de confortabilidade diretamente nos aspectos que se referem à privacidade e individualidade. Para os pacientes de forma relacionada à dificuldade em estabelecer algum tipo de ligação/identidade em ambientes onde não podem estabelecer seus gostos e opiniões, ou inserir objetos que lhes tragam referencias pessoais e culturais.  Para os usuários ligados aos serviços hospitalares, a territorialidade interfere diretamente com o estabelecimento das áreas de exercício de função, hierarquia e poder, bem como com os processos de trabalho realizados e a qualificação da função e do ambiente onde esta é exercida.  

A apropriação também interfere diretamente com o critério de produção de subjetividades em função da necessidade e quase inexistência da participação de todos os usuários na discussão das alterações espaciais, o minimiza a responsabilização e apropriação dos resultados.

Considerações

O desenvolvimento da edificação hospitalar, desde a idade média até o atual hospital tecnológico dá mostras da necessidade de buscar-se de um novo olhar sobre o projeto para edificações de saúde.  Faz-se necessário, além da gama de conhecimentos já existentes, provenientes da prática e dos exemplos de EAS existentes, buscar-se a formulação de novas metodologias aplicáveis aos projetos, que além de atender aos requisitos técnicos, normativos e plásticos, considerem também “os estudos relativos à percepção, expectativas, valores e comportamento dos usuários” (31) inclui ainda, dentre os aspectos a serem considerados para os projetos de EAS, as necessidades “de caráter psicológico, muito mais sutis e difíceis de serem apreendidas por projetistas, que em sua grande maioria não possui o conhecimento e o instrumental para percepção destes aspectos (32).

A Cartilha da Ambiência, criada pelo Ministério da saúde, dentro da Política nacional de Humanização, é um primeiro passo da administração pública, visando incentivar a participação dos usuários nos processos de discussão e nas resoluções relativas aos projetos para os EAS e, no seu papel institucional, a cartilha é um passo importante para alertar aos projetistas da área hospitalar, sobre a necessidade de envolver “os donos da casa” no processo de pensar e projetar estes ambientes.  Cabe aos arquitetos e demais profissionais envolvidos com a arquitetura de ambientes de saúde, ampliar seus conhecimentos sobre o conceito de ambiência e os diversos atributos que este engloba, além dos três que foram explorados neste estudo.  O estudo dos atributos das ambiências, considerando-se os aspectos relativos aos diversos fatores que sensíveis e subjetivos que podem interferir na percepção do ambiente hospitalar por seus usuários, são de fundamental importância para a qualificação do projeto arquitetônico e sua execução dentro da vertente que visa incorporar o pensamento, a visão e as expectativas dos usuários em sua concepção.

Conforme explica Duarte (33) cada pessoa possui uma perspectiva pessoal, através da qual visualiza valores, ideias, problemas e seus próprios ideais de vida, sendo esta perspectiva elaborada ao longo de sua vida, de acordo com sua identidade cultural e social, através das quais ela idealiza seus espaços e constrói seus lugares no mundo.  Segundo Rapoport (34) para estudarem-se as relações estabelecidas pelas pessoas com os espaços, a importância do que as pessoas fazem nestes espaços é inferior ao entendimento e à importância de como elas o fazem, sendo esta a mesma vertente pela qual funciona a ambiência: “muito mais com o "como" da ação do que propriamente com o "quê" da atividade”. A ambiência estabelece de que forma se dá a percepção, não sendo ela mesma objeto desta percepção (35). Giraldi (36) também reflete acerca das variáveis projetuais, com o objetivo de demonstrar que os espaços não podem pensados somente pelas funções que prestam, sendo necessário que a eles sejam agregados novos elementos que considerem os significados simbólicos, pois estes passam a integrar a ambiência e esta, por sua vez, atua sobre o imaginário de seus usuários e nas práticas que ali serão executadas, o que se torna fundamental quando tratamos de ambientes destinados à recuperação da saúde.

Cabe-nos ainda estabelecer uma importante ressalva, quanto ao conceito de ambiência, que mesmo sendo objeto de estudos já há mais de quatro décadas, ainda assim é um conceito relativamente novo nos estudos de arquitetura no Brasil e, mais ainda nos aspectos relativos à arquitetura hospitalar, sendo de suma importância o desenvolvimento de pesquisas e estudos nesta área, de forma a qualificar o projeto e as edificações de atenção à saúde e, consequentemente a qualidade da atenção prestada ao usuário nestes ambientes.

notas

1
Refere-se aos seguintes textos: TOLEDO, Luiz Carlos. Feitos para curar: arquitetura hospitalar e processo projetual no Brasil. Rio de Janeiro, ABDEH, 2006; BITENCOURT, Fábio. Conforto e desconforto na arquitetura para ambientes de saúde: o componente humano e os aspectos ambientais. In BITENCOURT, Fábio; COSTEIRA, Elza. (org.). Arquitetura e engenharia hospitalar. Rio de Janeiro, Riobooks, 2015, p.72-97; CARVALHO, Antônio Pedro Alves. As dimensões da arquitetura de estabelecimentos assistenciais de saúde. In CARVALHO, Antônio Pedro Alves. (org). Temas de arquitetura de estabelecimentos assistenciais de saúde. Salvador, Quarteto, 2003, p. 15-28.

2
SANTOS, Mauro; BURSZTYN, Ivani. O Caminho do paciente. In COSTEIRA, Elza; BITENCOURT, Fábio (org.). Op.cit., p. 142-163.

3
WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO. The world health report 2008: primary health care now more than ever. Geneva, Switzerland: WHO Press, 2008 http://www.who.int/whr/2008/en/.

4
MALLIN, Sandra Sueli Vieira et al. Humanização da assistência em ambiência de reabilitação física: estudo de caso em Curitiba. In Anais do IV Congresso de Humanização e Comunicação em Saúde, Curitiba, 2013.

5
CARVALHO, Antônio Pedro Alves de. Introdução à arquitetura hospitalar. Salvador, Quarteto, 2014.

6
DUARTE, Cristiane Rose; PINHEIRO, Ethel; UGLIONE, Paula; COHEN, Regina. Na cidade com o outro: o papel de Jane Jacobs para a consolidação dos padrões sensíveis das ambiências urbanas. In Anais do III Seminário Internacional UrbiCentros, Salvador, 2012.

7
Refere-se aos seguintes textos: GRAEFF, Bibiana. A pertinência da noção de ambiências urbanas para o tema dos direitos dos idosos: perspectivas brasileiras. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, n. 17, Rio de Janeiro, 2014, p. 611-625. <http://www.scielo.br/pdf/rbgg/v17n3/1809-9823-rbgg-17-03-00611.pdf>; ROLIM, Eliézer. A percepção do espaço urbano - estudo das ambiences urbaines architecturales. In Anais do IV Seminário internacional URBICENTROS 4, João Pessoa, dez. 2013 <http://www.laboratoriourbano.ufba.br/wp-content/uploads/2014/09/Artigo-URBICENTROS-4.pdf>.

8
AMPHOUX, Pascal; THIBAUD, Jean-Paul; CHELKOFF, Grégoire (org.). Ambiances en débat. Bernin, À la Croisée, 2004.

9
GRAEFF, Bibiana. Op. cit.

10
BESTETI, Maria Luisa Trindade. Ambiência: espaço físico e comportamento. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, n. 17, Rio de Janeiro, 2014, p. 601-610.

11
MELO, Natália R. de; RODRIGUEZ, Beatriz Beltrão. Ambiência e (re) qualificação dos lugares de memória. In Anais do 4º Colóquio Ibero-Americano - Paisagem cultural, patrimônio e projeto, Belo Horizonte, 2016.

12
AUGOYARD, Jean François. Apud DUARTE, Cristiane Rose. Ambiência: por uma ciência do olhar sensível no espaço. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, UFRJ, 2017.

13
TOLEDO, Luiz Carlos. Op.cit.

14
CARVALHO, Antônio Pedro Alves de. As dimensões da arquitetura de estabelecimentos assistenciais de saúde. In Temas de arquitetura de estabelecimentos assistenciais de saúde. Salvador, Quarteto, 2003, p. 15-28.

15
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Ambiência / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Brasília, Editora do Ministério da Saúde, 2010, p. 32.

16
Idem, ibidem.

17
Idem, ibidem.

18
ELALI, Gleice Azambuja. Relações entre comportamento humano e ambiência: uma reflexão com base na psicologia ambiental. In Anais do Colóquio Internacional Ambiências compartilhadas: cultura, corpo e linguagem. Rio de Janeiro, 2009, p. 1-17.

19
Idem, Ibidem.

20
MONKEN, Maurício; BARCELLOS, Christovam. Vigilância em saúde e território utilizado: possibilidades teóricas e metodológicas. Cad. Saúde Pública, n. 21, 2005, p. 898-906 <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2005000300024&lng=en>.

21
Idem, Ibidem. 

22
FERREIRA, Sônia Maria Isabel Lopes; PENTEADO, Maridalva de Souza; SILVA JUNIOR, Milton Ferreira da. Território e territorialidade no contexto hospitalar: uma abordagem interdisciplinar.  Saúde Soc, v.22, n.3, São Paulo, 2013, p.804-814 <www.revistas.usp.br/sausoc/article/view/76478>.

23
Idem, Ibidem.

24
SOARES, Narciso Vieira; DALL’AGNOL. Clarice Maria. Privacidade dos pacientes – uma questão ética para a gerência do cuidado em enfermagem. Acta Paul Enferm, n.24, 2011, p. 683-688 < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002011000500014>.

25
PUPULIM, Jussara Simone Lenzi; SAWADA, Namie Okino. Percepção de pacientes sobre a privacidade no hospital. Rev. Bras. Enferm, n. 65, Brasília, jul./ago. 2012, p. 621-629.

26
CAVALCANTI, Patrícia Biasi; AZEVEDO, Giselle Arteiro Nielsen; ELY, Vera Helena Moro Bins. A humanização dos ambientes de saúde: atributos ambientais que favorecem a apropriação pelos pacientes. In Anais do IV PROJETAR - Projeto Como Investigação: Ensino, Pesquisa e Pratica, São Paulo, 2009.

27
SOARES, Narciso Vieira; DALL’AGNOL. Clarice Maria. Op.cit.

28
CAVALCANTI, Patrícia Biasi; AZEVEDO, Giselle Arteiro Nielsen; ELY, Vera Helena Moro Bins. Op.cit.

29
Idem, Ibidem.

30
SOARES, Narciso Vieira; DALL’AGNOL. Clarice Maria. Op.cit.

31
TOLEDO, Luiz Carlos. Op.cit.

32
Idem, Ibidem.

33
DUARTE, Cristiane Rose. Olhares possíveis para o Pesquisador em Arquitetura - Cultura, Subjetividade e Experiência: dinâmicas contemporâneas na Arquitetura. In Anais do II Encontro nacional da Confederação nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo – ENANPARQ, Rio de Janeiro, 2010.

34
RAPOPORT, J. Apud DUARTE, Cristiane Rose; BRASILEIRO, Alice; SANTANA, Ethel; PAULA, Katia Cristina L. de; VIEIRA, Mariana; UGLIONE, Paula. O Projeto como metáfora: explorando ferramentas de análise do espaço construído. In Duarte, C.R.; Rheingantz, P.A.; Bronstein, L.; Azevedo, G.A. (Org.). O lugar do projeto no ensino e na pesquisa em arquitetura e urbanismo. Rio de Janeiro, Contracapa, 2007.

35
AUGOYARD, Jean François. Apud DUARTE, Cristiane Rose. Op.cit.

36
GIRALDI, Rita de Cássia. Espaços de lazer para a terceira idade: sua análise por meio de diferentes vertentes. Revista Brasileira de geriatria e gerontologia, v. 17, n. 3, 2014, p. 627-636.

sobre a autora

Cristiane N. Silva é arquiteta, graduada pelas Faculdades Integradas Silva e Souza, especialista em Gestão de Redes de Saúde pela ENSP-Fiocruz e doutoranda pelo Programa de Pós Graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Ambiência Hospitalar pelo Ministério da Saúde.

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