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drops ISSN 2175-6716

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O arquiteto Vitor Pena faz paralelos entre a demontagem da maquete do Monumento à III Internacional Comunista, de Vladmir Tátlin, peça apresentada na exposição “Vkhutemas – o futuro em construção”, e a realidade política brasileira atual.

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PENA, Vitor. A desmontagem do monumento de Tátlin e o momento brasileiro. Drops, São Paulo, ano 19, n. 133.04, Vitruvius, out. 2018 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/19.133/7137>.



Terça-feira, 9 de outubro, desmontamos a maquete que fizemos para o Monumento à III Internacional Comunista, projeto de Vladmir Tátlin, 1917, que compunha a exposição Vkhutemas – O futuro em construção, exposta no Sesc Pompeia, de 27 de junho a 07 de outubro de 2018. O Monumento à III Internacional simboliza a criatividade propositiva de uma organização pedagógica revolucionária, que tinha como motivação a reconfiguração da sociedade instrumentalizada pela arte, pela ciência, pela técnica e pela cultura.

A desmontagem foi feita de forma que todos os componentes fossem devidamente desparafusados, ordenados e nomeados, não havendo desperdício de um único parafuso. A racionalização da desmontagem garante, além de não danificar as peças, que a torre possa ser erguida de novo em sua configuração completa, em outra oportunidade.

Ao finalizar a desmontagem da torre de Tatlin, e vê-la sendo devidamente protegida, empacotada e encaixotada, tivemos uma espécie de alívio. A torre, e o que ela representa, não compartilhariam nossa angústia sobre um futuro próximo e incerto.

Neste dia estávamos recém informados sobre os riscos colocados para o segundo turno da eleição presidencial brasileira: o fortalecimento, ou renascimento de um obscurantismo moralista, pseudo religioso, misógino, dogmático e violento. Um retrocesso brutal.

Enquanto desmontávamos a maquete, só conseguíamos pensar no desmonte em curso. O desmonte da democracia vem sendo cultivado e se intensificou nos últimos três anos no Brasil. Os frutos que dele colhemos, a contragosto, são as perdas de direitos sociais, trabalhistas, o desmantelamento das instituições de cultura, ciência e tecnologia, colocando em xeque a soberania popular.

A liberdade civil caminha para a berlinda. Não são só as instituições que calibram os instrumentos de perseguição. A censura é violenta e ela vem do próximo. Ela se manifesta no público, na rede social, na tv, na praça, no metrô. O ódio se materializa em agressão, repressão, incompreensão. Sabemos que não se tratam de figuras de linguagem ; relacionam-se a ocorrências deprimentes, legitimadas por uma espécie de cegueira arbitrária. O ódio é um instrumento de manipulação para o desmonte da democracia.

O desmonte aproxima-se da demolição e, assim, se opõe à desmontagem. Na construção civil, os processos de desconstrução são diferenciados entre demolição e desmontagem. A demolição pressupõe esforços destrutivos, gerando resíduos e inutilizando os componentes, reduzindo-os a entulho. A desmontagem considera a desconexão inteligente entre as partes, possibilitando reutilização.

A constituição do edifício, ou seja, a maneira como foi projetado, determina as possibilidades de sua desconstrução. Uma construção racionalizada, através da articulação entre partes independentes, permite a flexibilidade para reconfiguração e desmontagem inteligente, sem que se jogue nada fora, permitindo vida nova para os componentes.

Nesse momento, de convulsão e ruptura, entendemos que o estado de direito democrático brasileiro, que aparentava sólido, é um aglomerado de improvisos rebocado. Um monolito inflexível, que não foi projetado para transformações racionalizadas, sofrendo com ela, e que parece só poder ser desconstruído ou reconfigurado através da demolição. Retrato da sua fragilidade constitutiva.

O que estamos prestes a testemunhar e protagonizar – no campo político, psicológico e social – caso seja inevitável, em nada se assemelha à desmontagem da maquete do Monumento, em que todas as peças foram cuidadosamente desvinculadas, nomeadas e embaladas para uma montagem futura. Essa transitoriedade de estados determinou o projeto da maquete desde o início.

Não é possível desmontar e encaixotar a democracia brasileira com a esperança de que ela seja montada outra vez, num futuro próximo. O desmonte é a demolição. Esse processo gera danos irreparáveis e imprevisíveis. Tendo em vista esse cenário, o primeiro passo é compreender que existe um grande trabalho de reconstrução pela frente.

Projetar a reconstrução de algo que está sendo demolido exige cuidado, agilidade e perspicácia. É preciso compartilhar inteligência, racionalizar os recursos e projetar de maneira simultânea à desconstrução. Ao mesmo tempo em que caem os destroços, catalogamos e os utilizamos com outro significado e função. Essa imagem simboliza a construção da resiliência associada à emergência.

O convite à ação que o contexto nos faz exige criatividade e precisa estar referenciado. Referências históricas, artísticas e humanistas. Ainda que munidos de tudo isso, dependemos de união, articulação.

Pode ser que a reconstrução tenha que acontecer simultaneamente à destruição, ou pode ser que o esforço destrutivo supere o esforço construtivo, e precisaremos recomeçar de terra arrasada. Em ambos os casos, nos resta encarar a solicitação e planejar um bom canteiro de obras para essa situação provisória, enquanto projetamos uma nova torre com a garantia de que suas fundações sejam essencialmente democráticas.

sobre o autor

Vítor Pena, é arquiteto pela Escola da Cidade (2011), integrante do coletivo Goma Oficina. Participou de trabalhos como Vila Flores (Bienal de Veneza, 2016) e Fronteira Livre (Bienal Iberoamericana de Design, 2018). Atualmente desenvolve pesquisa sobre sistemas industrializados, reconfiguráveis e desmontáveis pelo mestrado profissional em Habitação, na área de concentração de Tecnologia e Construção de Edificações (TCE) no IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas.

 

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133.04 exposição
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