Um dos aspectos mais enérgicos do caráter multifacetado do arquiteto paisagista José Tabacow é sua disponibilidade – que rapidamente se transforma em disposição – para viajar. Suas viagens, entretanto, jamais seguem o manual do turismo burguês, afeito ao conforto domesticado. Suas expedições ao longo das décadas equilibram o extremo zelo em prever as dificuldades inevitáveis em sítios ermos – veículo resistente com grande autonomia seria a mais importante preocupação – e uma absoluta predisposição à imprevisibilidade do caminho a seguir, ao encontro fortuito com o homem local, ao espanto frente a maravilha natural de localidades agrestes que o continente sul-americano ainda abriga...
O gosto pela estrada surgiu ao acompanhar seu mentor nas expedições de estudo e coleta que fazia pelo país. “Aprendi a olhar as paisagens brasileiras com Burle Marx desde muito jovem e mantenho meu interesse aceso, pois sempre há o que descobrir” (1), disse Tabacow certa vez. Tais excursões têm uma bela linhagem: as “viagens de redescoberta do Brasil” dos modernistas nos anos 1920, com o turista aprendiz Mario de Andrade à frente; e as viagens de pesquisa dos arquitetos do Sphan liderados por Lúcio Costa, que a partir de 1937 registrariam a “documentação necessária” da arquitetura colonial.
Seria equivocado supor que o hábito de José Tabacow contém alguma ambição utilitária (há muito a legislação não permite a coleta). Melhor encontrar a causa em seu assombro diante do espaço incomensurável, das mutações sutis ou repentinas da luz natural, dos perfumes e texturas da vegetação, dos barulhos de ventanias e trovões. Fascínio que converge em prazer sensual tão intenso que o paisagista recusa guardar consigo de forma egoísta. “Ao contrário”, como ele já disse em outra ocasião, “há um frustrante sentimento de não conseguir mobilizar as pessoas a partilhar tanta beleza comigo” (2).
As imagens da presente exposição (3) devem ser entendidas sob tal perspectiva. Não são registros profissionais de um fotógrafo dedicado a retratar a natureza – caso de seu amigo Luiz Cláudio Marigo (4), que o acompanhou em tantas expedições –, mas fotografias amparadas pela visão de um apreciador do caminho, que deambula para chegar a lugar algum e quer apenas desfrutar da natureza que se apresenta diante de si. Assim, o olhar experiente e criativo do paisagista converte os aspectos plásticos do território em “paisagens” dignas de um fotógrafo talentoso.
Como a seleção de fotografias apresenta diversos elementos naturais, o título estrito “Paisagens de pedra” merece um comentário final. As fotos registram algo ausente, do qual só se vê tênues vestígios: as marcas da transformação no tempo. Desfiladeiros, cânions, grutas, montanhas e chapadas têm inscritos em seus minérios as fendas, fraturas e buracos provocados por movimentos geológicos ou erosão. E sobre elas se depositam e se engastam o sal e a poeira leves e inconstantes. As rochas nos avisam: estamos diante de eras que escapam à vida humana. As “Paisagens de pedra” de José Tabacow registram o tempo imemorial da natureza.
nota
1
GUERRA, Abilio. José Tabacow. Entrevista, São Paulo, ano 07, n. 028.02, Vitruvius, out. 2006 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/07.028/3299>. O trecho se encontra no módulo 8 da entrevista.
2
Idem, ibidem, módulo 8.
3
O presente artigo foi escrito para ser o “texto de parede” da exposição fotográfica "Paisagens de Pedra", de José Tabacow. XIV Enepea, Centro de Convenções da UFSM, Santa Maria RS, abertura em 02 de outubro de 2018.
sobre o autor
Abilio Guerra é professor da FAU Mackenzie e editor, com Silvana Romano Santos, do portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora.