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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Entrevista com o arquiteto Moacyr Gomes, que projetou, ao longo de seis décadas de atuação profissional, algumas das construções mais importantes edificadas na cidade de Natal, dentre as quais está o estádio “Machadão”, recentemente demolido.

english
Interview with architect Moacyr Gomes who, over six decades of professional experience, designed some of the most important buildings in Natal, among which we can find the recently demolished ‘Machadão’ stadium.

español
Entrevista con el arquitecto Moacyr Gomes, quien, a lo largo de seis décadas de trabajo profesional, ha construido algunos de los más importantes edificios de Natal, entre los que se encuentra el recientemente demolido estadio ‘Machadão’.

how to quote

BEZERRA BARBOSA, Luciano César. Entrevista com o arquiteto Moacyr Gomes. Entrevista, São Paulo, ano 14, n. 054.02, Vitruvius, maio 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/14.054/4757>.


Pórtico dos Reis Magos, Natal. Arquiteto Moacyr Gomes com a colaboração do arquiteto Eudes Galvão Montenegro, 1999.
Foto Luiz Flávio M. de Medeiros

Luciano Barbosa: Se possível, eleja três marcos - que podem ser edifícios, monumentos históricos, áreas da cidade, etc. - mais significativos para a cidade de Natal, ou seja, quais os três que melhor representam e identificam a cidade?

Moacyr Gomes: O Forte, sem dúvidas, é um marco. Você queira ou não, vindo de avião ou de navio, você depara, porque ele é a esquina da cidade. É o marco de entrada da cidade pelo mar. Agora, adentrando a cidade, não vejo, sinceramente, nenhum prédio que marque a cara de Natal, fora os que já apontei; pelo contrário, eu vejo um monte de espigões que representam a tipologia urbana de Natal hoje. Prédios e mais prédios, alguns bonitos, outros comuns, todos com alta densidade de ocupação. Então, quando você chega ali no monumento dos 400 anos, você vê a floresta de prédios, ali perto do cemitério de Emaús. Aí, eu diria o seguinte: parece cabotinismo, mas um dos marcos de Natal é a entrada, o Pórtico dos Reis Magos, também dele participei. Aliás, eu acho que, como arquitetura, é o melhor que eu fiz em Natal, mais que o Machadão, por simular uma mensagem histórica, inspirada no nascimento de Cristo e sua relação com a data de fundação de Natal, com a anunciação dos Reis Magos ao mundo por via de uma estrela cadente. Pensei que a dinâmica da estrela e a riqueza das figuras bíblicas, com suas vestes e coroas, darão poderosa imagem arquitetônica. Juntei o calculista José Pereira, o saudoso Manchinha, grande escultor, o meu amigo e excelente arquiteto Eudes Galvão e fizemos um projeto audacioso, com uma estrela abstrata, garatuja meio surrealista, e as figuras clássicas dos Reis Magos. Aí comecei a riscar num papel como quem risca sem compromisso e disse: Manchinha, faça isso com tubulação, e ele fez. Ficou bonita, mas ela tinha uma haste muito comprida, engastada na cabeça da viga, e aí, no dia da inauguração, eu passei lá cedo e vi que a estrela estava oscilando com o peso, quando o vento batia. A construtora trouxe os bombeiros, cortaram o cano e recolocaram no lugar. Ficou até mais bonito. Depois da festa de inauguração, a cidade não deu nenhuma importância, e um jornalista chegou até a chamá-lo de “parangolé”, no sentido depreciativo. Aí, minha mulher disse: “Taí, você fez tanto esforço para virar um parangolé”. Falam que Cascudo dizia: “Natal não consagra nem desconsagra ninguém”. Mas ainda bem que ele mesmo escapou; era tão bom que é consagrado até hoje. Aí, morreu o assunto. Depois comecei a observar que os visitantes a Natal paravam ali para fotografar e pensei com meus botões: aquilo tem algum valor. Eu tinha consciência de que era um bom projeto e tenho: espero que a Fifa não o veja!

LB: É um grande balanço em concreto, não é? Um dos maiores?

MG: É verdade. Quatro ou cinco anos depois, eu recebo, de Zé Pereira, um livro que ele trouxe de Belo Horizonte, de autoria do professor Augusto Carlos de Vasconcelos, pioneiro do concreto pré-moldado no Brasil, no qual abordava os maiores monumentos em concreto protendido no Brasil, e colocava o nosso pórtico como um deles. É aí onde ele diz: “Já pesquisei e já tenho certeza de que é o maior balanço de concreto protendido do continente americano e estou pesquisando para saber se é do mundo”. Outro dia, Pereira me disse que recebeu a notícia que ele concluiu que, de fato, é o maior balanço de concreto protendido do mundo. É mole? Pois bem, só completando sobre esse marco, eu fiquei definitivamente vaidoso, após o livro do professor Vasconcelos. Enquanto Natal não lhe dava nenhuma importância, demonstrando sua “qualidade” de xenófila, em Belo Horizonte, num congresso de engenheiros de todo o Brasil, estava apontado como um dos grandes exemplares de nossa arquitetura. Pouco tempo depois, completados 50 anos da minha formatura, os colegas do Rio me chamaram para a festa de comemoração. Num momento de recordação das trajetórias de cada um, ao longo de tantos anos, eis que, surpreendentemente, um colega joga na tela as imagens do nosso pórtico, dizendo: “O Moa (carinhoso apelido de nossa juventude) estava caladinho em Natal fazendo coisas bonitas como esta e não dizia pra gente!”. Ele tinha fotografado nosso pórtico e eu não sabia. Valeu como uma medalha olímpica, e por isso me atrevo a apontá-lo como um dos marcos da cidade. Deixei de apontar a ponte Newton Navarro por não estar concluída, e por ainda não estar integrada ao sistema nos termos em que deveria ter sido projetada, melhor dizendo, não me parece estar no lugar devido. Quanto ao Machadão, conforme já disse, só posso citar in memoriam porque, inexplicavelmente, foi extirpado prematuramente da vida da cidade, embora já estivesse abandonado e moribundo. 

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