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português
Este artigo chama a atenção para a eminência da aprovação do projeto de lei que muda as regras urbanísticas dos bairros de Vargem Grande, Vargem Pequena, Camorim, e de parte dos bairros de Jacarepaguá, Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes
english
This article draws attention to the imminent adoption of the project that changes the rules of urban neighborhoods Vargem Grande, Vargem Small, Camorim, and some of the neighborhoods Jacarepaguá, Barra da Tijuca and Bandeirantes in Rio de Janeiro
español
Este artículo llama la atención sobre la eminencia de la aprobación del proyecto de ley que cambia las reglas urbanísticas de barrios en Río de Janeiro
REDONDO, Andréa Albuquerque Garcia. PEU Vargens, ainda há tempo? Minha Cidade, São Paulo, ano 10, n. 112.04, Vitruvius, nov. 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.112/1825>.
No último dia 3 a Câmara de Vereadores do Rio aprovou projeto de lei que muda as regras urbanísticas dos bairros de Vargem Grande, Vargem Pequena, Camorim, e de parte dos bairros de Jacarepaguá, Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes, região extensa equivalente a pelo menos 5 vezes o território de Copacabana, Ipanema e Leblon, ou cerca de 10 vezes a área do projeto denominado Porto Maravilha. A área está contida na Baixada de Jacarepaguá, Zona Especial 5 objeto do Plano Piloto do arquiteto e urbanista Lúcio Costa ao final da década de 1960 (Figura 1 – croqui Plano Piloto).
O curtíssimo prazo de 12 dias em que o Projeto de Lei Complementar (PLC) foi apresentado – oficialmente pelas Comissões e não pelo Poder Executivo, votado com 38 votos a favor, 7 votos contrários, 4 abstenções e 2 ausências, e aprovado em Segunda Discussão, gerou uma série de questionamentos e polêmicas que encontraram eco na imprensa escrita e on-line, em destaque o Editorial do jornal carioca O Globo, no dia 07 do corrente com o título Sob Suspeita, e as manifestações contrárias de arquitetos, urbanistas, ambientalistas e alguns parlamentares.
A lei proposta é extensa e complexa: o Projeto de Estruturação Urbana em questão, apelidado PEU Vargens, discorre sobre as condições de ocupação da área em 113 artigos, vários anexos, e mapas que pretendem definir novos rumos para a ocupação da região de modo a incentivar a construção, promover a ocupação formal, e, indiretamente legalizar e estancar o crescimento de construções irregulares e invasões, prática recorrente na região.
Entre outras novidades, o novo texto prevê a aplicação da outorga onerosa do direito de construir, mediante contrapartida, em dinheiro, em troca do aumento de índices urbanísticos, a saber: aumento de gabaritos de altura, número de pavimentos, Índice de Aproveitamento da Área (IAT), taxas de ocupação e coeficientes de adensamento - e até mesmo a redução do tamanho dos lotes - que levam necessariamente à redução de áreas livres e taxas de permeabilidade, para citar apenas algumas das inúmeras mudanças físicas que resultarão das novas regras (figura 2 – tabela comparativa). O formato do PLC ainda aumenta o percentual de áreas a serem obrigatoriamente doadas ao município quando da aprovação de loteamentos e da construção de maior número de unidades residenciais e, paradoxalmente e a um só tempo, permite que essa doação de terras, para praças e escolas, por exemplo, possa ser dispensada em alguns casos, desde que o valor correspondente às mesmas seja pago à municipalidade, também em dinheiro.
É provável que mesmo os profissionais familiarizados com a intrincada legislação urbanística do Rio de Janeiro tenham dificuldades para compreender a aplicação da nova lei e suas as complicadas equações, embora seja notório que o texto contempla o grande adensamento dos bairros e altera o potencial construtivo para mais, em região sabidamente carente de infra-estrutura urbana.
Fica evidente que se trata de um instrumento de arrecadação criado no corpo de uma lei dita do Planejamento Urbano. Ou vice-versa. Entretanto, a compra de gabaritos e áreas de construção a mais que a lei oferta, mediante pagamento em dinheiro, não é garantida, tampouco a aplicação desses recursos – se vierem – na própria região. Por isso as mudanças nos bairros atingidos dependerão não apenas do poder público, mas, naturalmente, do desejo e da capacidade do mercado imobiliário que, ao eleger o lugar onde pretende atuar torna concretos os volumes definidos pelas normas e pode influenciar não apenas o aspecto físico dos bairros ou a demanda por transporte e serviços, mas até mesmo a mudança do perfil social dos moradores locais.
Neste aspecto restaria ainda analisar se a aplicação da outorga onerosa é adequada ao lugar, não apenas do ponto de vista técnico e da receptividade, mas quanto à conceituação estabelecida no Estatuto das Cidades, segundo a qual os índices construtivos máximos estabelecidos para venda devem considerar a proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área, sendo esta desprovida, conforme já referido.
Muito grave e procedente é a queixa generalizada que recai sobre a ausência de transparência do processo, desenvolvido sem divulgação e sem a prévia discussão com os diversos segmentos da sociedade organizada, conforme determinam a Lei Orgânica do Município e o Plano Diretor da cidade, não obstante seja a condução do Planejamento Urbano realizada pelos representantes desta mesma sociedade e da população como um todo. Contudo, com a aprovação na Câmara Municipal do PEU das “Vargens”, bem mais do que índices urbanísticos atrativos para os grandes empreendedores do setor imobiliário e o adensamento da região, o que está em jogo é o futuro da cidade.
A partir de uma visão geral, com a nova lei abre-se mais área para os setores de maior porte da iniciativa privada e amplia-se a demanda por recursos públicos em detrimento de tantos outros bairros consolidados que precisam de investimentos. Ao mesmo tempo, dá-se prosseguimento ao questionado modelo urbanístico da Barra da Tijuca e estimula-se a cidade espraiada e sem fim, pela expansão significativa da malha urbana a ser adensada, concorrente e na direção oposta, por exemplo, do importante projeto para Zona Portuária da Cidade do Rio de Janeiro que também pretende atrair novos investidores com a oferta de índices de construção diferenciados mediante a compra de títulos públicos e que, portanto, poderá até ficar comprometido; concorrente com os bairros próximos da Região Central e da Zona Norte do Rio, carentes de investimentos públicos e, por esta razão, pouco atrativos para a construção civil; concorrente e espantosamente na contramão das ações pelo desaquecimento global, não apenas pela diminuição de áreas permeáveis, mas pelo estímulo à ocupação exacerbada de áreas frágeis do ponto de vista ambiental e sujeitas a alagamentos, mas também pela desconcentração urbana iniciada justamente na Baixada de Jacarepaguá sob a bandeira do urbanismo dito progressista, e que exige maiores deslocamentos e serviços em país que depende principal e quase exclusivamente do transporte rodoviário.
O exame detalhado do texto em pauta revela outros aspectos da proposta que merecem a devida atenção.
A regulamentação do Plano Piloto deu-se com a divisão da Zona Especial 5 em Subzonas e a fixação respectiva dos índices de aproveitamento (Figura 3 – mapa das subzonas). Para efeito da aplicação dos novos parâmetros construtivos o projeto de lei reagrupa e divide mais uma vez o território correspondente a dezoito subzonas ou trechos destas, rebatizando as manchas urbanas de Setores. Os onze setores denominados de A a L (salta-se a letra K) são, por sua vez, redivididos em zonas, cada qual com suas especificidades de uso e ocupação (Figura 4 – mapa dos setores). As diferenças entre a norma em vigor e a lei proposta podem ser verificadas nos mapas e tabelas comparativos das figuras 1 a 4. Cabe aqui observar que, apesar das críticas que os conceitos do Plano Piloto vêm sofrendo ao longo de sua vigência, houve cuidado com a proteção de monumentos naturais tombados e paisagens notáveis – temas inexplicavelmente ignorados no texto novo - bem como foi prevista a ocupação residencial de baixa densidade nas áreas frágeis a oeste, mantido o uso agrícola concomitante original da ocupação do local.
Detalhes que poderiam passar despercebidos comprovam que o desenho urbano e o perfil construído previstos são intencionais. Por exemplo, com artigo que indiretamente estimula a construção de prédios altos ao limitar o gabarito dos prédios colados nas divisas dos terrenos, a 3 andares; no dispositivo que aumenta as dimensões máximas das quadras de 100m x 200m para 250m x 250m; no item que libera a extensão das vias interiores (ruas particulares dentro dos terrenos, isto é, que não são logradouros públicos) ad infinitum; no artigo que aumenta a distância tradicional dos prédios em relação às ruas de 20m para 200m; na permissão para que os núcleos habitacionais com torres altas restritos a alguns locais nas diretrizes de Lucio Costa sejam multiplicados em subzonas antes proibidas aos conjuntos verticais: ou seja, trata-se de um conjunto de definições que resultam claramente no modelo de cidade que poderia ser chamado de aberto/fechado: aberto pela distância entre as construções e pela distância destas, das ruas; fechado por produzir redutos de luxo acessíveis para poucos.
Há também sutilezas, como um discreto parágrafo a impedir que se façam restrições a atividades geradoras de incômodo ambiental já instaladas. Ou a ampliação do número de favelas que passam a ser intocáveis, mesmo estando, por exemplo, em áreas de risco para moradores, enquanto estes deveriam ser transferidos para locais seguros. Ou os itens que diminuem o tamanho dos lotes. Ou a mesquinha diminuição da largura das calçadas de 2,50m para 2,00m. Ou a permissão para construir na vizinhança de morros tombados. Ou...
Igualmente preocupante é a criação dos chamados “Lotes Molhados” produzidos com aterros e alcançáveis também através de canais navegáveis. Sem definição exata de localização obviamente destina-se à ocupação das áreas alagáveis da região, cortadas por canais e córregos, razão pela qual seria dispensável a proibição mencionada para apenas dois setores: um que fica em área de aclive e outro que consiste em uma pedreira...
Há ainda a questão dos Jogos Olímpicos, usada em alguns fóruns para justificar as mudanças. Ora, o Rio já realizou os Jogos Pan-Americanos com sucesso. O Rio será capaz de realizar os bem-vindos JO 2016, que acontecerão, com ou sem o PEU Vargens, talvez melhor sem a lei veloz e os possíveis e indesejáveis impactos dela decorrentes.
Esta breve reflexão, bem como a tabela e os mapas comparativos entre as normas vigentes e as que estão por vir permitirão aos interessados de um modo geral e aos responsáveis pelo encaminhamento a proposta analisá-la mais uma vez em profundidade e refletir sobre as conseqüências prejudiciais para o Rio de Janeiro, que podem levar uma ou mais décadas, mas virão.
A decisão sobre o modelo urbanístico das Vargens pode ser tomada a qualquer momento, mas a lei que estende a urbe carioca poderia ser substituída conforme as reais necessidades da região. Será que ainda há tempo de evitar o que pode ser um grave equívoco? Para que o Rio encontre o melhor caminho sob as luzes de um debate público?
notas
Ver também: REDONDO, Andréa Albuquerque Garcia. PEU Vargens, ainda uma incógnita. Minha Cidade, São Paulo, n. 10.112.05, Vitruvius, nov. 2009 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.112/4892>; REDONDO, Andréa Albuquerque Garcia. PEU Vargens, graves equívocos. Minha Cidade, São Paulo, n. 10.112.06, Vitruvius, nov. 2009 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.112/4893>.
sobre a autora
Andrea Albuquerque G. Redondo possui graduação pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro - FAUUFRJ (1975); Pós-Graduação/ Especialização em Urbanismo pela FAUUFRJ (1990); Pós-Graduação em Governo e Administração Municipal pela Escola Nacional de Serviços Urbanos - ENSUR, do Instituto Brasileiro de Administração Municipal - IBAM (1992); atualmente atua como arquiteta autônoma e presta consultoria em legislação edilícia e urbanística na cidade do Rio de Janeiro