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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
O artigo de Ítalo Stephan traz uma crítica à crescente substituição de moradias unifamiliares por prédios multifamiliares, que provoca um processo de verticalização em diversas cidades brasileiras, através de projetos de qualidade bastante questionáveis

english
The article by Italo Stephan brings a critique of the increasing substitution of single-family houses for multifamily buildings, which causes a process of vertical integration in several Brazilian cities, through projects of very questionable quality

español
El artículo trae una crítica a la creciente sustitución de viviendas unifamiliares por predios multifamiliares, que generan un proceso de construcción vertical en diversas ciudades brasileñas, a través de proyectos de calidad bastante cuestionables

how to quote

STEPHAN, Ítalo Itamar Caixeiro. Morar em Apartamentos. Minha Cidade, São Paulo, ano 10, n. 112.02, Vitruvius, nov. 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/10.112/1827>.


Figura 3
Foto Ítalo Stephan


Figura 1
Foto Ítalo Stephan

Figura 2
Foto Ítalo Stephan

Figura 4
Foto Ítalo Stephan

 
A substituição de casas unifamiliares por prédios multifamiliares provoca um processo de verticalização, conhecido em muitas cidades, sejam elas pequenas ou grandes. O mercado imobiliário voraz prevalece acima da idéia de que adensamento permitiria a oferta de mais residências e reduziria o déficit habitacional, ampliando o direito à moradia. O mercado atende mais e melhor às classes sociais mais elevadas e gera um fenômeno em que o número das pessoas sem teto seja quase igual ao do que caberia nos imóveis vazios nas áreas centrais. Isso significa que, em várias cidades, não seriam necessários prédios novos. Em nome do progresso e dos benefícios (tudo falácia) os  prédios continuam sendo construídos,  destruindo a  identidade local  e alegrando os construtores e prefeitos, crentes que esse tipo de crescimento é sinal de progresso. A lógica do mercado exclui pessoas das boas condições de moradia, padroniza e limita os modos de vida, espreme as pessoas em cubículos sem graça, sem arquitetura, oferecendo apenas o essencial para tocar a vida (figuras 1 e 2). Coloca no mercado imóveis a preços absurdamente elevados. Além da mesmice, produz um trânsito cada dia mais complicado.

Morar em apartamentos é o que a grande parcela da população das cidades maiores faz, pois é mais acessível aos bolsos e oferece maior segurança. Os apartamentos são ocupados por quem aluga, enquanto não realiza o sonho da casa própria, ou por proprietários, de acordo com o seu poder de endividamento. Esse modo de vida é um destino cheio de contratempos para muita gente. A convivência entre moradores e com os defeitos nas construções exige paciência. Significa enfrentar problemas quase todo o tempo, mas é principalmente durante a noite que eles se ampliam, quando o sono é perturbado ou só chega com um exercício de abstração, o que  nem sempre é eficaz.

Consegue-se fazer com que os apartamentos fiquem cada vez menores. Os tetos estão cada vez mais próximos ao chão, as janelas cada vez menores. Salas se conjugam às cozinhas, já conjugadas às áreas de serviço. No mesmo ambiente devem conviver sofá e geladeira, fogão e varal de roupas, sons da TV misturados com o do exaustor e da máquina de lavar. Agora com os aparelhos de TV com telas planas, vai dar para estreitar as salas em mais uns trinta centímetros.  Nos quartos só cabem os móveis em escala reduzida nas propagandas das imobiliárias, ou aqueles lançamentos de seis portas da mesma largura dos que há alguns anos eram de duas. Banheiros praticamente exigem que entremos de frente e saiamos de ré (ou vice-versa). Para cozinhar é melhor comer fora ou comprar comida pronta. Frituras em casa, nem pensar. Lavar roupas é complicado, mais ainda secá-las. Estacionar em vagas de garagem são desafios cotidianos, com marcas nos pilares e nas latarias dos carros.

Sistemas construtivos convencionais e ineficientes, aliados à economia para obter maiores lucros, juntamente com os hábitos individuais incompatíveis com a vida em sociedade são os maiores vilões. Lajes finas facilitam a propagação dos passos com aqueles malditos saltos acima de nossas cabeças. Em alguns prédios chegou-se a tentativa de proibição de andar de salto em casa. Paredes estreitas ou feitas com materiais pouco isolantes facilitam a propagação das vozes e tosses dos vizinhos, além dos infernais secadores de cabelos. Os ruídos dos golpes das descargas de bacias sanitárias chegam de várias direções. Em alguns prédios ouvem-se os ruídos de chuveiros elétricos, elevadores e o funcionamento dos portões de garagem com aqueles sinalizadores irritantes.

Morar em prédios de apartamentos tem outras armadilhas. Quando se compra não se fala que as janelas são abertas para o oeste e aí seremos encharcados para sempre pelo sol da tarde, ou para o sul, de onde só baterá sol em pouquíssimos dias no ano. São-nos apresentadas belas perspectivas como se o prédio fosse o único na cidade e se o futuro prédio fosse construído no meio de áreas verdes maravilhosas (figuras 3 e 4). Oferecem-nos uma bela vista, até que no estreito lote vizinho outro prédio toma a sua visão e abre dezenas de janelas bem à sua frente e deixa muito mais gente bem pertinho. Quase dá para apertar as mãos (figura 4). Dá também para ouvir festas, gritos, conversas, roncos, carinhos e brigas, latidos, assistir jogos de futebol, alimentar os hábitos dos voyeurs e sentir cheiro de pipoca, bifes e peixe frito. Perde-se para sempre a vista e a insolação, compromete-se para sempre o sossego e o bom humor.

Quem não pode pagar por apartamentos luxuosos tem que se virar em imóveis pequenos. O padrão mais comum é o de apartamentos de dois quartos com área em torno 40 a 50 metros quadrados. Os espaços resultantes propiciam quartos com menos de 9 metros quadrados, com larguras inferiores a 2,40 m, cozinhas com 1,60 m de largura. Surgem portas de quartos com acesso pela sala, a vista do interior dos banheiros por quem está na sala, salas mal iluminadas por poços de ventilação. Embora já seja um sacrifício em muitos momentos da vida subir e descer escadas para quem mora no terceiro ou quarto pavimento, prefeituras municipais não impedem que surjam edifícios com cinco ou seis pavimentos sem elevadores.

Mudar para um apartamento, para quem vem de uma casa ou de um apartamento mais antigo, exige que sejam medidos todos os móveis que se tem, para saber se caberão, ou fazer escolhas do que deverá ficar par trás. Não dá para ter muitas coisas, a não ser nas memórias dos computadores. Ficam por muitos anos os sacrifícios para pagar aluguéis caríssimos, ou os financiamentos. Fica para sempre os encargos de pagar as taxas de condomínio e os sustos anuaís de seus reajustes, sem contar a convivência com os síndicos.

A sociedade moderna cada vez mais aglomera as pessoas e força a convivência. Deve haver maior tolerância no convívio, mas a educação e o respeito deverão sempre prevalecer para o bem de todos os moradores, uma vez que essa tendência não vai parar. O que pode e deve ser melhorado é um conjunto de práticas que passa pelo bom planejamento urbano, como a adoção de afastamentos entre prédios (recuos frontais e laterais proporcionais à altura da edificação) mais adequados, ou seja, maiores do que os empreendedores imobiliários querem, e limitação da densidade populacional. Ganha força a exigência de reter e aproveitar as águas pluviais e a garantia da acessibilidade. A arquitetura, além de ter boa qualidade, deve ser realizada de forma a garantir adequadas ventilação e insolação, a otimizar espaços sem exigir sacrifícios ergonômicos (considerando que as pessoas não estão diminuindo de tamanho, muito pelo contrário: estão mais altas e mais gordas) e a utilizar materiais isolantes (acústicos e térmicos) mais econômicos e eficazes.

sobre o autor

Ítalo I. C. Stephan é arquiteto, doutor pela FAU-USP, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa

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