Centro Comunitário Camburi
O Centro Comunitário de Camburi é um edifício por e para a comunidade local de baixa renda de Camburi, construído como um projeto de desenvolvimento social. O projeto, iniciado em 2004 (primeira parte), ainda está ativo em 2018 (padaria comunitária) e é gerido por membros da comunidade local na forma de uma associação cooperativa. Sob a forma do projeto, a CRU! Arquitetos ofereceram assistência técnica e financeira para o edifício, a comunidade decidiu todo o conteúdo e o programa do edifício e suas diferentes partes, construídas em diferentes épocas nos últimos dez anos.
A comunidade decidiu que o primeiro edifício deveria ser um centro comunitário para fazer reuniões, enquanto nos anos seguintes outras partes tais como uma sala de informática, biblioteca, pré-escola, depósito cooperativo de produção de instrumentos, depósito de pranchas de surf e um escritório da associação, completado por uma padaria comunitária. A CRU! foi rigorosa para não entrar em qualquer decisão em relação à função nem ao funcionamento da cooperativa ou associação e apenas auxiliar no projeto e na assistência técnica. Todo o projeto foi previsto como uma formação educativa para esta cooperativa aperfeiçoar suas técnicas, enquanto construía a infraestrutura comunitária.
Contexto, terreno e o projeto arquitetônico
O centro comunitário foi construído em Camburi, uma cidade costeira a 50 km de Ubatuba. Situa-se na Mata Atlântica, mais especificamente no Parque Estadual da Serra do Mar – Núcleo Picinguaba em São Paulo. A Mata Atlântica é uma floresta sul-americana, que se estende ao longo da costa atlântica do Brasil, em grande parte entre as megacidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Mais de 85% desse bioma principal já foi desmatado devido à agricultura, pecuária e o produção de carvão. Nesta região costeira, a construção da rodovia BR101 no início dos anos setenta atraiu grileiros de terra, empresas imobiliárias e especuladores procurando desenvolver estes terrenos usando métodos nem sempre legais para expulsar os habitantes originais da região. Em breve 80% das terras em Camburi será propriedade de dois proprietários de terras (que até hoje permanecem indiferentes), expulsando os habitantes originais, forçando-os a se deslocar para áreas menos acessíveis ou outras cidades na costa.
Para proteger os remanescentes florestais, o governo criou vários parques como o Parque Estadual da Serra do Mar que foi fundado em 1977, o que acabou por restringir também significativamente as atividades de seus moradores. Por 150 anos os quilombolas e caiçaras inter-familiarmente se misturaram em uma comunidade homogênea, com sua tradicional forma de vida baseada na agricultura, caça e pesca. No entanto, a forma em que o Parque Estadual foi criado impôs restrições sobre a coleta de frutas, agricultura e exploração de madeira. Os pescadores já não eram mais autorizados a derrubar árvores específicas para construir suas canoas, plantações foram proibidas em áreas de floresta original. Essas restrições ambientais, mas também sua localização geográfica isolada, um complicado acesso à pesca por causa do mar agitado e o analfabetismo do povo, fez com que a geração de renda fosse muito limitada. Hoje, aproximadamente cinquenta famílias, ambos quilombolas e caiçaras, vivem em Camburi, com pesca primitiva, plantação de mandioca e turismo como as suas principais atividades. O projeto do Centro Comunitário oferece outros meios de sobrevivência financeira no setor da construção ecológica e tenta consolidar a unidade da comunidade a partir de edifícios comunitários.
Para o projeto, três requisitos principais foram apresentados pela associação local de Camburi:
1. Fornecer um espaço comunitário para abrigar reuniões, atividades escolares ou outros eventos, e várias salas separadas para aulas e para armazenamento de material.
2. Formar uma percepção de centro geográfico do bairro
3. Integrar o edifício dentro da paisagem circundante e a escola existente localizada no mesmo terreno.
O terreno está situado a 50 metros para dentro da praia. O centro é orientado na direção do mar para aproveitar a ventilação. Elevando o teto o suficientemente alto e evitando paredes perpendiculares que pudessem bloquear o fluxo de ar no interior do edifício, o fluxo de ventilação é ideal. Em condições quentes e úmidas, maiores velocidades de vento tem um efeito positivo sobre o bem-estar fisiológico, bem como psicológico. A altura do edifício auxilia o efeito bouyoncy; o ar fresco irá entrar enquanto o ar interno mais quente sobe através do edifício e escapa no topo. Por isso, o projeto prevê aberturas em ambos os lados. O ar quente ascendente reduz a pressão na base do edifício, puxando o ar mais frio quando há uma falta de fluxo de ar natural e o ar está estagnado.
Além disso, a força do vento é um fator chave no projeto. O impacto desta força é maior quando uma construção ganha em altura (necessária para a ventilação). Para poder ter contraventamento adequado, a triangulação da construção deve ser bem estudada e executada com bastante atenção. O uso de quatro colunas, com a cinta transversal de ambas as treliças laterais provou ser suficiente para agir como contraventamento.
Utilização de know-how local e impacto na economia local
A comunidade local de quilombolas já estava presente há 300 anos em Camburi, desde que era um refugio de escravos fugidos de plantações de café na cidade vizinha de Paraty. Sendo principalmente descendentes africanos, estes escravos fugidos das plantações trouxeram uma técnica típica africana para construções de pau a pique para a comunidade. Árvores, galhos e bambu, cortados da floresta circundante eram usados para fazer um quadro no qual uma camada de terra molhada era "lançada" em ambos os lados para melhor anexar ao quadro. Antes da introdução de materiais de construção modernos, o conhecimento local sobre esta técnica era excelente, mas devido à falta de transferência de tecnologia entre as gerações, para os mais pobres esta técnica ainda era usada de forma inadequada. A mistura de terra/areia/água por exemplo era mal executada e isto gerava rachaduras que insetos poderiam entrar, prejudicando a saúde. No projeto do Centro Comunitário, essas técnicas foram renovadas e melhoradas na proporção e técnica, adicionando outros sistemas baseados no mesmo material. Bambu foi usado para fazer quadros maiores do que as que as construções de pau-a-pique e a taipa também foi reintroduzida. Enquanto as paredes dos edifícios da cidade de Paraty, feitas pelos mesmos escravos, eram construídas em taipa, estas técnicas não foram trazidas para suas próprias comunidades. Estas técnicas foram aplicadas no centro comunitário com a ideia de introduzi-los para a comunidade que poderia ter se beneficiado destas centenas de anos atrás se o material estivesse disponível, como foi utilizado nos edifícios de Paraty.
A cooperativa local de eco-construção, cujo treinamento foi essencial para o projeto, aperfeiçoou suas técnicas ao longo dos anos e agora é capaz de, além de habitação comunais locais, fazer edifícios de alta qualidade que podem servir clientes de classe média e alta. Este tipo de clientes que fornecem uma renda interessante, parcialmente utilizada nos salários e parcialmente usada em infra-estrutura comunitária, para que poucos investimentos externos sejam necessários afim de melhorar a sua própria infra-estrutura. Além da cooperativa construtora, outras cooperativas que se relacionam diretamente com a associação do bairro também estão recebendo benefícios; por exemplo os eco-monitores que fornecem renda através do turismo (e para qual infra-estrutura turística é construída pela cooperativa de eco-construção), e recentemente também a padaria da comunidade que fornece renda para várias mulheres que fazem e vendem pão. Artesãos locais também tem uma loja na entrada da vila, onde agora vendem artefatos para os turistas de passagem.
ficha técnica
projeto
Centro comunitário Camburi
localização
Ubatuba SP Brasil
ano
2018
arquitetura
CRU! Architects
Sven Mouton (2004-18), Reintje Jacobs (2017-18), Britt Christiaense (2010-11), Jan Detavernier (2008-09)
cliente
Comunidade de Camburi, bairro de Ubatuba (associação local Amigos de Bairro de Camburi –Ambac)
contratante
Cooperativa comunitária de Camburi
materiais e categorias
bambu
terra prensada
tijolo de adobe