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architexts ISSN 1809-6298


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GUIMARAENS, Cêça; IWATA, Nara. A importância dos museus e centros culturais na recuperação de centros urbanos. Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 013.06, Vitruvius, jun. 2001 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.013/881>.

Construindo a cultura na idéia de centro

A perspectiva de sucesso do movimento de revitalização dos centros denominados históricos ou tradicionais, apesar de impressa em idéias protecionistas e preservacionistas, visa o crescimento da economia das cidades por meio da ampliação das "ofertas" ou possibilidades de investimento. Desse modo, a "sustentabilidade" urbana, decorrente da criação e da manutenção de ótimas condições de uso de museus, teatros, salas de concerto e outros tipos de edifícios e lugares cuja finalidade enquadra o "espaço cultural", é assegurada com a parceria de gestores públicos e privados.

Ao verificar-se os fatores que induzem museus e centros culturais a desempenhar importante papel no sistema que configura os países e as cidades, observa-se que tanto a população em geral quanto os intelectuais e cientistas contribuem para a idealização da imagem desses espaços. Isto porque a cultura, ou seja, o conjunto das representações de diferentes naturezas da produção material das sociedades sempre distingue institucional e "museologicamente" as formas de regular (ou romper) as ordens do poder hegemônico e, em conseqüência, do pensamento dominante. Para tanto, há dois séculos, os surtos de criação de espaços museológicos acompanham as fases de grande concentração de capitais aliando-as à necessidade de exibir a produção geradora e representativa de expansão econômica e comercial.

O museu e o centro cultural vieram, sob inúmeros pontos de vista, transformar, de novo, o centro de cidade em praça de comércio. Nesta praça, o mercado de arte e cultura resgata uma dimensão apenas aparentemente perdida: aquela que, ao estabelecer o constante uso do "espírito", garante a sobrevivência dos artistas ao mesmo tempo em que assegura a ordem futura. De outro lado, é inegável que as mudanças sociais, políticas e econômicas induzindo a dinâmica da cultura e de seus suportes físico-espaciais, encontraram, nas áreas centrais em arruinamento, os lugares ideais para o exercício da construção de novas expressões do dito "quanto mais se muda mais se permanece".

Este paradoxo leva o estudo dos edifícios de museus a considerar a necessidade da crítica à incerta liberdade que poderia justificar, ou seria dignificar?, uma atitude submissa representativa da idéia de que a cultura, da mesma forma que sua construção, resulta de um desejo de ordem e, portanto, de "civilização" (BAUMAN, 1998, 160-176). Pode-se, então, afirmar que não foi à toa nem em vão que a instituição da cultura do consumo de museu, particularmente integrada à instituição da cultura do consumo da cidade e de seu centro, hoje ocupa com muito mais competência o lugar que a igreja manteve até há bem pouco tempo.

Objetivos da pesquisa

O conhecimento das formas de gestão, conteúdo e funcionamento dos museus e centros culturais e o reconhecimento da sua importância para constituição da imagem das cidades definem o eixo da pesquisa no âmbito do campo do planejamento urbano e regional. Dessa perspectiva, a verificação da propriedade da mudança do uso original e das reais possibilidades da adequação física e técnica dos edifícios para a função cultural é o principal objetivo da pesquisa.

Este aspecto da arquitetura é fundamental às análises da importância das atividades museológicas e do papel dos projetos culturais na economia da cidade e da região desde 1960. O período estudado enquadra o final da década de 1980 e a de 1990, atendendo ao fato desta ter sido a época em que a produção e a promoção de atividades culturais atravessaram períodos de renovação conceitual. Desse modo, busca-se estudar de que maneira o financiamento da atividade cultural exerce importante papel na economia e no fortalecimento da imagem e vocação da cidade do Rio de Janeiro.

Roteiro e material: método e teoria

O escopo dos trabalhos procura articular de forma sistemática as atividades de ensino e pesquisa, construindo metodologia de trabalho na qual os estudantes são vistos não somente como depositários mas ativos participantes do processo de produção do conhecimento. Consolidamos uma idéia de arquitetura "construída" a partir da análise de temas de projeto específicos dos tipos arquitetônicos identificados na condição de museu e centro cultural e nela vimos ajustando a teoria e o método que envolvem as investigações. As maneiras de desenvolver a pesquisa derivam da adaptação aos nossos casos de práticas exitosas encetadas por autores e equipes reconhecidamente competentes no campo dos projetos arquitetônico, museográfico e museológico no Brasil e no exterior. Essa adaptação é elaborada após estudo, verificação em documentos e por meio da realização de entrevistas e visitas possibilitando, assim, a comparação de projetos e resultados.

Estudando o entorno de edifícios de museus

Nesse processo analítico, admite-se que a articulação entre as instituições museológicas do centro do Rio constitui uma rede de edifícios cuja arquitetura estabelece um conjunto representativo da importância regional e nacional da cidade. Portanto, o roteiro para verificação das condições de reabilitação do entorno imediato percorre as seguintes atividades:

- delimitação conceitual e física de entorno;
- definição e hierarquização de indicadores físico-ambientais e histórico-simbólicos;
- identificação da situação/implantação dos edifícios e espaços culturais na malha constituída pelos diversos entornos;
- legislação de proteção aplicável;
- dados físicos básicos (situação/localização, tipos de usos e acessibilidade);
- intervenções /ações e obras de proteção realizadas entre 1990-2000;
- projetos de reabilitação urbana das áreas de entorno; e
- perspectivas/tendências.

Aqui apresenta-se o estado atual da etapa de verificação das condições de uso e a viabilidade econômica da adequação técnica dos edifícios. A coleta de informações e dados sobre a origem e formas gerenciais e as possibilidades de retorno da aplicação dos recursos financeiros realiza-se junto às instituições governamentais promotoras das leis de incentivo fiscal, empresas de projetos culturais, firmas de construção e restauração e equipes e profissionais do setor patrimonial. Nas visitas aos edifícios e áreas públicas são aplicados questionários e realizadas entrevistas com os diretores e responsáveis de modo a permitir uma avaliação da propriedade dos diversos tipos de uso considerados adequados para a finalidade cultural e sua relação com os espaços originais. Além disso, a pesquisa acerca da renovação de uso do edifício e do espaço público implica na verificação das condições de reabilitação do seu entorno imediato.

Resultados: o Museu Histórico Nacional

Prioriza-se a experimentação dos parâmetros de análise no MHN não apenas devido ao fato deste possuir constância e diversidade programática, mas pelo fato de seu entorno estar integrado ao maior e mais novo projeto de renovação das cercanias da praça Quinze: a Frente Marítima. Do ponto de vista da importância histórica e social, e, portanto, simbólica, o Museu Histórico Nacional é considerado o maior e mais antigo museu do Centro da cidade do Rio de Janeiro. Criado por Gustavo Barroso, polígrafo e político que antecedeu Rodrigo Melo Franco na defesa institucional do patrimônio histórico e artístico brasileiro, pois foi também o criador da Delegacia de Monumentos, o edifício é, na verdade, identificado na condição de conjunto arquitetônico constituído pelo prédio do antigo Arsenal de Marinha, construído em 1764, e da Casa do Trem, depósito de material bélico da artilharia portuguesa na época.

O museu foi instituído na época das comemorações do Centenário da Independência, em 1922, quando o conjunto foi reformado segundo o projeto de estilo neocolonial dos arquitetos Archimedes Memória e Francisque Couchet. Esta reforma e as inúmeras alterações motivadas pelos diversos usos talvez sejam os motivos do conjunto ter sido "agraciado" com o tombamento federal apenas no dia 19 de maio de 2001. Configurado por salas conectadas e pátios internos distribuidores, o museu "sobreviveu" em meio às intervenções urbanas, consideradas radicais, que incidiram sobre o Centro da cidade e às demolições de exemplares híbridos existentes nas imediações, ocorridas até a década de 70.

A tendência de modernização do MHN é confirmada no desenho recente para os jardins e praça que limitam o acesso principal e fachada norte do conjunto, elaborado pelo escritório Burle Marx; e na reformulação constante do espaço interno que busca formas e perspectivas de períodos anteriores melhor adequadas aos projetos museográficos contemporâneos. Em paralelo, existe projeto arquitetônico que prevê a expansão dos espaços expositivos e da reserva técnica junto com a construção de edifício comercial de três pavimentos no terreno vizinho onde funcionou a antiga Secretaria de Fazenda.

Considerações

No Centro do Rio de Janeiro aceleraram-se a reciclagem de edifícios históricos e a regeneração de setores degradados. De maneira geral, a renovação ou alteração de usos transformou esses espaços em lugares onde realizam-se atividades culturais e exposições de obras e acervos de naturezas diversas. A integração das atividades de profissionais de várias áreas do conhecimento e de recursos de entidades governamentais e privadas no setor museológico envolve a proteção do patrimônio edificado; portanto, da perspectiva do planejamento urbano, esta ação relaciona-se não apenas à educação, formação da cidadania e produção de conhecimento, mas ao turismo "de entretenimento e lazer", fonte de empregos e de lucro.

Embora as verificações parciais possam determinar que, até o momento, nenhum "grande museu" do Centro do Rio formulou ações definitivas no sentido da modernização programática e físico-espacial, consideramos que o MHN tem possibilidade para tanto. A importância social da instituição – tradicionalmente geradora de atividades de ensino e cultura –, o valor histórico-simbólico do edifício e do entorno, e a condição de maior museu histórico brasileiro são características do MHN que destacam-se na pesquisa. O fato de terem como gestor a União e serem vinculados ao IPHAN é determinante no formato de gerenciamento de alguns dos principais museus brasileiros, o MHN entre eles. Os investimentos oficiais na especialização e atualização de técnicos e na modernização física são cada vez mais reduzidos. Para a manutenção das atividades, no caso do MHN, os recursos são advindos de eventos administrados pela Associação de Amigos – por meio de aplicações do reconhecimento de isenção fiscal –, e do aluguel dos espaços para eventos sociais.

notas

1
Trabalho apresentado originalmente na forma de pôster no IX Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional – ANPUR, realizado no Rio de Janeiro de 28 de maio a 1 de junho de 2001. Aqui são apresentados aspectos da pesquisa "A importância dos espaços culturais para a requalificação de centros urbanos" que estuda o papel das atividades culturais no Centro da cidade do Rio de Janeiro. A análise da adequação e eficácia do uso de edifícios e espaços preservados destinados às atividades museológicas considera-os tipos arquitetônicos de interesse social e econômico. No momento os trabalhos de pesquisa desenvolvem-se no Museu Histórico Nacional, Paço Imperial, Centro Cultural Banco do Brasil, Museu Nacional de Belas Artes, Museu de Arte Moderna e Centro de Artes Hélio Oiticica. Na elaboração deste texto colaboraram Vania Polly, arquiteta e mestre em Arquitetura PROARQ, Olivia França, aluna da FAU/UFRJ e pesquisadora-bolsista FAPERJ, Juliana Castro e Laura Martinez, alunas da FAU/UFRJ e pesquisadoras-bolsistas PIBIC/CNPq.

2
Localização dos principais museus e centros culturais no Centro da cidade do Rio de Janeiro. Atualmente, o tombamento de edifícios isolados e conjuntos arquitetônicos é um dos pré-requisitos que servem de suporte para o incremento econômico de centros ou sítios urbanos históricos. No entanto, o interesse "cultural" despertado pelo tema da localização e da situação dos edifícios de museus na malha urbana do centro da cidade do Rio de Janeiro explica, apenas em parte, a necessidade do estudo da importância dos espaços que os articulam e as possibilidades de fruição e valorização da ambiência que os configura. Essa complexidade de relações torna os aspectos econômico e cultural determinantes na definição de parâmetros analíticos do estudo do entorno dos edifícios de museus. A investigação a respeito da idéia de requalificação urbana reconhece a importância da proteção desses indivíduos arquitetônicos que abrigam parte considerável da produção cultural e artística e, portanto, histórico-simbólica reunida por diferentes grupos em diversos períodos.

3
Cronologia da criação/implantação de museus e centros culturais no Centro da cidade do Rio de Janeiro. Conforme já observado, no Rio de Janeiro, no chamado Cinturão Cultural, as atividades culturais e as obras em museus e espaços abertos objetivam transformar o uso do Centro desde meados da década de 1980. Conjuntos e edifícios culturais de épocas e tipologias diversas buscam readquirir para a área central a vida noturna e as atividades artísticas, principalmente nos fins de semana.

4
Classificação dos museus e centros culturais do Centro da cidade do Rio de Janeiro quanto aos usos originais. A pesquisa empírica até agora desenvolvida vem demonstrando que, em diversos momentos, a transformação do uso original de um edifício criou expectativas programáticas positivas para o contexto preexistente. No Centro da cidade do Rio de Janeiro, os exemplos mais recentes de reabilitação e requalificação espacial do entorno estão fortemente relacionados com a alteração, adequação e apropriação de uso de edifícios históricos.

5
Centro da cidade do Rio de Janeiro, destacando seis principais museus e respectivos entornos com um raio de 300 metros. Demonstra-se a existência de um cinturão cultural formado por estas instituições, sua concentração junto à linha do mar e a relação entre os seus entornos.

6
Figura e fundo do entorno do Museu Histórico Nacional abrangendo um raio de 300 metros. Mapa elaborado com objetivo de se obter um contraste entre massa construída x espaços vazios. Representam-se as construções em branco (figura) e espaços livres em preto (fundo), para que se possa perceber a forma do espaço urbano livre de edificações. Permite a percepção do quão ocupado é o solo, e também do tipo desta ocupação. No mapa de figura e fundo da área em estudo, nota-se que a taxa de ocupação do solo é muito baixa, havendo uma grande área de espaço livre.

7
Análise do entorno do Museu Histórico Nacional. "quem se der ao trabalho de caminhar por alguns minutos em torno do Museu Histórico Nacional não deixará de registrar a multiplicidade de impressões que compõem o entorno da Casa do Brasil. Viadutos de concreto, terminais de ônibus e dezenas de automóveis estacionados ocupam todo o espaço disponível entre as paredes da instituição e a Santa Casa de Misericórdia, a Igreja de N. S. de Bonsucesso e o Museu da Imagem e do Som. Ao ruído do trânsito se soma a azáfama dos ambulantes, e a fumaça dos veículos se confunde com a da comida preparada nas calçadas, enquanto levas de passantes apressados se esgueiram pelo espaço que resta." (KESSEL, 1998, 231).

referências bibliográficas

A cultura em números: um olhar sobre a cultura brasileira. Rio de Janeiro, Associação de Amigos da FUNARTE, 1998.

ALBINI, F. "A arquitetura dos museus e os museus e a urbanística moderna: in Habitat, n. 15, São Paulo, 1954, p. 29-31.

BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, p. 160-176.

Fichas de inventário realizadas pelos alunos da disciplina Museus e Centros Culturais, DPA-FAU/UFRJ no período 1997 a 2001.

GUIMARAENS, C.; POLLY, V. Inventário dos museus do Rio de Janeiro: sobre conceitos e alguns resultados. Comunicação apresentada no V Seminário de História do Urbanismo, Campinas, SP; em NUTAU'98, São Paulo; e no Congresso do ICOM-Brasil, Petrópolis. 1998.

KESSEL, C. "Suntuoso palácio, infecto bairro" in: Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, v. 30, 1998, p. 231-244.

:"Manter o patrimônio é bom negócio" in: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 30 dez. 1996. Suplemento Minas por Minas, p. 8.

MONTANER, J. M. "Museu contemporâneo: lugar e discurso" in: Projeto, n. 144, São Paulo, 1991, p. 34-41.

MONTANER, J. M. Museus para o século XXI. Madrid, Gustavo Gili, 1995.

POLLY DA SILVA, V. A arquitetura de museus no centro do Rio de Janeiro (mestrado). Rio de Jnaeiro, PROARQ, 2000.

SCHVASBERG, B. Espaço e cultura: equipamentos coletivos, política cultural e processos urbanos (mestrado). Rio de Janeiro, IPPUR, 1989.

ZEIN, Ruth V. "Duas décadas de museus" in: Projeto, n. 144, São Paulo, 1991, p. 30-33.

ZEIN, Ruth V. "Museus em sete versões" in: Projeto, n. 144, São Paulo, 1991, p. 42-48.

sobre o autor

Cêça Guimaraens é arquiteta, doutora em Planejamento Urbano e Regional e professora-adjunto PROARQ/DPA – FAU/UFRJ.Nara Iwata é arquiteta, mestre em Arquitetura PROARQ – FAU/UFRJ.

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