Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

architexts ISSN 1809-6298


abstracts


how to quote

OLIVEIRA, Ana Rosa de. Bourlemarx ou Burle Marx? Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 013.01, Vitruvius, jun. 2001 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.013/876>.

No livro, intitulado Dios lo ve, lançado no ano passado por Anagrama em Barcelona, Oscar Tusquet Blanca, cita "al gran paisajista brasileño Bourlemax, el primer jardinero tropical de la historia" (1).

Hoje 7 anos após a morte de Roberto Burle Marx, e com o aumento significativo de estudos sobre sua obra, chega a ser hilário o equívoco de Tusquet. Mas ele não foge à regra, a crítica normalmente tem encoberto o desconhecimento de Burle Marx através de afirmações eloqüentes, estereótipos e fotografias. Assim, de um modo geral fala-se pouco sobre uma maneira muito particular de ser e de fazer.

Já foi pior. Nas suas Histórias da Arquitetura Moderna, os escritos de Bruno Zevi e Keneth Frampton roçam à ficção científica. Zevi (2) atribuiu o sucesso de Burle Marx ao fato de "ter vencido o terror ancestral e de transformar em fonte de inspiração tudo o que até então era sinônimo de febre amarela, escorpiões, serpentes e insetos venenosos"!

Keneth Frampton (3) dedica 4 páginas à produção moderna brasileira na sua Histórica Crítica da Arquitetura Moderna, de 1981. E estas servem mais para caricaturá-la que propriamente analisá-la. Falando sobre o Pavilhão Brasileiro da Feira Mundial de Nova Iorque – cujo paisagismo inclusive não era de Burle Marx, mas de Thomas Price (4) –, Frampton comenta que o edifício fora planejado inicialmente "ao redor de um exótico jardim povoado pela flora e fauna brasileiras"- uma paisagem microamazônica completa, com orquídeas e serpentes, (...) obra do "pintor Roberto Burle Marx".

Apesar de termos avançado no estudo da obra do paisagista, as observações citadas, apesar de aberrantes, refletem o tom da crítica à sua obra, normalmente carregada de adjetivos e omissões.

Os pesquisadores da obra de Burle Marx também enfrentam-se ainda hoje com a prática ausência de compilação e informação exaustivas sobre o corpo da sua obra projetada, suas leituras, seus escritos e sobre os acontecimentos da sua vida privada e profissional.

Por outro lado, Burle Marx pouco escreveu sobre seus jardins e a própria dificuldade de entender uma razão que se vê, ou de estabelecer um juízo estético dos seus jardins acabou gerando uma aproximação superficial da crítica à sua obra, concentrando-se na divulgação dos seus aspectos mais evidentes em detrimento do projeto.

Tudo isso tem ajudado para que sua obra de um modo geral, siga conhecida nos seus aspectos mais imediatos e estereotipados.

Visando contribuir ao conhecimento do legado de Burle Marx e, como uma homenagem ao paisagista, na passagem do sétimo ano do seu falecimento, no dia 4 de junho, cedi para publicação, uma entrevista inédita que fiz a ele no ano de 1992, quando iniciava as pesquisas para a minha tese de doutorado.

A editoria de entrevistas de Vitruvius é normalmente acompanhada de uma biografia dos entrevistados. A extensão da biografia que escrevi para acompanhar a entrevista impossibilitou a sua publicação conjunta e optamos por editá-la separadamente em Arquitextos.

Essa biografia concentra-se em alguns aspectos que incidiram na formação e produção inicial desse paisagista, principalmente entre as décadas de 30 a 60, quando se consolidam as linhas mais importantes que caracterizam suas propostas.

A ênfase à trajetória inicial de Burle Marx também visa mostrar parte do seu processo de aprendizagem pois normalmente ignora-se a complexidade que supôs a sua formação autodidata.

O comum é apresentá-lo como um artista que nasce feito ou que se explica pela sua genialidade. Nesse sentido, a sua obra também surge descontextualizada, como em um passe de mágica.

Aprofunda-se portanto, no estudo daqueles projetos e momentos que materializam importantes mudanças na sua obra, de modo que, ao centrar a atenção nestes, seja possível produzir a luz que ilumine os restantes.

Biografia de Roberto Burle Marx

Roberto Burle Marx, filho de Wilhem Marx, judeu-alemão proveniente de Trier, Alemanha e Cecília Burle, brasileira de Recife – PE, nasce em São Paulo (04/08/1909) e falece no Rio de Janeiro (04/06/1994).

Uma possível via para aceder à sua vida e obra, é o seu sentido de transformação constante. Isso é óbvio para qualquer existência. Mas nesse caso devem agregar-se os termos coerência e determinação.

Se o Burle Marx da década de 30 difere do da década de 50, e nele permanecem basicamente as mesmas buscas, o que se transforma substancialmente é a elaboração do que encontra.

A criatividade para ele, foi mais um processo de auto-superação que de inspiração.

O fato de que ele tenha se empenhado em aprender, simultânea e progressivamente, através do canto, pintura, botânica, desenho de jóias e paisagismo, confirma que apesar de que nos seus inícios nem tudo fosse tão evidente, ele optou por experimentar naquelas modalidades que despertaram a sua curiosidade.

O importante para o artista, segundo ele, era "não ter medo de errar; é preferível fazer, errar e depois acertar, mas fazer sempre" (5).

Ao concentrarmo-nos nos seus jardins observamos que, suas primeiras iniciativas manifestam-se de modo prolixo.

Ele poderá considerar ou não a natureza dos materiais e do meio no qual atua, narrar episódios naturais mais ou menos encadeados ou não. Mas isso não será unidirecional. Sua aproximação ao jardim é a de um autodidata que repete ciclicamente suas obsessões e incorpora o que aprende. Sua arte portanto, não é dádiva, mas produto de trabalho, da imaginação, da mente e da mão. Isso habilita a liberá-lo do estereótipo de "gênio que já nasce pronto", bastante divulgado pela crítica especializada.

Os esforços de Burle Marx culminaram numa obra significativa. Além da extensa produção pictórica, ele tem uma produção paisagística importantíssima (mais de 2.000 projetos), muitos considerados exemplos emblemáticos do paisagismo brasileiro e internacional.

Nos primeiros anos da formação de Burle Marx a sua família terá um papel fundamental na elaboração e desenvolvimento das suas potencialidades. Ele cresce no seio de uma família de posses, de pensamento aberto, freqüentada por figuras expoentes das artes e cultura brasileira e estrangeira.

Em retrospectiva, parece que, ao longo da sua vida, Burle Marx foi ampliando o caráter hospitaleiro, cosmopolita e inquieto da sua casa.

Cecília Burle, sua mãe, educada sob o ideal de mulher ilustrada cultivou a sensibilidade de Burle Marx para a música, as plantas e as artes em geral. Ela também o levará ao entendimento da natureza como um mundo mágico e inseparável da divindade. Isso lhe possibilita sentir-se a integrado àquela, numa certa visão panteísta, onde homem, deus e natureza conjugam-se num mesmo status. Essa orientação contrapõe-se à alienação e ao medo, comumente determinantes da relação homem-natureza no país.

O seu pai, Wilhem Marx, intervirá com um caráter mais objetivo na educação dos filhos; "num certo sentido, meu pai era um alemão, dizia Burle Marx. Ele considerava tudo o que fosse Alemanha e alemão como absolutamente maravilhoso. Ele era daquela época. Teria nos educado na Alemanha se tivesse dinheiro. Ele não aceitava a música de Debussy e Ravel, para ele os franceses não eram sérios. Preferia a música de Wagner e Beethoven" (6).

As atitudes idealista por parte da mãe, e pragmáticas por parte do pai, constituem diferentes forças que atuarão na sua educação e prática iniciais. Burle Marx elaborará essas duas forças ao longo da sua carreira.

Impossibilitado de transferir seus filhos à Alemanha, o pai leva sua cultura ao meio familiar via livros, revistas, hábitos. A viagem de 1928, que realizam a Berlim, tinha como objetivo dar "um banho de cultura" (7) na família.

Sabe-se que um dos motivos da viagem foi o tratamento de um sério problema de visão em Burle Marx (8). Nessa estadia, Burle Marx estudará canto, visando aperfeiçoar a sua voz de barítono e desenho numa escola de segunda ordem, diferenciada no entanto, dos ultrapassados métodos pedagógicos da Academia no Brasil.

Burle Marx e sua família permanecerão um ano e meio em Berlim, numa época na qual ele "não tinha ainda optado pelas artes plásticas ou pela música" (9). As lembranças de Burle Marx expressadas em Fleming, sua biografia indicam uma cidade "limpa, bem administrada e principalmente protetora, porém, onde ainda eram percebidos os sinais do movimento clandestino nazista. Havia uma floricultura magnífica em Unter den Linden – avenida que levava ao Branderburg Gate – cafés com tortas de creme, chocolate, música de todo tipo e teatro experimental" (10).

A família participará ativamente dos grandes acontecimentos musicais que são produzidos na cidade. Sobre isso comentará Burle Marx: "nossa vida girava em torno ao teatro, aos concertos, à ópera, Wagner, Richard Strauss... conhecíamos bem todo o panorama musical. Às vezes assistíamos a mesma performance mais de uma vez" (11).

A crítica referir-se-á freqüentemente à essa viagem, destacando de modo quase exclusivo a importância da descoberta das plantas brasileiras na sua visita ao Jardim Botânico de Dahlem, em detrimento de outras vivências em Berlim.

Sabe-se através de Fleming, que com Erna Busse, institutriz e tutora contratada para ensinar alemão ao seu irmão Siegfried, Burle Marx – conhecerá o melhor da atividade artística e cultural de Berlim.

Esse autor comenta que Erna Busse era budista e que viu em Burle Marx a reencarnação do seu falecido noivo. Pode que isso, associado à curiosidade e ao entusiasmo de Burle Marx, a levassem a empenhar-se para que sua estadia em Berlim fosse o mais proveitosa possível. Juntos visitaram os teatros, os museus, as exposições de Manet, Monet, Renoir, Picasso, Paul Klee, Matisse, dos expressionistas alemães. Naquelas visitas Burle Marx receberá o impacto de Picasso (12) e de Van Gogh, esse último será determinante na sua opção por ser pintor: "foi tão impressionante que ele escolheu por mim" (13).

Mas a "lenda", incansavelmente difundida, do jovem pintor desenhando flores dentro de uma estufa do Jardim Botânico de Dahlem, que eleva seu olhar às placas de nomenclatura e se dá conta de que aquilo que desenhava era, como ele, originário do Brasil, também o marcou profundamente. Assim o conta Burle Marx: "Em Berlim, freqüentei assiduamente o Jardim Botânico de Dahlem. Esse, cujas coleções de plantas, agrupadas por Engler (14) sob critérios geográficos, foram para mim vivas lições de botânica e ecologia. Foi ali onde pude apreciar pela primeira vez, de forma sistemática, muitos exemplares da flora típica do Brasil. Eram espécies belíssimas quase nunca usadas em nossos jardins" (15).

Ele compararia esse acontecimento a outro que lhe impactaria de modo similar e que foi a visão que teve das plantas no dia em que colocou óculos. Até então as plantas pareciam-lhe belas, mas não o tocavam fundo e naquele momento ficou encantado com elas (16).

A viagem a Berlim superou em muito a simples viagem cultural, de fato, despertou nele a consciência, ele descobriu então ao seu modo a pintura, as plantas brasileiras, além de tomar contato com os principais acontecimentos de Berlim do final da década de 20.

Na sua volta ao Brasil optará pela pintura e, a partir da década de 30, freqüentará a Escola Nacional de Belas Artes, no Rio, num momento em que aquela instituição enfrentava uma das mudanças mais importantes da sua história, através da direção de Lúcio Costa.

Nela, Burle Marx conviverá com uma orientação acadêmica e com os ensinamentos de Leo Putz, pintor expressionista alemão, contratado por Lúcio Costa. Será esse pintor, cuja importância na formação artística de Burle Marx normalmente não se explicita quem exercerá uma grande influência sobre Burle Marx não só na sua pintura mas também despertando-o para o seu talento e para a necessidade de valorizá-lo e administrá-lo bem.

Burle Marx também esteve entre os alunos que viveram diretamente o movimento frustrado de mudança da ENBA e que culminou com a demissão de Lúcio Costa. Para ele, como para aquela geração, foi necessário organizar-se para elaborar as contradições da dupla exposição; por um lado, à orientação acadêmica e por outro às premissas modernas.

Com a ENBA fechada à modernidade, a atualização do ensino ia se processar e ampliar pelo convívio nos estúdios de arquitetura, o contato com Le Corbusier e pela leitura de escritos sobre a modernidade. Isso fez com que a formação de Burle Marx, como a dos arquitetos da sua geração; fosse complementada nos estúdios, convertendo-os simultaneamente em alunos e professores.

Burle Marx far-se-á partícipe desse período de realizações, estudos e definições, através da mão de Lúcio Costa que servirá de enlace para relacioná-lo com a primeira geração de arquitetos modernos no Brasil. Os projetos para o MEC, Pampulha, IV Centenário de São Paulo, de Brasília, entre outros, foram obras nas quais a intervenção de Lúcio Costa, a favor de Burle Marx pode ter sido decisiva (17).

O primeiro jardim de Burle Marx que se tem notícia é o da casa Alfredo Schwartz (1932) no Rio de Janeiro; arquitetura de Lúcio Costa e Gregori Warchavchik.

Nessa época, Burle Marx relacionava-se com o jardim como um amador talentoso e bem informado. "Eu tinha feito um jardim de Calladium e Colleus roxos. Lúcio Costa passava pela minha casa e me viu trabalhando nisso. Ele me pediu que fizesse o projeto de um jardim para a casa Scwhartz. Eu fiz um desenho e o mostrei a ele. Com certeza não estava bom ele porém, me animou. Algumas vezes é necessário incentivar os principiantes" (18).

Diz-se que esse jardim motivou Lima Cavalcanti, governador de Pernambuco, a contratá-lo para a Direção de Parques do Recife. Nesse trabalho, que durou de 1934 a 1937, Burle Marx participará ativamente do Movimento de renovação arquitetônica do Recife como membro da Diretoria de Arquitetura e Construções. Dessa época destaca-se, segundo ele, sua amizade com Joaquim Cardozo, e os jardins da residência Brennand, do Derby, da Casa Forte, do Palácio do Governo, e as Praças da República, Arthur Costa e Euclides da Cunha, entre outros.

Entretanto, se com o tempo Burle Marx se revelou habilíssimo artista, nos jardins de Recife ainda manifesta o gesto de quem está descobrindo coisas novas, sem vislumbre de mestre porém já cheio de intencionalidade plástica.

Nesse contexto, os jardins que elabora para o Ministério da Educação no Rio, 1938-1942, será um novo passo, ou melhor um salto, equivalente ao da arquitetura moderna brasileira. Tentado explicar esse salto criativo dos jardins de Recife para o MEC, o arquiteto Fernando Tábora comentou: "Roberto tinha, pelos seus estudos de pintura, um conhecimento muito profundo da história dos jardins e das experiências nesse campo no Brasil. Seu salto evolutivo do classicismo de Pernambuco para as "amebas" do MEC equivale aos mesmos passos dados pelos arquitetos da época, tal como Lúcio Costa no Brasil e Villanueva na Venezuela; do academicismo para a Modernidade. O valor de Burle Marx foi de ter dado o salto junto com eles" (19).

A partir do início da década de 40 a obra de Burle Marx, será divulgada amplamente, nas revistas nacionais e internacionais de arquitetura; freqüentemente associada às conquistas da arquitetura moderna brasileira.

Nessa época, porém, não se observam grandes mudanças na construção formal do seu jardim. As mudanças no entanto estão ocorrendo no interior destes, basicamente no material com o qual constrói sua obra. A partir do seu encontro com o botânico Henrique Lahmeyer de Mello Barreto, Burle Marx reconduz seus conhecimentos botânicos, e isso, consequentemente, refletir-se-á nos seus jardins. Mello Barreto aporta a ele noções de ecologia e botânica aplicadas, ajudando-o a elaborar aqueles conhecimentos que adquirira intuitivamente. Mas a aprendizagem será recíproca. Mello Barreto, comentou que havia aprendido muito em troca dos conhecimentos botânicos que aportara a Burle Marx: "Recebi dele muitas idéias de composição e de cor. Aprendi por exemplo, que uma associação botânica pode ser também uma associação estética" (20).

Nesse contexto, alguns dos seus jardins mineiros para o Conjunto da Pampulha (1942-43) e o Parque do Araxá (1943), podem ser vistos como verdadeiros exercícios das suas aspirações científicas da época. A presença de pedras e rochas associada à vegetação, também demonstra que ele não só estava preocupado com o uso da vegetação autóctone em seus projetos, mas também em reproduzir as associações naturais que conhecia nas excursões que realizava com Mello Barreto e, a partir das quais, quase que mimeticamente, elaborava seus jardins.

Um olhar mais atento aos projetos da Pampulha, nos revela no entanto, que, inclusive no momento em que Burle Marx esteve mais obstinado em aplicar seus conhecimentos sobre a vegetação brasileira, não hesitou em agregar um roseiral ao jardim da Igreja de São Francisco de Assis; uma antítese das suas buscas da época. Essa atitude no entanto, é bastante clarificadora. Da natureza, como da tradição ele vai resgatar aqueles dados que considere necessários e válidos. A "rosa no jardim" ou o resgate da tradição, recobrará sentido se há um sentido para esta no presente; no caso, associado ao simbolismo religioso. Isso confirma sua busca de um jardim para cada lugar e um fazer baseado em princípios antes que fórmulas.

A partir de 1948, no auge das suas faculdades e até então ocupado com um conjunto excepcional de encargos públicos, com longos períodos inativos, Burle Marx, passaria por novas experiências que, com bastante segurança, contribuiriam para que sua carreira tomasse um novo rumo. Entre os possíveis catalizadores, incluem-se os novos encargos de jardins privados, a compra do Sítio Santo Antônio da Bica, seu "jardim e laboratório" e as mudanças que se operavam nas artes plásticas no Brasil.

Dois exemplos paradigmáticos dessa época, são o jardim Odette Monteiro (1948) e os jardins do IV Centenário da cidade de São Paulo (1953). O primeiro deu-lhe o prêmio de arquitetura paisagística na II Exposição Internacional de Arquitetura (1953). O segundo, não executado, que criava jardins a grande escala, foi considerado por Burle Marx como um dos experimentos formais mais importantes da sua carreira. Talvez porque o situasse como um marco da consolidação de uma linguagem própria, original. Também destacam-se nessa época os jardins privados de Burton Tremaine (1948, Santa Bárbara, Califórnia), Olivo Gomes (1951- São José dos Campos), Walter Moreira Salles (Rio de Janeiro – 1951), Edmundo Cavanelas (1954).

Outro fato digno de nota, a partir de 1955, é diretamente associado à mudança de escala e ao volume de trabalho. Iniciam-se então projetos, que como bem definiu Fernando Tábora, "estabeleciam-se no urbano para aproximar-se do regional".

Tudo começa numa viagem que Burle Marx e o arquiteto Fernando Tábora realizam à Venezuela para tratar do projeto de Puerto Azul, um clube privado próximo a Caracas, na costa do Caribe. Aos trabalhos para a Venezuela, somar-se-iam os brasileiros e em menos de 2 anos o ateliê deveria definir, entre outros, os seguintes encargos:

  • Jardim Botânico de São Paulo;
  • Jardins da Exposição Internacional de Caracas (futuro Parque del Este);
  • Plano Diretor de Áreas Verdes de Brasília (jardim botânico, setor bancário e Esplanada dos Ministérios);
  • Parque das Nações Unidas em Santiago do Chile;
  • Parque do Aterro do Flamengo.

Essa transformação iria ocorrer num ambiente mais próximo de um ateliê que de um estúdio moderno. Era portanto necessária, uma reestruturação desse ateliê para enfrentar o volume de trabalhos. Para tanto criou-se a Roberto Burle Marx e Arquitetos Associados, sociedade constituída por Roberto Burle Marx, Maurício Monte, Júlio Pessolani, Fernando Tábora e John Stoddart. Essa equipe, que, por desentendimentos foi relegada ao esquecimento por Burle Marx, teve um papel fundamental no conjunto da sua obra. De 1955 até 1964, foi a responsável por todos seus projetos, exposições e publicações da sua obra.

Desse período destaca-se o Parque do Flamengo, uma das experiências mais significativas no contexto brasileiro, em termos de utilização do parque como instrumento específico de planejamento urbano, que precede e orienta as iniciativas da especulação imobiliária.

Será na execução desse Parque - uma placa designando a autoria do projeto - que servirá de estímulo para os arquitetos Haruyoshi Ohno e José Tabacow, ainda estudantes de arquitetura, procurarem o estúdio de Roberto Burle Marx.

Ambos terão um papel fundamental na obra de Roberto Burle Marx a partir de 1965. Eles participarão ativamente como sócios do paisagista, - José Tabacow até 1982 e Haruyohi Ono, até o falecimento de Burle Marx - na elaboração de importantes projetos como o Centro Cívico Santo André (1967), Jardins dos Ministérios do Exército, Agricultura, Justiça, Relações Exteriores, em Brasília, Edifício da Petrobrás (Rio de Janeiro -1969), Passeios de Copacabana (1970), Ministério do Exército – Brasília (1970), Largo da Carioca, Rio (1981), Banco Safra, São Paulo (1982), entre outros.

O âmbito geral da produção de Burle Marx, nos indica portanto, que seu conhecimento de jardim surge de uma formação articulada e compreende uma atividade de projeto, complementada por estudos e que não pode ser dissociada da colaboração dos arquitetos modernos no Brasil, dos seus associados, colaboradores (além dos já mencionados cabe ressaltar a Robério Dias, Clara Kaiser Mori, Fátima Gomes, Vera Gavinho, Luis Cancio, Koiti Mori, Leonardo de Almeida, Carlos Minoru, Fernando Chacel, Witt-Olaf Prochnick, entre outros) suas amizades, os quais também revelam um lado pragmático, estão relacionadas com as suas inquietudes. Parece portanto, pertinente a comparação de Burle Marx com um Capo di bottega, à maneira dos ateliês renascentistas, que fez Bardi. "Em Burle Marx, a arte é como um produto de colaboração, ou a resultante de experiências e competências diversas coordenadas (desde botânicos, arquitetos, agrônomos, trabalhadores, caboclos, etc)" (21).

Se a crítica normalmente separou e mistificou um discurso programático, baseado na vegetação, dando-lhes outro valor que o de simples meios de formalização dos seus projetos, em detrimento de outras ferramentas valiosas, pode que em parte seja devido às próprias declarações de Burle Marx, que, além de artista queria atuar como educador. Assim, a um trabalho criativo ele alternaria um discurso que pretendia preservar a flora brasileira e que pode que tenha sido entendido com isso um maior ênfase aos materiais que à construção do jardim em si.

Acredita-se no entanto, que é possível ver sua obra de maneira análoga àquela que vê a pintura, a música e a literatura de vanguarda do século vinte. Ou seja, como produto de uma relação entre o sujeito criativo por uma parte, e um mundo objetivo por outra; um mundo objetivo constituído tanto de uma tradição artística interiorizada quando de uma realidade externa. Essa relação não estaria baseada, em nenhuma definição a priori, ou alguma noção restritiva da forma artística. A entrevista de Burle Marx, vem a reforçar o anteriormente exposto.

notas

1
BLANCA, Oscar Tusquet. Dios lo ve. Anagrama, Barcelona, 2000, p. 216.

2
ZEVI, Bruno. Historia de la arquitectura moderna. Poseidon, Barcelona, 1980.

3
FRAMPTON, Keneth. Historia Critica de la Arquitectura Moderna, Gustavo Gili, Barcelona, 1987.

4
Cf. COMAS, Carlos Eduardo Dias. "Arquitectura moderna, estilo Corbu, pabellón brasileño". In: Revista de Crítica Arquitectónica. n. 3, Barcelona, set. 1999, p. 67.

5
Roberto Burle Marx, em entrevista à autora em fevereiro de 1992.

6
FLEMMING, Laurence. Roberto Burle Marx, um retrato. Index, Rio de Janeiro, 1996.

7
Roberto Burle Marx, em entrevista à autora, fevereiro de 1992.

8
No Brasil, Burle Marx foi tratado como sifilítico; soube-se depois que tinha um problema hepático, e permaneceu dois meses tratando-se em Zermat, Suíça. Conforme FLEMING, Laurence, op. cit.

9
Roberto Burle Marx, em entrevista à autora, fevereiro de 1992.

10
FLEMMING, Laurence. op. cit.

11
Entrevista de Roberto Burle Marx a Conrad Hamermann, "Roberto Burle Marx, the last interview". The Journal of decorative & Propaganda Arts, n. 21, 1995, p. 159-179.

12
Em manuscrito encontrado na biblioteca particular de Roberto Burle Marx, Laurence Fleming, comenta que Burle Marx ficou tão impactado ao visitar uma exposição de Picasso que adoeceu.

13
Entrevista Roberto Burle Marx a Sérgio Zorbarán, A pintura de Burle Marx na casa da geração de 80. Escola de Artes Visuais. Parque Laje, set. 1985.

14
Heinrich Gustav Adolph Engler – 1844-1930, botânico e filósofo alemão, diretor do Museu e do Jardim Botânico de Dahlem.

15
Roberto Burle Marx entrevista à autora, fevereiro de 1992.

16
Conforme depoimento de Augusto Burle, à autora em 15.07.1996, Recife.

17
O arquiteto associado de Burle Marx, Fernando Tábora, ressaltou, em entrevista à autora, a importância de Lúcio Costa como mediador entre Oscar Niemeyer e Burle Marx que, segundo ele, nunca tiveram afinidades recíprocas.

18
HAMERMANN, Conrad. op. cit., p. 159-179.

19
Entrevista de Fernando Tábora à autora, 8 de janeiro de 1997.

20
FLEMMMING, Laurence. op. cit.

21
BARDI, Pietro Maria. The tropical gardens of Burle Marx. The Architectural Press, London, 1964.

[Leia entrevista com Burle Marx, realizada por Ana Rosa de Oliveira em fevereiro de 1992]

sobre o autor

Ana Rosa de Oliveira é endenheira florestal e doutora em Arquitetura pela Universidade de Valladolid. É co-autora do livro Ecotecture-Ecological Architecture (Loft, Barcelona, 1999) e autora da tese de doutorado: Hacia la extravasaria. La naturaleza y el jardín de Roberto Burle Marx, defendida na Espanha em 1998. Na França trabalhou com os paisagistas Daniel Laroche (Montpellier) e Guéric Pére (Lion). No Brasil, no Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais. Atualmente é professora e pesquisadora do PROPAR - Programa de Pós Graduação e Pesquisa em Arquitetura, UFRGS e bolsista recém-dr, CNPq.

comments

013.01
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

013

013.00

Arquitextos, número 13, ano 2 (editorial)

Abilio Guerra

013.02

América Latina 2000

Arquitetura na encruzilhada

Roberto Segre

013.03

Museu d’Art Contemporani de Barcelona, arquiteto norte-americano, estilo internacional

Renato Leão Rego

013.04

Paisagem urbana de São Paulo

Publicidade externa e poluição visual

Issao Minami

013.05

Os reflexos do mundo virtual na cidade real

Vera Magiano Hazan

013.06

A importância dos museus e centros culturais na recuperação de centros urbanos

Cêça Guimaraens and Nara Iwata

013.07

E-futuros: projetando para um mundo digital

Ana Paula Baltazar

013.08

Estética das favelas

Paola Berenstein Jacques

013.09

Espaço Hospitalar

A revolta do corpo e a alma do lugar (1)

Jorge Ricardo Santos de Lima Costa

013.10

Patrimônio histórico

Sustentabilidade e sustentação

Flávio de Lemos Carsalade

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided