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Há dois séculos, a cidade do Rio de Janeiro achava-se relativamente mais próxima do Oriente e dos Mares do Sul do que hoje. Para entender esse deslocamento nas relações geográficas, convém lembrar que então a navegação a vela era o único meio de transporte transoceânico. O Rio de Janeiro oferecia um porto seguro aos viajantes e, a partir do início do século XIX, foi adquirindo importância comercial e estratégica crescente para o Império Britânico que se expandia.

Zarpando ao sabor dos ventos alísios e regressando sob os ventos de oeste, os viajantes britânicos trouxeram e levaram do Brasil – juntamente com seus navios, mercadorias e interesses diplomáticos – vistas e visões. Traçado a lápis, pincel ou buril, o Rio de Janeiro dos viajantes que Luciana de Lima Marfins vasculha deixa entrever vestígios da identidade tropical de outrora.

Este livro recheado de ilustrações comentadas pelo texto – contribui para uma reflexão contemporânea sobre o papel da iconografia britânica no processo de constituição do Rio de Janeiro como paisagem na primeira metade do século XIX. Mas não apenas. Ao retraçar algumas das trajetórias passadas, O Rio de Janeiro dos viajantes reanima as experiências dos viajantes britânicos em terras brasileiras. As imagens aqui analisadas testemunham a fratura epistemológica do observador no limiar do século XIX, observador em trânsito, para quem o Rio de Janeiro constituía-se em laboratório tropical.

Assim, os diversos olhares britânicos que a autora traz à tona não perfazem um modo de ver homogêneo e coerente; ao olhar perplexo de Charles Darwin contrapõe-se o lápis ágil e preciso de William Burchell. Alguns olhares, como os dos navegantes, especializaram-se em paisagens liminares. Por vezes, artistas-viajantes como William Havell, por exemplo, se viram impelidos a desafiar as convenções artísticas da época, na ambivalente posição de produzir imagens cientificamente precisas e esteticamente agradáveis.

Sob o enfoque interdisciplinar da geografia cultural – que dialoga com as produções intelectuais de antropólogos, historiadores da ciência e das artes visuais –, O Rio de Janeiro dos viajantes oferece uma abordagem inovadora da iconografia carioca, deixando transparecer dúvidas e ambiguidades. Revela indícios de que a construção da paisagem do Rio de Janeiro como beleza exótica, apesar de ter se cristalizado como tal há aproximadamente dois séculos, não era inevitável.

about the author

Luciana de Lima Martins
Arquiteta graduada pela FAU UFRJ, é mestre e doutora em geografia pela UFRJ e pesquisadora do Grupo de Geografia Social e Cultural de Royal Holloway, Universidade de Londres. Publicou vários artigos no Brasil e no exterior.

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MARTINS, Luciana de Lima. O Rio de Janeiro dos viajantes. O olhar britânico (1800-1850). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2001.

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