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architectourism ISSN 1982-9930


abstracts

português
Leia a entrevista com Roberto Segre, crítico, professor de história da arquitetura nascido na Itália que, até vir a residir no Brasil, morou na Argentina e em Cuba. Ele nos conta um pouco de sua trajetória de vida, dos trabalhos e das viagens realizadas

english
Read the Interview with Roberto Segre, critic and professor of History of Architecture, born in Italy, who lived in Argentina and Cuba before moving to Brazil. He tells us bits and pieces of his whole life, work and trips done

español
Lea la entrevista a Roberto Segre, crítico y profesor de historia de la arquitectura nacido en Italia que, antes de ir a Brasil, vivió en Argentina y en Cuba. Él nos cuenta un poco de su trayectoria de vida, de los trabajos y de los viajes realizados


how to quote

SEGRE, Roberto. Dos dois lados do muro. Arquiteturismo, São Paulo, ano 02, n. 022.03, Vitruvius, dez. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/02.022/1484>.


Roberto Segre como garoto-propaganda do “panettone Motta”, com aproximadamente 3 anos de idade. Milão, 1935
Foto divulgação

Como a viagem entrou na sua vida?

Comecei a viajar muito cedo, em 1938, aos quatro anos de idade. Meu pai, antifascista, escreveu contra o regime de Mussolini e foi condenado a cinco anos de confinamento em um pequeno povoado de Calábria, Amantea, no extremo da bota. Eu morava em Milão com a minha mãe, mas ela pegou tuberculose e foi para uma clínica em Montana, Suíça. Eu não me lembro da viagem à Calábria, mas sim das invernais, com a babá, para visitar minha mãe. Depois meu pai conseguiu trocar o confinamento pela saída da Itália, e já com as leis que limitavam a movimentação dos judeus, fomos para a Argentina em 1939, para morar em Buenos Aires onde, desde os anos 1920, residia seu irmão. Na adolescência, as viagens aconteciam no verão, quando a minha mãe passava as férias em Atlântida, Uruguai. Depois da II Guerra Mundial, em 1947, fomos visitar a família na Itália. Viajamos em um Super Constellation da Panair do Brasil. Foram 36 horas de viagem de Buenos Aires a Roma! Lembro-me da impressão que me causou a chegada ao mundo da abundância na Argentina, a vida ainda precária das pessoas, os bondes com janelas de madeira, sem vidros, assim como a imagem dos prédios destruídos pelos bombardeios em Milão.

Como se deu sua mudança para Cuba?

Eu nunca fui militante de um partido político, nem me considero um aventureiro, ou seja, de pegar uma mochila e sair a procurar mundo. Morando em Buenos Aires, onde a paisagem não existe – como desenhou Le Corbusier, a linha horizontal das luzes da cidade entre o céu azul e o mar marrom –, procurei conhecer as paisagens mais significativas da Argentina, desde os lagos no sul, os Andes e o norte inóspito, como a Quebrada de Humahuaca.

Roberto Segre no campo de cana em Cuba, finais dos anos 1960. A “grande safra dos 10 milhões” foi em 1970
Foto divulgação

Antes de iniciar o curso de arquitetura, estive cinco meses na Itália (1953), especialmente em Roma, para me assegurar que era a especialidade que desejava estudar, já que desde o início me propus dedicar à história da arquitetura. E depois de formado percorri com um carro por oito meses (1962), grande parte de Europa, para visitar os principais prédios, históricos e modernos.

Quando voltei a Buenos Aires, um arquiteto argentino que tinha sido enviado a Cuba pelo Partido Comunista Argentino, me comentou que na Faculdade estavam procurando um professor de história da arquitetura, já que o grande mestre cubano, Joaquín Weiss, tinha se aposentado sem discípulos na Havana. Imaginei que seria uma oportunidade interessante ministrar aulas em um país em transformação, que vivia um apaixonante processo revolucionário. E considero que tomei a decisão certa, no momento certo, no lugar certo. Chegando a Cuba, o Diretor do Departamento de Projeto aonde fui alocado, o conhecido arquiteto Fernando Salinas me falou: "Segre, a história da arquitetura é sua. Pode fazer o que quiser". Assim, por mais de trinta anos, organizei o ensino da história da arquitetura no sistema universitário cubano. Acho que não foi pouco!!! E o principal, me inseri em uma sociedade diferente, sem divisões de classe. Nunca imaginei que cortaria cana de açúcar durante sete anos com estudantes e camponeses. E trabalhar um mês como ajudante de pedreiro. Isto é, para um acadêmico, uma perspectiva inédita.

E a evolução urbana da Havana pós-revolucionária?

Este tema é muito controverso, como se vê nos websites e blogs a favor e contra o governo de Fidel (ou Raúl) Castro. Os contra comparam fotos de Havana dos anos cinqüenta – ruas cheias de carros, prédios novos, hotéis recém inaugurados – com fotos atuais da Havana destruída – prédios e ruas degradadas, carros velhos. Os favoráveis ao regime mostram a bela Havana – monumentos, quarteirões restaurados no centro histórico e novas construções do período revolucionário: Havana del Este, Vila Panamericana, Cidade Universitária e Escolas Nacionais de Arte. É o contraste que se verifica na literatura: Guillermo Cabrera Infante, em Tres tristes tigres, mostra a Havana dos anos cinqüenta, enquanto Pedro Juan Gutiérrez, em Trilogia sucia de La Habana, a realidade atual. É fato que a cidade está com alguns bairros em condições precárias: as casas por décadas sem pintura nem manutenção; as ruas com buracos; a falta de controle urbano sobre as arbitrárias intervenções da população nas suas casas, jardins, fachadas. Isto é mais marcante nos bairros que foram abandonados pela burguesia, onde muitos prédios foram ocupados por pessoas de baixo nível cultural e econômico, com o conseqüente deterioro físico, como é o caso do Vedado.

Roberto Segre no Muro de Berlim, 2007
Foto divulgação

Por sorte salvaram-se as mansões da alta burguesia, ocupadas por embaixadas ou funcionários do Estado, assim como a bucólica paisagem tropical destas áreas elitistas. Mas ao mesmo tempo, a cidade se mantém incólume, com o mesmo skyline dos anos 1950, pois nada foi construído neste meio século no espaço urbano compacto. A maioria das novas construções – escolas, hotéis, universidades, conjuntos habitacionais – foram implantadas nas áreas periféricas. Então, a cidade foi poupada da especulação imobiliária e da arquitetura ruim e anônima que mudou a cara das cidades na América Latina. Conservou o Malecón, que ainda mantém a fisionomia do inicio do século, assim como o bairro do Vedado (equivalente ao Botafogo do Rio), e a Havana Velha, destinada a sumir no famoso Plano Diretor de José Luis Sert (1956). Os edifícios da primeira metade do século XX perduram e estão presentes os sucessivos estilos: Art Nouveau, Ecletismo, Art Decó, Modernismo. A esperança é que o rígido sistema socialista se flexibilize ou mude, e que se desenvolva uma economia urbana que permita renovar a cidade com a participação dos seus moradores sem derrubar os prédios históricos e manter a personalidade de Havana, que é um dos valores mais importantes na definição da beleza da cidade, única metrópole antilhana.

Por quê se radicou no Rio de Janeiro?

Quando se reiniciou o intercâmbio diplomático entre Brasil e Cuba em 1986, já finalizada a ditadura militar, eu foi um dos primeiros convidados a participar em congressos, seminários, palestras em diferentes cidades do país: Curitiba, Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro. Em 1987 publiquei o livro Arquitetura e Urbanismo da Revolução Cubana, e em 1990, ministrei um curso de pós-graduação na FAU-USP, em São Paulo. Intensificaram-se os contatos acadêmicos e as publicações. Quando Luiz Paulo Conde foi diretor da FAU-UFRJ, me convidaram para o novo Programa de Pós-graduação em Urbanismo – PROURB.

Como tive a oportunidade de morar em casa emprestada e já conhecia o Prefeito João Sampaio, foi fácil e interessante residir em Niterói, que tem uma escala mais humana que o Rio, uma violência menor, e ao caminhar pelo calçadão posso olhar a maravilhosa paisagem da baía de Guanabara e o centro da capital carioca.

O que considera adorável no Rio de Janeiro?

Como eu morei em cidades com pouca presença da natureza – Milão, Buenos Aires e Havana –, o que me impressiona no Rio é a mistura de cidade compacta, praia, mar, floresta e morros, a onipresença do Corcovado e do Pão de Açúcar. E também, subir no Corcovado no Rio ou no Parque da Cidade em Niterói para olhar a diversidade e a infinitude da paisagem. Como não vou às praias e rejeito o urbanismo da Barra baseado no uso do carro, para mim a experiência sempre renovadora é caminhar no centro – Av. Rio Branco, Cinelândia, Praça XV – e tomar um capuccino na Confeitaria Colombo. Nunca me canso de percorrer as praças do MES e atravessar as colunas do pórtico, uma experiência inesquecível do espaço urbano moderno.

Guias de arquitetura ajudam ou atrapalham?

Para mim, os guias foram sempre de grande serventia; especialmente na longa viagem de oito meses pela Europa. Lembro-me das guias gerais como a de Michelin e do Touring Clube Italiano. E as especializadas, também.

Roberto Segre ao lado da flor entregue de presente por Niemeyer ao Prefeito de Paris em Bercy, 2008
Foto divulgação

Um guia da arquitetura moderna na Europa de Kidder Smith foi essencial para achar os prédios importantes de cada cidade. Como havia o plano de localização, à noite no hotel elaborava o programa de visitas e verificava a insolação para saber o melhor horário para as fotos. Hoje há guias de arquitetura muito sofisticados, que considero imprescindíveis para visitar as cidades, especialmente as grandes capitais. Tem um guia sobre a arquitetura de Nova York com todos os prédios bem detalhados e uma coleção de guias das cidades da América Latina produzidos na Espanha pela Junta de Andalucía, que são muito bons e úteis.

Quais são as coisas inesquecíveis que conheceu?

Raramente fiz viagens turísticas para locais exóticos. Mas vivi algumas experiências inesquecíveis: atravessei os Andes a cavalo, desde Bariloche até as Termas de Puyehue, com umas paisagens belíssimas das montanhas; assim como o maravilhoso percurso em carro e trem nas províncias argentinas de Salta, Jujuy e La Rioja, para chegar à Quebrada de Humahuaca, com aqueles vales entre as montanhas de quatro mil metros de altura. E também, impressionante, as Cataratas do Iguaçu.

Fiquei três dias debaixo da neve, em uma casa de camponeses pobres nos Apeninos, tentando chegar de Nápoles a Lecce, aonde evidentemente, nunca cheguei. Foi inesquecível morar 15 dias em Veneza, para ministrar "uma" palestra (na Semana da Cultura Cubana, que foram duas), e percorrer dia a dia cada fragmento da cidade.

E algumas lembranças que ficam no baú da memória: uma, a visita a Brasília em 1962, com aqueles prédios brancos do Eixo Monumental, na paisagem de terra vermelha, sem gramado, com o carnaval desenvolvendo-se na Rodoviária – na noite obscura da cidade, se percebia a música e as luzes e a dinâmica das Escolas de Samba, movimentando-se nas escadas rolantes. Outra, de caminho para Havana, chegar ao México cedo na manhã e correr para visitar Teotihuacan, e subir as pressas na Pirâmide do Sol, e ficar sem poder caminhar quase uma semana!!! Percorrer as ruas de Manhattan no verão. E, finalmente, essa Havana, que ainda em condições precárias, tem as poéticas praças do centro histórico e as sinuosas calzadas com as arcadas de colunas clássicas populares, protegendo a circulação dos pedestres.

Qual é a melhor forma de se conhecer uma cidade?

A primeira coisa que procuro quando chego a uma cidade é o plano urbano, para me situar no espaço, no sítio. Também averiguar o sistema de transporte público que me permita circular. É uma percepção desagradável quando você é convidado, e os anfitriões te levam você no carro e você não consegue se orientar dentro da cidade. Com exceção de Miami o Los Angeles, onde é impossível caminhar, é possível se conhecer bem as cidades caminhando pelas ruas, circulando nos bairros, percorrendo as praças, descobrindo edifícios e monumentos que não ficam nos guias tradicionais. E procurar onde se desenvolve a vida social, onde as pessoas se encontram nos bares e restaurantes populares, onde tem vida noturna. Isto acontece nas cidades onde existe um centro tradicional ou histórico, com bons espaços públicos. Agora, se você tem que visitar obras modernas e contemporâneas, é indispensável procurar um especialista que tenha a generosidade de acompanhá-lo. Sem esta ajuda local, com pouco tempo seria impossível achar as obras novas e significativas da cidade.

Onde encontrou mais surpresas magníficas?

Mais de 50 anos dedicados a estudar e compreender cidades e arquiteturas dificulta selecionar as obras que suscitaram surpresas e experiências inéditas. Por exemplo, ter morado na Unité d’Habitation de Marselha, na Maison Clarté em Genebra e dormido uma noite na casa de Alvar Aalto em Helsinki, foi para mim emocionante. E também, ficar uma noite na fortaleza La Citadelle do Rei Christophe no Haiti e acordar na manhã com o castelo submerso nas nuvens, e pouco a pouco comparecer a sua forma com o sol, sobre um tapete de nuvens, foi uma magnífica surpresa. Outra noite inesquecível foi um ritual religioso com lua cheia (possível pela ajuda de uma peruana, curadora de monumentos) no interior do conjunto de Macchu Picchu. E quantos prédios significaram uma experiência espacial única? São Pedro; São Carlino de Borromini, onde volto sempre cada vez que vou a Roma; o Templo Unitário de Wright em Chicago; a Maison Solvay de Victor Horta em Bruxelas; a casa Milá de Gaudí em Barcelona; o emocionante prédio da Bauhaus em Dessau; o Guggenheim de Bilbao.  Descobrir o tamanho pequeno da Torre de Einstein em Postdam; ficar no interior da cúpula do Reichstag de Foster. Todos eles foram marcantes como experiências únicas.

Primeiro trabalho internacional publicado por Roberto Segre. Organização e textos do número 285da Casabella-continuitá. Milão, março 1964
Foto divulgação


A “caneta” é sua melhor amiga em viagens?

Para mim, ao longo das viagens, o maior registro foi sempre através da câmara fotográfica. Por longos anos, tive duas Leicas M3 e fazia as fotos em preto e branco e slides coloridos. Roubaram-me o equipamento na Colômbia e a qualidade das fotos diminuiu, porque nunca consegui voltar a comprar essas máquinas caras. Agora tudo mudou com as máquinas digitais e acredito que a grande coleção de negativos e os 40 mil slides ficaram obsoletos!!!

Além das fotos, o meu sistema de registro é baseado em fichas – de 10x15cm – que preencho disciplinadamente desde os 18 anos de idade. E ainda consigo comprá-las coloridas, já que tenho um sistema de identificação dos temas pela cor da ficha. Como Le Corbusier viajava com os cadernos pretos, eu viajo sempre com um pacote de fichas, onde registro prédios, experiências urbanas, livros nas livrarias (quando não consigo comprá-los).

sobre o entrevistado

Roberto Segre, arquiteto e crítico de arquitetura, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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