Na seção Biblioteca deste mês, falamos do livro A modernidade no Rio de Janeiro: construção de um cenário para o turismo, resultado da dissertação de mestrado de Marcello de Barros Tomé Machado, professor adjunto do Departamento de Turismo da Universidade Federal Fluminense. Na dissertação, o autor discute o surgimento do turismo como fenômeno sócio-espacial, na cidade marcada pelo advento da modernidade.
Produção acadêmica é, via de regra, sisuda e pesada. Não no trabalho do Marcello. Professor do Departamento de Turismo da UFF, geógrafo de formação (bacharelado e licenciatura), especialista em Planejamento Ambiental e Educação Ambiental, mestre em Geografia Humana e doutor em Geografia – Ordenamento Territorial Urbano Ambiental, Marcello tem escrita leve, fluida, por vezes irônica e indubitavelmente divertida. Seu ritmo de escrita tem a ver com seu ritmo de vida – sempre temperado por um bom sorriso e uma boa brincadeira (sem falar de seu i-n-f-i-n-d-á-v-e-l estoque de piadas, garimpadas sabe-se Deus onde...).
O resultado do livro, por óbvio, carrega esse teor que beira o entretenimento, com o suporte da pesquisa acadêmica bem conduzida, responsável e profícua.
A passagem do Rio de Janeiro, no início do século XX, de “cidade feia e insalubre, com ruas estreitas, sombrias e úmidas, edificações mal feitas e assolada por constantes pestilências” para “um importante centro turístico da modernidade, cuja beleza a fez merecer o título de Cidade Maravilhosa” é contada em um livro de pouco mais de 180 páginas, agraciado com o 2º Prêmio Carioca de Pesquisa de 2004, dado pela Secretaria Municipal das Culturas do Rio de Janeiro a pesquisas inéditas sobre a capital fluminense. O mote, uma informação básica, muitas vezes negligenciada: a cidade do Rio de Janeiro não foi desde sempre bela!
Em quatro capítulos, Marcello nos conta que o Rio turístico que hoje conhecemos e que atrai a atenção de milhões de turistas internacionais, foi construído a partir de uma série de decisões de cunho político, de um sem número de acordos de poder e de intervenções que alteraram a feição da cidade acanhada e contida, tornando-a “maravilhosa”.
O livro cobre o período que se inicia com a gestão do prefeito Pereira Passos, o pai do “Bota-abaixo” e que acaba com a construção do Estádio do Maracanã para a Copa do Mundo de 1950, último grande evento da primeira metade do século XX a atrair fluxo significativo de turistas para a então chamada “Paris dos Trópicos”.
A estrutura escolhida para o livro é limpa, lógica e coerente. O primeiro capítulo descreve o turismo como um fenômeno moderno, pincelando conceitos básicos e explicando porque a cidade do Rio de Janeiro (e o Brasil) tinha dificuldades de participar ativamente desse circuito mundial de viagens. Na sequência, o autor explica como o projeto de modernização do Rio de Janeiro foi desenvolvido e mostra quais os modelos que lhe serviram de inspiração. O capítulo três expõe as condições específicas de execução do referido projeto e fala da inserção efetiva da então capital nacional no circuito turístico moderno. O último capítulo – quase um brinde aos anteriores – fala do Rio turístico moderno e seus atrativos.
A modernidade no Rio de Janeiro: construção de um cenário para o turismo é um livro rico, com detalhes que remetem a uma pesquisa acadêmica cuidadosa e responsável e, sem dúvida, carregado de paixão. Sim, Marcello se confessa um apaixonado pelo Rio, como todos os cariocas. E esta paixão é vertida nas entrelinhas (e também nas linhas) de seu livro. Ainda bem. Para os que não conhecem o Rio em detalhes, mas se confessam potenciais turistas curiosos, à espera de uma oportunidade para a visita, eis uma boa desculpa para ligar à agência de viagens e reservar uns dias na Cidade Maravilhosa. O livro, a depender do porto de partida, há de ser lido, parcial ou totalmente, na própria viagem. Será um excelente aperitivo, daqueles que se toma com prazer. No fim de tudo, para além de um rico acervo de informações úteis a arquitetos, urbanistas, geógrafos e turismólogos, o livro do Marcello é um guia de viagem bastante diferente. Um senhor guia, eu diria!
sobre o autor
Ana Paula Garcia Spolon é consultora hoteleira, tradutora e professora universitária, vinculada ao Departamento de Turismo da UFF. Formada em Hotelaria pelo Senac, é doutoranda e mestre em Arquitetura e Urbanismo pela USP, onde desenvolve pesquisas sobre turismo, hotelaria, estética arquitetônica e valorização imobiliária. Atua na área de planejamento e desenvolvimento de projetos turísticos e hoteleiros há 15 anos.