"Image d’Épinal. Espace rassurant"
Georges Perec. Espèces d’espaces
Para um turista, nada é mais comum — e irritante — que a visão de um bando de outros turistas atrapalhando a sua pretensa fruição estética diante de um local suscetível de despertar interesse. Pode parecer, na Praça Navona, que isto é um fenômeno relativamente novo, ligado ao chamado turismo de massa, e que aqueles russos e chineses — os parvenus da indústria mundial do turismo — estão ali devido apenas a algum processo específico e estranho (Perestroika, globalização, sabe-se lá...). Algum italiano mais conservador, para quem chinês sempre foi sinônimo de calçado barato e para quem o mundo nunca deveria mudar, poderia se queixar, lembrando os “bons tempos” dos turistas norte-americanos, enquanto exclama, ajeitando o seu berreto: “È tutto colpa della bomba atomica”...
No entanto, viajar em bandos não é uma exclusividade da nossa época, tendo sido uma atividade humana assaz constante, e no-lo atestam vários e recorrentes fatos já bastante conhecidos: as peregrinações com motivações religiosas (contraditoriamente, a origem do souvenir barato é a relíquia), as chamadas “Grandes Descobertas” (aparentemente, os “índios” vieram ao mundo pelo olhar fecundante do europeu), as Cruzadas (misto de empreendimento comercial e religioso), e mais de um império já ruiu devido ao fenômeno que, em um blend de preguiça mental e de preconceito, convencionou-se chamar de “invasões de bárbaros”. Estamos, obviamente, o tempo todo cercado por pessoas, neste mundo que, como já escreveu Sartre, está “infestado de outros” (por definição, aqueles que, feliz ou infelizmente, não somos).
Mas devemos nos alegrar, estamos em um tempo em que quase tudo é possível, no qual o mais reacionário dos eventos seria, justamente, a Revolução. Assim, até viajar solitariamente ainda é possível, e, para corroborar esta afirmação, cito o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer, que escreveu que a única oportunidade que teve para estabelecer contato com Sartre foi na cidade de Siena: “Só vi Jean-Paul Sartre uma única vez em minha vida, uma noite em Siena. Nós tínhamos chegado tarde. Eu tinha andado à noite pelas ruas e fui até a célebre Piazza del Campo, na qual os restaurantes se inclinam para a praça como em um anfiteatro. Aí achava-se um único homem sozinho, Jean-Paul Sartre. Todavia, tinha aprendido que nunca se deve falar com um homem sozinho”. Sartre, em Siena, longe do seu entourage, fazendo um tour solitário na Piazza del Campo... De fato, o filósofo alemão, na sapienza da sua idade (tinha 95 anos quando escreveu estas frases), tinha razão: aos turistas o turismo, e aos solitários o direito à solidão.
sobre o autor
Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima, arquiteto e urbanista, Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Espírito Santo, Doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Autor do livro: Arquitessitura; três ensaios transitando entre a filosofia, a literatura e arquitetura. Professor Assistente da Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Arquitetura e Urbanismo.