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architectourism ISSN 1982-9930

Fortim do Góes, Guarujá SP. Foto Victor Hugo Mori

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Neste artigo, Cristina Meneguelo traz um relato de sua experiência na cidade de Copenhague, chamando a atenção às características das arquiteturas de diversos períodos que convivem e compõe, além de alguns pontos turísticos imperdíveis


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MENEGUELLO, Cristina. O lugar, a cidade e os pálidos azuis: notas sobre Copenhague, Dinamarca. Arquiteturismo, São Paulo, ano 04, n. 042.01, Vitruvius, ago. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/04.042/3526>.


A agradável Copenhague (København em dinamarquês, e agradável também por ser verão) desdobra-se ao visitante em diversas possibilidades.

Talvez as terras nórdicas sejam mesmo a “Europa mais europeia”, como comentou uma amiga que ali vive há cinco meses. Organização, solicitude e educação não são raras pela cidade, e de poucos lugares podemos dizer o mesmo quando viajamos.

Copenhague é uma cidade bastante horizontal, espraiada e inteiramente servida por ciclovias, o que atesta a boa qualidade de vida urbana. O skyline é pontuado, dentre outros marcos, pela impressionante cúpula da igreja de Mármore (Frederikskirken, 1749-1894), pela espiral em cobre e ouro da Igreja do Salvador (Vor Frelsers Kirke, 1680-1696) cujo topo ostenta um Cristo em trajes renascentistas, ou ainda pelas caudas enroladas dos quatro dragões na torre do antigo prédio da Bolsa (Børsen, 1642).

Ao olhar do apreciador da arquitetura, chama a atenção a área histórica da cidade, como Nihavn (Porto Novo) e ruas adjacentes, com construções imponentes ao redor dos canais, muitas em estilo enxaimel. Os vários parques, estátuas e fontes, os belos palácios construídos sob os Cristianos III e IV ou, já no século XVIII, sob Frederico V, dão a tônica da arquitetura histórica da cidade, fortemente barroca. Afinal, a Copenhague medieval foi destruída em sua totalidade pelo Grande Incêndio de 1728 (no qual a cidade ardeu por quatro dias), secundado pelo Grande Incêndio de 1795.

Mas chamam também a atenção as obras arquitetônicas recentes, ousadas nas formas e no uso dos materiais, e que atestam a riqueza da produção arquitetônica dinamarquesa. Essas obras são especialmente valorizadas nesse momento em que a economia do país enfrenta uma certa crise – pequena para nossos parâmetros, mas não para os parâmetros dinamarqueses, que sentiram o seu quase perfeito sistema de seguridade social abalar-se quando da crise econômica mundial ano passado, e agora olham enciumados a Noruega enriquecida pelo petróleo investir, entre tantas áreas, em grande arquitetura.

Da arquitetura contemporânea em Copenhague, destacam-se a Opera (Opera House ou Operaen, 2005), obra de enormidade algo desajustada nascida das mãos do arquiteto Henning Larsen em confronto com o comitente da indústria dos navios Mærsk Mc-Kinney Møller; e o Teatro Real (The Royal Playhouse ou Skuespilhuset, 2008, dos arquitetos Lundgaard & Tranberg), do outro lado do canal. Ainda visitando a arquitetura contemporânea, escolho destacar em absoluto a Extensão da Biblioteca Real (The Royal Library Extension ou Sort Diamant, dos arquitetos Schmidt, Hammer e Lassen, 1999). Conhecida como “Black Diamond” essa fascinante biblioteca nacional é adjacente ao prédio anterior (Hans J. Holm, 1906) e usa mármore preto e vidro em suas fachadas. O edifício parece pairar por sobre o canal e lançar raios brilhantes ao ser banhada pelo sol. O visitante deve entrar, subir as escadas rolantes e vagar pelas salas de leitura, se quiser ter uma compreensão plena da beleza do prédio.

Um último exemplo é o muito procurado Louisiana Museum of Modern Art (dos arquitetos Jørgen Bo & Vilhelm Wohlert), na cidade vizinha de Humlebæk. O edifício desenvolveu-se por anos, por meio de extensões e remodelações a partir de uma pequena villa, entre os anos de 1958 e 1996. De arquitetura sensível, suas alas mimetizam-se na natureza e confundem-se com a vegetação e com o belíssimo jardim de esculturas, e projetam-se por sobre o mar do estreito de Øresund.

A elegância com que os novos edifícios coadunam-se aos existentes é uma lição de arquitetura notável. O novo se caracteriza pela ousadia, e não pelo gigantesco.

Atualmente, a cidade de Copenhague cresce nas direções de antigos bairros industriais, e a requalificação do patrimônio industrial ou de áreas em desuso toma a ordem do dia. Na tradição arquitetônica da cidade, que parece estar aberta à experimentação, há lugar também para os pequenos projetos com grande arquitetura, especialmente residencial. São prova disso, por exemplo, os sofisticados prédios de moradia da região denominada Holmen, composta por ilhotas interligadas que, antes pertencentes à Marinha dinamarquesa, teve seus armazéns transformados em escola de arquitetura, teatros e lojas. Mas o mesmo vale para a moradia estudantil projetada por Lundgaard & Tranberg, marco da qualidade dos projetos recentes na capital dinamarquesa.

Cabe aqui uma nota especial para o Congresso “World in Denmark 2010”, que me levou até Copenhague. É cada vez mais urgente o debate bem informado sobre a landscape architecture – o projeto que pode abranger as grandes extensões urbanas e que entende o lugar como uma construção relacional, para além do “genius loci”. A utilização de espaços de antigas áreas de uso industrial (fábricas, portos, armazéns) ou de memória difícil, todos encarados como oportunidades de projeto, ressaltam os problemas da forma arquitetônica em suas relações com o programa, o sítio e o contexto urbano. Ao longo das conferências, a palestrante americana Andrea Kahn, autora de Site Matters, estabeleceu o sítio como uma entidade não pré-existente, desvinculando-o do local meramente geográfico e afirmando que, se o projeto jamais pode ser pensado como objeto isolado do sítio, menos ainda este sítio pode ser encarado como uma propriedade do arquiteto (como quando ele afirma “esse é o meu sítio”). O sítio, segundo Kahn, é propriedade coletiva e compartilhada e não um espaço a ser colonizado pelo projeto. A arquiteta norueguesa Tone Lindheim, responsável pela transformação do antigo aeroporto de Oslo, trouxe desconforto à platéia ao inserir o debate sobre o apagamento da memória dos lugares: o que fazer quando não se quer conservar a memória, por exemplo, no caso do apagamento do passado nazista? O português João Ferreira Nunes discutiu cinco diferentes projetos que abordam o “sítio” à frente do PROAP e, finalmente, o arquiteto francês Alexandre Chemetoff arrebatou o público, descrevendo em detalhe a remodelação em forma de cidade da ilha fluvial da cidade francesa de Nantes. Chemetoff descreveu a landscape architecture desenvolvida ao longo de 10 anos como um projeto que se transforma e se reavalia o tempo todo, em consonância com a transformação do sítio, a partir do inventário de cada edifício. O arquiteto vê a transformação ativa (e incontrolável) da cidade como um recurso para o projeto, e não como um problema a ser sanado.

Para finalizar o trajeto por Copenhague, aqui vão alguns “arquiteturismos” obrigatórios: você pode até deixar de lado o old-fashioned parque Tivoli, com seus brinquedos de parquinho de diversão e seus pavilhões à moda do fim do século XIX; e pode até sublimar a ausência da estátua da pequena sereia, símbolo afetivo e turístico da cidade, que foi emprestada para a Exposição Universal de Xangai 2010 e substituída simultaneamente por um telão e pela decepção de muitas centenas de turistas. Mas você não pode deixar de visitar a Gliptoteca de Ny Carlsberg (que, milionário com a produção de cerveja, juntou uma invejável coleção de arte de todos os períodos históricos); nem a Galeria Nacional de Arte (Statens Museum for Kunst), cuja extensão por Anna Maria Indrio e Mads Moller (1998) compete em beleza com as obras em seu interior.

Se porém for preciso escolher um favorito, é fácil: encantou-me a pequena e robusta coleção de arte dinamarquesa do século XIX reunida no casarão neoclássico às costas da Galeria Nacional, a Coleção do comerciante de tabaco Hirschsprung (Den Hirschsprungske Samling). Os pálidos azuis de Krøyen acompanham os nossos olhos quando eles reencontram a água clara sobre as areias finas da praia de Amager, nos arredores da cidade.

sobre o autor

Cristina Meneguello é doutora em história e docente nos cursos de história e de arquitetura da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Esteve na Dinamarca em junho de 2010 para apresentar trabalho no Congresso Internacional As Found: World in Denmark (Universidade de Copenhague), com auxílios da Fapesp e Faepex (Unicamp).

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