Fordlandia é um conceito elástico, um termo inclusivista onde todo o conflito entre construção e natureza é, ele mesmo (o conflito), um revelador de outras paisagens. Fordlandia é menos a perturbação de uma harmonia existente e mais o lado poético das catástrofes dos empreendedores, das descobertas abortadas, dos fracassos de conquistas da selva. É a revelação de desentendimentos, a denúncia e a exaltação como uma investigação do espaço impreciso entre valores opostos; a arquitetura e a paisagem como um esforço para enxergá-las acima de tudo como opostos oportunos, como arritmias para sempre dissonantes.
Sem denúncias por fazer: a situação atual de Fordlandia não corresponde a leituras do tipo “civilização contra natureza”, que é a mais imediata. Ou seja, Fordlandia é menos uma doença (ilustração das disfunções do tipo automóvel e engarrafamentos, alimentos sintéticos e câncer), e mais uma imagem útil para revelar a natureza de forma eloquente. Se a natureza é “um termo indefinidamente mutável, mudando assim como nossa concepção científica do mundo muda, e melhor vista quando significando um contraste com algo que não é considerado parte da natureza”, então precisamos de algo que possa ser considerado seu oposto para abordá-la. Por isso todo o lado (aparentemente) negativo de qualquer artefato, e por isso o desequilíbrio cidade/selva para enxergarmos a natureza como um conceito longe dos moralismos associado à ela.
Fordlandia, então, é a natureza como aquilo que simplesmente não existe sem a cidade, sem seu destruidor, sem seu oposto. Ou a natureza com seus vazios relutantes, resistências e resignações, atritos entre ocupação e expulsão; algo que sempre está reagindo a provocações externas. Conflitos que geram novas paisagens; a arquitetura sendo um agente provocador de novas e maravilhosas paisagens conflituosas por excelência. Exemplo de destruição e construção, nunca a simples conservação: é provável que os melhores futuros das cidades residam justamente na problematização do diálogo entre cidade e natureza – e não na mera naturalização da natureza.
sobre o autor
Carlos M Teixeira é arquiteto pela EA-UFMG e mestre em urbanismo pela Architectural Association. Publicou os livros “História do vazio em BH” (CosacNaify), “Espaços colaterais (cidades criativas)”, “O condomínio absoluto” (C/Arte), e é sócio do escritório Vazio S/A.