Se você é arquiteto/a e está viajando pela Espanha, vai querer passar em Bilbao para ver o Guggenheim, certo? Então pode reservar uns dias a mais porque Bilbao e região têm muita arquitetura contemporânea para ver. É incrível como o povo dessa região valoriza a arquitetura e investe em desenho de qualidade como forma de criar novos atrativos e de diversificar a economia.
Em Bilbao há inúmeros edifícios projetados por escritórios de arquitetura importantes, interessantíssimos de ver, alguns deles ainda em obras.
Começamos pelo aeroporto de Bilbao, obra de Calatrava de 1999. Pode-se dizer que esta não é apenas uma obra de arquitetura, mas também de design. Trata-se de um caso exemplar de integração entre estrutura e instalações. A iluminação e o ar condicionado estão completamente integrados ao projeto. Os parapeitos e os bancos possuem uma linguagem coerente com o conjunto, que tem as características típicas do arquiteto valenciano: uso de simetrias de friso e bilateral, estrutura monocromática (branca) e uso da repetição parametrizada de formas. O aeroporto passa atualmente por uma reforma e ampliação.
Em Bilbao a maior parte dos edifícios interessantes se encontra na região conhecida como Abandoibarra, antiga área de estaleiros navais e de páteos de ferrovia, entre o rio Nervión e o Ensanche de Bilbao, área de expansão da cidade criada em meados do século XIX.. A região passou por um período de decadência, após o fechamento de grande parte de suas indústrias, e foi alvo de grandes transformações urbanísticas desde meados dos anos 1990. O plano diretor de Abandoibarra foi elaborado pelo escritório de Cesar Pelli, e incluiu não apenas o redesenho viário, como também um enorme projeto paisagístico, a inserção de novas funções que deram vida à área, e a inclusão de diferentes meios de transporte público, com alcance local e regional. Mais informações podem ser encontradas no site da Sociedad para la Regeneración Urbanística de Bilbao y su Entorno.
A lista de locais para visitar apresentada a seguir está mais ou menos em ordem geográfica, saindo do bairro de Deusto – onde, por sinal, há um hotel excelente e de bom preço, da cadeia NH - e chegando ao centro antigo da cidade (casco viejo).
Ponte Euskalduna (1997, Javier Manterola) Esta ponte liga o bairro de Deusto à região de Abandoibarra. A estrutura desta ponte, cuja planta tem uma forma arqueada, consiste em uma treliça invertida. De um lado da treliça há pistas de tráfego de automóveis e do outro há faixas para bicicletas e pedestres. A treliça também serve de apoio para uma cobertura em balanço que cobre estas duas faixas. De cima dessa ponte há uma bela vista panorâmica para o Palácio Euskalduna.
Palácio Euskalduna (1999, Federico Soriano e Dolores Palacios) Trata-se de um enorme centro de convenções, que também abriga apresentações de teatro e de música, bem como exposições itinerantes, principalmente no verão. O nome do edifício faz referência ao antigo estaleiro Euskalduna, que se situava nesse local. A fachada para o rio, em aço corten, é uma referência à história do local. O auditório principal tem espaço para 2.164 espectadores. Infelizmente não consegui visitar o interior. Fui informada que haveria visitas guiadas ao interior do edifício aos Sábados, mas convém confirmar (http://www.euskalduna.net/).
Shopping Center Zubiarte (c.2004, Robert Stern) Com reminiscências de pós-modernismo, é um pouco confuso, mas parece ter agradado à opinião local.
Universidad del país vasco (2010, Álvaro Siza e Iñaki Azkuna) O edificio está quase finalizado, mas ainda não se pode visitá-lo. Encontrei algumas imagens do interior nesta página. Ao contrário do previsto inicialmente, as fachadas foram revestidas de mármore branco polido. Os volumes são simples e ortogonais. O único “ornamento” é posição das aberturas, que são como rasgos horizontais desencontrados sobre a fachada.
Biblioteca de la Universidad de Bilbao (2008, Rafael Moneo) Bem ao lado do edifício de Álvaro Siza, este prédio de linhas austeras e herança bauhausiana deve ser visto também à noite, pois as fachadas de tijolos vidro emanam um bonita luz uniforme.
Museo de Bellas Artes de Bilbao (ampliação) (2001, Luis María Uriarte) O projeto original é de 1945. Esta ampliação completa a que já havia sido feita nos anos 60-70, dando unidade ao conjunto, mas sem modificar a fachada original do museu. Há um agradável café na parte posterior do museu, voltado para o parque.
Metrô (1995, Foster & Partners) Seguindo pela Gran Via chega-se a uma praça em formato oval (Plaza de Don Federico Moyúa) sob a qual está uma das estações do metrô projetadas por Foster. As entradas, nada discretas, foram carinhosamente apelidadas de “fosteritos” pelos habitantes locais.
Sede del Departamento de Sanidad (2007, Coll-Barreu Arquitectos) A partir dessa praça, subindo pela Alameda Recalde, não há como deixar de ver esta obra, na esquina com a Rua Poza Licentziatuaren. Mais informações sobre a obra neste site.
Edifício Plaza Bizkaia (2006, Federico Soriano), sede do Ente Vasco de la Energía, instituição pública de fomento à implantação de sistemas de energia sustentáveis no país Vasco. A fachada em vidro parece incondizente com a proposta da entidade.
Alhondiga (2007, Philippe Stark) Trata-se de um centro de lazer (ócio em espanhol) e cultura. No quarteirão em que o centro se encontra existiu uma importante indústria de vinhos. As fachadas do edifício eclético de 1909 foram restauradas e mantidas intactas. Apenas alguns volumes pequenos em tijolo na cobertura do edifício, e equipamentos urbanos um pouco excêntricos a sua volta, denotam a existência de algo novo no interior. A escuridão do espaço interno é quebrada apenas por uma instalação que projeta imagens do sol sobre um painel reflexivo, e pela iluminação cênica projetada sobre as grossas colunas que sustentam três grandes volumes com paredes em tijolo. Cada coluna possui forma e material diferentes, fazendo alusão a diferentes linguagens arquitetônicas, de maneira estilizada. Os volumes suspensos abrigam uma midiateca, ainda não inaugurada, uma academia de ginástica com vestiários, e a administração do centro. A piscina e o solário ficam na cobertura. É possível ver o fundo da piscina, que tem visores de vidro, desde o pavimento térreo, por entre dois dos blocos suspensos. Uma dica: para se ter acesso à piscina é preciso comprar um passe que custa cerca de 6 euros; portanto, vale a pena levar o maiô. Finalmente, o subsolo possui cinemas, um auditório multi-uso e um espaço de exposições. Dois bares, um no térreo e um na cobertura, vendem "pintxos"(o equivalente a tapas no resto da Espanha) caña (chopp) e vino de crianza (vinho de Rioja envelhecido em tonéis de carvalho).
Seguindo em direção ao Sudoeste chegamos ao bairro de Ametzola. Trata-se de uma área em que um grande pátio ferroviário servia de bloqueio para bairros deteriorados,situados além da via férrea. A solução urbanística implementada nessa região consistiu em enterrar as linhas de trem e a estação, criando novas áreas residenciais.
Na avenida Sabino Arana é possível pegar um metrô de superfície que nos leva de volta a Abandoibarra. Descendo logo após o palácio Euskalduna, a rua Lehendakari Leizaola passa por algumas obras reminiscentes do pós-modernismo: o hotel Meliá, antigo Sheraton (2005, Ricardo Legoretta), e o Zubiarte Shopping Centre (2004, Robert Stern). Na praça Euskadi, há diversas obras em andamento: um edifício de 44 pavimentos projetado por Cesar Peli (Iberdrola Tower) e um conjunto residencial que terá apartamentos personalizados.
Descendo a Rua Ramon Rubial pássa-se entre a biblioteca da Universidade Vasca, de Rafael Moneo (2008), e o edifício de conferências da Universidade do País Basco, de Álvaro Siza, em fase de acabamento. Seguindo em frente atravessa-se o rio pela interessante ponte de pedestres Pedro Arrupe (2003, José Antonio Fernández Ordóñez).
O caminho pela calçada à beira do rio em direção ao Guggenheim dá uma boa visão do museu de Gehry. Dessa mesma calçada pode-se subir de elevador até a ponte de La Salve, e de lá descer até o museu, sempre com diferentes perspectivas da obra. Após ter dado uma volta completa ao redor do edifício é impossível não lembrar da obra que deu origem a esta fase de Gehry; a reforma de sua casa em Los Angeles. Tenho minhas dúvidas se as partes perfeitamente tradicionais, com paredes verticais e janelinhas retangulares, precisavam mesmo conviver com as formas livres forradas em titânio.
Logo na entrada um pecado arquitetônico: para acessar a porta principal é preciso descer vários degraus, o que torna necessário o deselegante aviso "deficientes físicos por ali".
Embora seja proibido tirar fotografias no interior do museu, os guardas são relativamente tolerantes, então vale a pena hacerse el tonto. Aqui a sensação de mistura de linguagens permanece, pois algumas galerias são perfeitamente retangulares no interior do edifício.
Com certeza a sala mais interessante e fundamental para entender não apenas esta obra, mas uma boa parte das obras de arquitetura contemporâneas, é a de Richard Serra. Uma considerável parte da área total do museu foi reservada para este escultor. As obras expostas formam um conjunto que mostra a exploração da geometria não euclidiana em peças gigantescas produzidas em aço corten. Mais que a dificuldade de se gerar essas formas de dupla curvatura, chama a atenção a dificuldade de se materializá-las em uma escala tão grande e em um material tão rígido. A obra possui conexões com a história da metalurgia catalã e ao mesmo tempo com os desafios construtivos assumidos pela equipe de Gehry nesta obra.
O passeio continua pela beira do rio, seguindo até o edifício Atea, de Isozaki (2008), composto por duas torres de 22 pavimentos de escritórios, cada uma delas conectada a um bloco mais baixo de apartamentos. As generosas escadarias entre as duas torres levam a mais uma obra de Calatrava: a ponte Zubizuri (1997). Temos aqui mais um exemplo de integração entre estrutura e instalações, pois o piso é feito em vidro e ilumina o caminho dos pededtres à noite. É importante observar que as pontes construídas recentemente na cidade privilegiam o pedestre e as bicicletas em lugar do automóvel. Além das 3 pontes novas aqui descritas, a ponte de Deusto e a de La Salve receberam novos meios de acesso de pedestres (escadas e elevadores) conectando-as ao passeio ao longo do rio.
Atravessando a ponte de Calatrava e caminhando-se por mais alguns minutos chega-se ao casco viejo, a parte medieval da cidade, cheia de bares e restaurantes para encerrar o dia.
Outro programa interessante é ir, de carro ou de trem, até Portugalete, na desembocadura do Nervión, para ver a Puente de Vizcaya, estrutura metálica que liga essa cidade a Getxo. A ponte é considerada patrimônio da humanidade pela UNESCO.
Mais um dia na no País Vasco e é possível ir até San Sebastián, ou Donostia, como dizem os bascos. É lá que se encontra o famoso Kursaal, de Moneo. É preciso ligar com antecedência para saber se haverá visitas guiadas à obra. Do contrário, só se tem acesso ao interior para assistir à programação cultural. O edifício deve ser visto também à noite, quando se transforma em uma enorme lanterna que ilumina a cidade, semelhante à biblioteca de Moneo em Bilbao.
Donostia tem também um bonito centro antigo, de traçado medieval, com uma belíssima igreja barroca. Além disso o ensanche do século XIX tem belos edifícios ecléticos. Mais que tudo, a cidade possui uma belíssima situação geográfica e é um balneário animadíssimo no verão.
Se você dispõe de mais um dia ainda, vale a pena alugar um carro e seguir para o sul, em direção a Vitoria-Gasteiz e à Rioja Alavesa, onde há mais arquitetura contemporânea para visitar. Em uma rápida parada é possível conhecer a parte medieval de Vitoria, a capital administrativa da província. O casco antiguo se situa sobre uma pequena montanha, que tem acesso por meio de rampas rolantes cobertas por uma interessante estrutura de aço e vidro.
Desde Vitoria estradas vicinais, como a A2124, cruzam dois pequenos vales até chegar à impressionante serra cantábrica. Na descida dessa serra há vários mirantes em que se pode ter idéia da enorme extensão dos vinhedos da Rioja. O vale é pontilhado de pequenas cidades medievais, resultado das caravanas comerciais que cruzavam esta região no final da idade média.
Em Laguardia ficam as bodegas Ysios, primeiras a investirem em arquitetura de grife como forma de atrair visitantes e assim divulgar a cultura do vinho de qualidade. O site da Ysios possui um email pelo qual é possível marcar uma visita ao interior das bodegas, mas a área fica aberta e é possível entrar para tirar fotografias do exterior.
Em Elciego ficam as famosas bodegas do Marques de Riscal, onde se encontra la ciudad del vino. Trata-se de um conjunto formado por edifícios do século XIX e início do século XX, onde ficam as bodegas propriamente ditas, além de edifícios contemporâneos em que se produz o vinho atualmente, com equipamentos de última geração, um centro de acolhimento de visitantes e um hotel (ao qual apenas os hóspedes possuem acesso). O hotel de 5 estrelas, projetado por Gehry, oferece tratamentos vinho-terápicos, sob direção de uma cadeia francesa.
Durante a visita guiada às bodegas, que também precisa ser marcada com antecedência, passa-se por uma pequena exposição com desenhos de Gehry e uma maquete que permite que se tenha uma visão do conjunto. Nossa guia explica o uso das cores na fachada do edifício: o rosado seria uma alusão à cor do vinho; o prateado ao selo que protege a boca da garrafa, e o dourado à tela metálica que envolve os vinhos reserva da casa Marques de Riscal.
Outros edifícios interessantes na região são as bodegas CVNE, de Philippe Mazierés, Baigorri, de Iñaki Aspiazu, e Antión, de Jesús Marino Pascual. Para terminar o dia, uma subida à ermida de Labastida permite que se aprecie a belíssima paisagem.
sobre a autora
Gabriela Celani é arquiteta e mestre pela FAU-USP, e PhD pelo MIT, onde foi orientanda e assistente de pesquisas de William Mitchell e de Terry Knight. Desde 2004 trabalha na Unicamp, onde criou o Laboratório de Automação e Prototipagem para Arquitetura e Construção (LAPAC) e o grupo de pesquisas Teorias e Tecnologias Contemporâneas Aplicadas ao Projeto. É membro do conselho editorial da revista International Journal of Design Computing (IJAC) e dos conselhos científicos do Design Computing and Cognition (DCC), do SIGRADI e do ECAADE. Foi uma das criadoras da revista Pesquisa em Arquitetura e Construção, PARC, e do Escritório Modelo de Arquitetura (EMOD) da FEC-UNICAMP. É autora do livro CAD Criativo (Elsevier, 2003) e da tradução do livro A Lógica da Arquitetura, de William Mitchell (Editora da Unicamp, 2009).