Assim que decidi morar na Holanda por um ano, diversas cidades com projetos que me serviram de referência para os trabalhos de faculdade entraram no meu roteiro de viagens imediatas: Amsterdã, Roterdã, e, obrigatoriamente, Almere. Para meu espanto, sempre que conversava com algum holandês sobre meu objetivo de visitar a cidade uma questão era feita: mas o que você vai fazer lá?
Almere é uma municipalidade jovem. É uma das principais cidades da província holandesa de Flevoland, que por sua vez está localizada onde antes estava o Mar do Sul. Isso mesmo, como os holandeses dizem aqui Deus criou o mundo e os holandeses a Holanda. Brincadeiras à parte, o mar desta área central do país foi drenado para que fossem evitadas enchentes no futuro. Desde 1920 a água do mar passou a ser drenada e os polders foram tomando forma do que hoje é território da província.
Com sua imensa densidade populacional, a Holanda tirou proveito de uma área tão próxima do Randstad (anel formado pelas quatro maiores cidades do país: Amsterdã, Roterdã, Haia e Utrecht) para abrigar parte da população de um país que recebe cada vez mais imigrantes, como os demais países europeus.
A cidade de Almere se conecta com as demais províncias do país através dos trens e de duas auto-estradas: uma com conexão direta para Amsterdã e a outra para Utrecht. Hoje é a sétima maior cidade holandesa com 185.000 habitantes.
Dados à parte, voltando à pergunta dos holandeses sobre o que eu faria em Almere, em 1994 o OMA – escritório local liderado por Rem Koolhaas – ganhou o concurso para projetar a área central da cidade visando que ela deveria ser redimensionada em virtude da população cada vez mais crescente da cidade. O plano então desenhado pelo OMA teve cada edifício atribuído a um arquiteto diferente, sendo os usos todos combinados – habitação, comércio, cultura, lazer.
Minha primeira visita à cidade aconteceu em uma quarta-feira de verão, ainda no mês de agosto de 2009. De certa forma comecei a entender o que os holandeses questionam: Almere não tem ruas estreitas com canais e muito menos de tijolos, não tem as frondosas árvores. As ruas do centro priorizam apenas o pedestre e tem uma dimensão bem diferente da escala das cidades tradicionais daqui por terem sido projetadas atualmente e dimensionadas para um futuro em médio prazo. A população que vemos na rua também mistura todas as línguas, incluindo o português! Uma das barracas da feira aos sábados é de uma brasileira que vende desde coxinhas até guaraná!
Grande parte dos moradores da cidade é visualmente de imigrantes. As casas têm um valor um pouco menor que nas cidades tradicionais do país e tem área externa para jardim! Fica também um sentimento de pioneirismo e novidade que não está presente no imaginário dos holandeses tradicionais. Em contrapartida, para os imigrantes não há problema algum em ocupar uma área que era inexistente, já que o impacto da mudança de país e a adaptação a nova cultura se dará de qualquer forma.
De ambos os lados do percurso sugerido pelo guia da cidade estão exemplares de ótima arquitetura: desde o bloco chamado de Citadel projetado por Christian de Portzamparc, a biblioteca ainda não finalizada do escritório holandês Meyer en Van Schooten, o cinema Utópolis de Rem Koolhaas com a praça do Fórum e ainda o Teatro do japonês Sanaa.
Devido às largas ruas e as formas bastante marcantes dos prédios o vento que vindo do lago artificial que limita o centro realmente trás uma atmosfera gelada para a cidade, mas nada que cause desconforto para uma arquiteta feliz por ver ao vivo aquilo que há muito tempo via nos livros.
No fim do percurso chegamos ao CASLa – o centro de arquitetura da cidade. Isso é uma característica fantástica nas cidades daqui, cada cidade tem um centro ou instituto (como a NAi de Roterdã) servindo como espaço para discussão de novas diretrizes da cidade e de referências sobre a história local. O prédio do CASLa está imerso na paisagem, sua cobertura é uma deliciosa arquibancada para os dias de verão.
O CASLa abriga sempre uma exposição sobre a cidade. Em minha última visita, o projeto apresentado era de ampliação da cidade. São previstas quatro novas áreas de urbanização, até 2030, e para que Almere cresça o plano liderado pelo MVRDV prossegue em longa discussão com a participação de todas as esferas: poder público, moradores e construtores. A cidade também continua em processo construtivo da área de edifícios comerciais. Diversos prédios as margens da estação de trem central estão em fase de acabamento e logo abrigarão escritórios.
Seja no inverno atual, um pouco rigoroso, ou no verão, as ruas do centro tem um grande fluxo de pessoas sempre que o comércio está aberto ( e isso acontece de segunda a sábado até as 18 horas e no primeiro domingo do mês durante a tarde). De fato, quando é passado o horário comercial sentimos uma atmosfera mais pacata, mas isso se repete em qualquer cidade do país.
Almere pode não ser o retrato da Holanda tradicional, desbravadora do mundo com sua Companhia das Índias e sempre na vanguarda das polêmicas discussões sobre uso de drogas e prostituição, no entanto é e será o retrato da Holanda atual e do futuro – uma mistura de pessoas e de exemplares arquitetônicos dignos de muito respeito e consideração.
sobre a autora
Taiana Car Vidotto é arquiteta graduada em 2006 na Universidade Paulista de Campinas, morou um ano na Holanda fazendo pesquisas sobre arquitetura contemporânea no país, visitando mais de 50 cidades. De volta a Campinas é arquiteta do URB Arquitetos Associados.