No ano de 2010, trabalhando em um navio de cruzeiros, tive a oportunidade de atravessar o Atlântico e conhecer um lugar que eu acreditava existir só em filmes de época ou em histórias medievais: Dubrovnik, uma cidade costeira da Croácia, localizada no extremo sul da Dalmácia (1).
Foi uma grata e inesquecível surpresa, indicada para todos que apreciam cidades antigas, como eu. Dubrovnik é um dos destinos turísticos mais concorridos do Mar Adriático, o que se justifica pela sua beleza natural e urbanística, e pelo que representa para a história. A “pérola do Adriático", como é conhecida devido aos seus antigos habitantes a distinguirem como única numa região onde imperava a barbárie e por nela terem proliferado grandes figuras das humanidades e das artes (2), é uma cidade rodeada de muralhas e fortificações. Desde 1979, a cidade antiga ou cidade velha é classificada pela Unesco como “patrimônio mundial”.
Devido ao meu trabalho, visitava Dubrovnik uma vez por semana e geralmente tinha duas horas para permanecer na cidade, antes de voltar para o navio. Então, durante seis meses eu perambulei pela cidade, conhecendo em cada visita, um pouco mais desse lugar e acompanhando suas mudanças na troca de estações.
Quando se desembarca no porto da cidade antiga de Dubrovnik, a primeira coisa que chama à atenção, além da transparência inacreditável da água, são suas imponentes muralhas. Construídas entre os séculos 8 e 16, se estendem ao longo de 2 km à volta da cidade, sua altura chega aos 25 metros nas partes mais altas e a espessura varia entre quatro e seis metros nas partes viradas para terra (3).
É possível realizar um circuito turístico nas muralhas, no qual se pode caminhar por cima da fortificação, observando a cidade antiga e o mar. O recinto “muralhado” é pequeno, mas a cidade estende-se até bem longe e lá de cima é possível ter uma noção do patrimônio arquitetônico que temos diante de nós: a arquitetura medieval, renascentista e barroca, traz uma unidade de cores e alturas e um emaranhado de ruelas que encantam. Ao olhar para o lado externo da cidade, lá está a paisagem do Adriático, imenso e azul. Em um dia ensolarado, é difícil encontrar algo que se compare.
Ao se ingressar na cidade antiga, é possível visualizar um amplo calçadão chamado de Placa ou Stradun, que divide a velha cidade ao meio. Na Placa encontramos cafés e restaurantes charmosos, várias lojas de souvenirs com bandeiras da Croácia e as delicadas velas artesanais. As edificações históricas impressionam, principalmente quando se descobre que já enfrentaram um terremoto em 1667 e bombardeios durante ataques do Exército iugoslavo, dos sérvios e dos motenegrinos na década de 1990 (4).
Dizem que um em cada três edifícios da cidade sofreu estragos nesta guerra e uma dezena de casas ficou completamente devastada. O que surpreende a todos é que nenhuma parte da muralha foi destruída. Hoje, as edificações estão bem conservadas e em constante trabalho de restauração. O comércio local dá exemplo ao respeitar as fachadas das edificações, não colocando propagandas desproporcionais, que bloqueiam a visão do casario, como se vê aqui no Brasil. Aliás, caminhar pelas ruas de Dubrovnik nos proporciona um encantamento, mas também certa tristeza pelo patrimônio brasileiro, tão pouco preservado.
Saindo da rua principal, pode-se caminhar pelas ruas estreitas, encontrar uma feirinha simpática, subir escadarias íngremes e sentar-se num café, tranqüilo, mais afastado do movimento dos turistas. As roupas no varal, acima de nossas cabeças, estão por toda parte nas ruelas, trazendo o cotidiano dos moradores ao visitante, evidenciando que naquelas construções antiqüíssimas e históricas a vida não deixou de habitar. Isso é uma das coisas que mais chama à atenção em Dubrovnik: a maioria das edificações tem usos residenciais e comerciais, dividindo espaço com usos culturais, o que gera movimento e alegria ao sítio histórico.
No passado, a riqueza de Dubrovnik provinha, principalmente, do comércio marítimo. A república contava com uma vasta frota mercante que navegava por todo o mundo. Os nativos de Dubrovnik estabeleceram-se em vários locais e dizem que a república enviou um dos seus marinheiros para incluir a tripulação comandada por Colombo (5). Este passado de navegações é bem explorado no turismo local que conta com performances pelas ruas, de pessoas vestidas em trajes de pirata com suas aves, com bares temáticos onde “arcas do tesouro” servem de mesa, além de lojas com roupas inspiradas na moda marinheiro. Mas que fique claro, que em nenhum momento essa apropriação do passado das navegações, dá a Dubrovnik um ar caricato, justamente porque é feita de maneira natural, pontual e não massificada.
Enfim, Dubrovnik impressiona por seu contexto histórico e atual, pela receptividade das pessoas, pelo patrimônio preservado, pelas atividades e equipamentos distribuídos nos espaços públicos, que proporcionam conforto e satisfação. Flanar por Dubrovnik foi uma experiência única, de grande aprendizado e prazer, que indico a todos, que estejam dispostos a fugir do circuito básico da Europa, principalmente nos meses de junho, julho e agosto, períodos de altas temperaturas, quando a água gelada do mar fica mais suportável.
notas
1
Ver Wikipédia, verbete “Dubrovnik” <http://pt.wikipedia.org/wiki/Dubrovnik>.
2
Idem, ibidem.
3
Ver Dubrovnik on line.com <www.webcitation.org/5nZfoXB6a>.
4
Para saber mais sobre esta atrocidade, veja o link http://www.youtube.com/watch?v=sU0JPXUmg44.
5
Ver Wikipédia, verbete “Dubrovnik” <http://pt.wikipedia.org/wiki/Dubrovnik>.
sobre a autora
Aline Martins da Silva, bacharel em turismo pela UFPel (2006), Mestre em Planejamento Urbano e Regional pela UFRGS (2009). Tem experiência nas áreas de Planejamento Turístico, ênfase em lazer e espaços públicos, museus e turismo, patrimônio imaterial e turismo. Trabalhou como docente no Programa “Brasil, meu negócio é Turismo”, do Ministério do Turismo/Unitrabalho. Foi pesquisadora do Inventário Nacional de Referências Culturais – Produção de Doces Tradicionais Pelotenses, promovido pelo Iphan, Monumenta e Unesco. Passou o ano de 2010 a bordo de um Transatlântico Italiano, trabalhando e viajando pela America do Sul, Europa, Grécia e Croácia.