Projetado pela arquiteta iraquiana Zaha Hadid, o Museu das Artes do Século XXI está na esplendorosa capital da Itália. Roma não é Paris, que absorveu sem grandes traumas o Centro Pompidou, a Pirâmide do Louvre e outras obras patrocinadas por Mitterrand. E foi urbanizada no século XVIII por Haussmann, que abriu seus grandes eixos.
Roma foi sede de um império que conquistou o mundo séculos antes de Cristo; foi vanguarda nas artes clássicas com o Renascimento, Giotto, Brunelleschi, Rafael, Michelangelo, Bernini , Borromini, Caravaggio; nela está a Capela Sistina, a Vila Borghese; artistas e obras que não só enchem os olhos mas ensinam sobre uma civilização. Mas, não se pode fazer comparações nem congelar um tempo desejado para o desfrute daqueles que têm ou terão privilégio de conhecer essas obras-primas, junto com magníficas ruínas.
As construções modernas da cidade preservam certa reverência ao passado e mantêm o gabarito tradicional. A mesquita projetada por Paolo Portoghese, na década de 1990, está afastada do centro, cercada por altos muros; o Palazzeto delle Sport, de Pier Luigi Nervi, e o Parco della Musica, de Renzo Piano ficam na zona norte da cidade, longe da rota dos turistas. Difícil imaginar como seria uma edificação projetada por Zaha Hadid (grande parte de seu trabalho ficou apenas no papel) nesse cenário histórico. Mas como informa Pio Baldi, presidente da Fundação MAXXI, esse ousado museu dá continuidade à tradição artística italiana, aberta à contemporaneidade.
Afastado do centro histórico de Roma, no bairro de Montello, antes área militar, protegida pela fachada restaurada da antiga caserna, a construção para o primeiro museu público italiano dedicado às artes contemporâneas surpreende por não se mostrar explicitamente.
Acessado pela via Guido Reni, o museu abriga parte de suas salas no corpo da caserna militar, uma estrutura de metal em dois níveis construída no início do século XX. Nessa área, os espaços destinados a exposições temporárias guardam aspecto bem despojado, derivado do uso industrial original, cujas janelas e estruturas foram mantidas.
O acesso à área nova se faz pela lateral num percurso que desemboca no pátio do museu, e já revela a complexa geometria do projeto – marca da arquiteta – em concreto aparente e vidro. Um volume, em balanço de nove metros sobre essa praça, reflete em seus vidros frontais os edifícios antigos do entorno. O interior da obra é surpreendente. São várias soluções insólitas a partir do átrio com altura de 22 metros, ao desenho anguloso das escadas que conformam uma intrincada rede de percursos em direção às galerias. As escadas são o elemento mais marcante; em escala desproporcional, vazadas, compostas por uma estrutura portante de vigas reticulares, têm revestimento de chapas envernizadas em preto.
No átrio, que abriga a bilheteria e o balcão de informações, um enorme objeto prateado, composto de duas unidades, provoca curiosidade: é um banco ou escultura? Em concreto e fibra de vidro, sua forma orgânica montada sobre uma estrutura metálica, revestida por uma película de gelcoat, convida ao descanso; é um banco mesmo, e flexível. Ainda nesse piso situa-se o auditório, destinado a projeções, conferências e aulas; sua iluminação, fixada no teto preto e na parede do fundo, segue desenho geométrico de acordo com o bem resolvido projeto de luminotécnica para o museu. Abaixo do átrio está a área da cafeteria, agradável espaço onde é servido um bem elaborado brunch (por 15 euros apenas).
Todas as paredes novas são em concreto aparente, com uma textura acetinada e reflexiva à luz artificial, obtida por experimentações no canteiro de obras, conforme explicam. As paredes que separam as galerias de arte são revestidas de gesso acartonado reforçado para possibilitar as transferências das obras de arte. Percorrendo todos os espaços, um sistema de luz fluorescente atravessa o teto e, em certos momentos, toda a sua largura também. Já a iluminação natural, detalhe importante do projeto, é filtrada por um sistema sofisticado que regula a sua entrada e protege os ambientes dos raios solares.
Uma série de espaços expositivos termina na galeria principal, situada no volume suspenso sobre o pátio, com pavimento inclinado cerca de doze metros de comprimento; na metade do percurso foi projetada uma abertura em vidro, de surpreendente efeito, que revela a sala do pavimento abaixo. Esta, por sua vez, é marcada por lâminas curvas em seu teto, que marcam a direção variável desse espaço.
O Museu das Artes Contemporâneas, inaugurado em julho de 2010, conta com 30 mil m2de área e foi planejado para promover todas as expressões artísticas contemporâneas, assim como incentivar pesquisas das diferentes formas da linguagem do desenho atual, estabelecendo o diálogo entre a arte e a arquitetura. Valeu!
sobre o autor
Haifa Yazigi Sabbag é jornalista formada pela ECA/USP, ex-editora da revista AU – Arquitetura e Urbanismo e da revista AC – Arquitetura e Crítica, do Portal Vitruvius. Autora de JKMF – Julio Kassoy e Mario Franco, e Rocco Associados – residências unifamiliares, ambas da editora C4.