Nos anos 1960, artistas anarquistas holandeses inventaram a white bicycles, de propriedade comum, que cada um usava quando precisava, deixando-a na rua para o próximo usuário. Esta bicicleta, que faz parte da mitologia libertária do século passado, ganhou uma versão brasileira que simboliza algo muito distinto. A bicicleta branca tupiniquim é um memorial que marca no território urbano os locais da morte trágica de ciclistas. É conhecida popularmente por “ghost bike”, com um humor negro talvez excessivo.
No dia 14 de janeiro de 2009, a ciclista Márcia Prado foi atropelada por um ônibus urbano. Ela percorria a faixa da direita da Avenida Paulista e, segundo depoimentos, não fez nenhum movimento brusco ou imprudente. Sua imprudência foi acreditar que é possível dividir civilizadamente o espaço urbano com outros veículos na metrópole paulistana.
A bicicleta branca estática no canteiro lateral da principal avenida da cidade é um memorial de uma vida que se foi prematuramente, mas também uma metáfora incômoda do lugar que cabe a este meio de transporte em nosso meio social. O uso da bicicleta como meio de transporte nos grandes centros urbanos é tão disseminado hoje que não se estranha quando um astro da música pop –caso de David Byrne – vem à Feira Literária Internacional de Paraty (Flip) falar sobre o tema.
Enquanto isso, nós plantamos nossas bicicletas nos canteiros, ao lado das flores. Alguma coisa precisa ser feita. Aos arquitetos e urbanistas cabe algum papel neste debate.
sobre o autor
Abilio Guerra é arquiteto, professor da FAU Mackenzie e editor do portal Vitruvius.