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architectourism ISSN 1982-9930

Vista panorâmica de Londres a partir da roda-gigante London Eye. Foto Victor Hugo Mori

abstracts

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Em uma temporada de exposições tematizando mulheres importantes na cidade de Paris, duas mereceram atenção especial da autora: “Charlotte Perriand, de la photographie au design”, no Petit Palais; e “Madame Grès, la couture à l’oeuvre”, no Musée Bourdelle.


how to quote

ZAKIA, Silvia Palazzi. Mulheres em exposição. Paris, junho e julho de 2011. Arquiteturismo, São Paulo, ano 05, n. 057.04, Vitruvius, nov. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/05.057/4128>.


A temporada de exposições do verão parisiense parece ter privilegiado os personagens femininos. Ao menos quatro das exposições em cartaz apresentaram o trabalho excepcional de algumas mulheres: Charlotte Perriand, de la photographie au design, no Petit Palais; Madame Grès, la couture à l’oeuvre, no Musée Bourdelle; Sculture’ELLES, les sculteurs femmes du XVIII siècle à nos jours, no Musée des Années 30, e Zaha Hadid, une architecture, no Institut du Monde Arabe.

Todas já acabaram, mas é inconcebível não tecer comentários sobre a de Perriand e a de Mme Grès. Reservo para cada uma dessas duas exposições um pequeno texto individual, ainda que considere a forte relação entre esses trabalhos: Charlotte Perriand, uma mulher de vanguarda, cujo design nos impressiona até os dias de hoje; e Mme Grès, que concebe o vestuário como um projeto de arquitetura.

Que mulheres!

Charlotte Perriand, de la photographie au design (1)

A interessante exposição parcialmente gratuita apresenta obra e aspectos pessoais dessa mulher de vanguarda. Arquiteta de formação, responsável por obras de design de mobiliário consagradas, teve seu nome obscurecido pela fama de Le Corbusier, coautor de obras famosas como a chaise longue de 1929.

Chaise longue. Le Corbusier, Charlotte Perriand e Pierre Jeanneret, 1928
Foto divulgação [Charlotte Perriand et la photographie: l’oeil en eventail]

A mostra tem início com um percurso gratuito. As obras de Perriand se misturam ao acervo permanente do museu; como forma de identificação do percurso, os expositores apresentam uma mesma linguagem plástica - madeira clara com detalhes em laranja -, uma maneira expositiva bastante perspicaz.

Na primeira ala se encontram reconstituídos os três painéis fotográficos – fotomontagens em coautoria com Léger -, realizados para o pavilhão do ministério da Agricultura da Exposition Internationale de 1937. Um processo de desmontagem dos painéis foi desenvolvido na tentativa pedagógica de desvendar o trabalho da arquiteta. Todas as imagens foram separadas e suas procedências identificadas. Aliam-se às fotos números e estatísticas oficiais. Uma maquete do pavilhão nos permite compreender o espaço onde estavam inseridos os murais de Perriand, que expressavam as principais reformas do governo da Frente Popular. Seu engajamento político se expressa por meio dos murais de fotomontagens: expressão plástica até então inédita.

Refugio tonel. Pierre Jeanneret e Charlotte Perriand, 1938
Charlotte Perriand/ACHP [Charlotte Perriand et la photographie: l’oeil en eventail]

Nessa mesma ala ainda se encontra o projeto e maquete do refúgio-tonel - destinado ao abrigo de alpinistas, mas que por conta da guerra nunca foi construído -, desenvolvido juntamente com Pierre Jeanneret, em 1938. Na frente do Petit Palais, um protótipo do refúgio-tonel incita a curiosidade dos passantes.

Há também fotos de detalhes do Partenon quando de sua participação no Ciam de Atenas, em 1933, além de muitas fotos de objetos da natureza capturados em passeios por bosques e praias e que servem de inspiração para o desenvolvimento de seu trabalho. O cotejamento entre foto e obra revela as similaridades que o curador propositalmente deixa explícitas. Fotos e obras se confundem; quem inspira o quê? A foto de um objeto inspira um projeto? Ou um projeto inspira uma foto?

Estante. Charlotte Perriand
Foto divulgação [Charlotte Perriand et la photographie: l’oeil en eventail]

Entre uma ala e outra da exposição, no hall da escada, uma entrevista com Perriand entretém o visitante.

No andar inferior, encontramos uma seleção de peças de mobiliário mescladas às fotos que  registram a natureza ou a vida simples de camponeses que lhe serviram de inspiração para seus trabalhos. Ela usava a expressão “l’oeil en éventail’ para definir sua maneira de concepção projetual: é preciso prestar atenção em todos os objetos porque deles é possível extrair uma lição.

Passeios dessa mulher livre e apaixonada pela natureza, momentos de puro deleite, foram capturados por Jeanneret, seu parceiro, em fotos em que aparece seminua, numa praia da Normandie ou nos Alpes, em 1933.

Mesa baixa. Charlotte Perriand
Foto divulgação [Charlotte Perriand et la photographie: l’oeil en eventail]

Perriand capta em qualquer objeto uma inspiração projetual. A curiosidade da criança foi permanência constante em seu olhar.

Esplêndido! Vale muito mais que uma visita minuciosa e atenta.

Madame Grès, la couture à l’oeuvre (2)

A caminho do Musée Bourdelle, como de costume, passei na frente da igreja Saint-Germain-des Prés: os sons do órgão e do coral me convidaram a entrar. Acabei assistindo à missa. Gostei! Igreja cheia de crianças e casais jovens.

Bem, acabada a missa, lá fora uma ótima banda de jazz tocava bem animada. Tudo muito eclético e divertido.

Sala de Gessos, vestido branco, 1945
Foto Silvia Zakia, 2011

Peguei o metrô e segui meu destino: exposição de madame Grès. Custou-me encontrar a pequena rua onde se situa o museu, uma construção toda de tijolos. Ao fundo, um anexo que é projeto de Portzamparc. Assim como na exposição de Perriand, os vestidos de Grès se misturam ao acervo permanente do museu, as esculturas de Bourdelle, é claro. Bacana isso. Ela dizia que queria ser escultora e que trabalhar o vestido era como trabalhar a pedra. “Je voulais être sculpter. Pour moi, c’est la même chose de travailler le tissu ou la pierre”.

Pátio interno do Museu Bourdelle
Foto Silvia Zakia, 2011

Daí a escolha desse local para a exposição. Vestidos e esculturas que se misturam na aparência e na intenção.

O primeiro já é chocante: um vestido branco (1945) que lembra uma coluna grega. Colocado estrategicamente dentro de uma vitrine na sala mais imponente do museu – Salle des Plâtres, sala que, com um grande pé-direito, abriga grandes esculturas. Difícil foi não fazer a ligação entre moda e arquitetura.

Na sequência, uma sala com vestidos de 1934 a 1942. Alguns pareciam bem atuais. Uma aparente simplicidade da obra, mas que é de muita complexidade. Um fazer muito elaborado, mas que ao olhar rápido e desatento parece tão simples. Que maestria!

Na sala 4 descobri que erros também acontecem por lá. Era o apartamento de Bourdelle, um pequeno cômodo escuro, onde estava alocado um vestido preto que a iluminação deficiente e com reflexos da luz natural não permitia que se percebesse nenhum detalhe do vestido. Se era uma opção intencional, não entendi. Um casal à minha frente reclamava de que não conseguia ver nada. Eu também não vi nada.

Estrutura enxaimel Museu Bourdelle
Foto Silvia Zakia, 2011

Seguindo pelas outras salas, havia a apresentação dos esboços de madame Grès. Desenhos maravilhosos, uma acuidade gráfica notável. Eram cheios de anotações sobre os detalhes “construtivos” dos vestidos. Novamente, pensei: tal qual um projeto de arquitetura. Como é bonito o traçado a mão. Como é revelador. Não sou contra tecnologias, elas nos ajudam e são ótimas. Não sou passadista. Mas que o esboço de próprio punho traz à tona o autor, isso é inquestionável.

Mme Grès tem uma linha “projetual” identificável; trabalhava sempre com maestria sobre drapeados e plissados; os materiais empregados, melhor dizendo, os tecidos, mudam ao longo do tempo, mas as datas dos vestidos parecem intercambiáveis. Sua assinatura é clara. No anexo de Portzamparc, também era exibido um documentário de época. Em sua entrevista, ela menciona qualquer coisa como: desenhar um vestido é como projetar uma edificação: ela mesma faz menção à correlação entre o modo de concepção desses dois fazeres.

Robe 27, coleção outono-inverno 1942
Cartão postal [Madame Grès, la couture à l’oeuvre]

A forma de exposição dos vestidos em certo momento me incomodou; eles estavam sobre pedestais, que impediam a visualização de seus detalhes. Ficava tudo no alto. E os dados referentes ao vestido exibido eram quase sempre colados a menos de meio metro do chão. Achei bastante incômodo: era um tal de abaixa, levanta, fica na ponta dos pés, tira e põe óculos.

Logicamente, o pedestal eleva o vestido a uma categoria de monumento. Mas apreciar o trabalho manual de “construção”, de manufatura do vestido, era difícil. Fora esse pormenor, fica a questão: desenvolvimento de um projeto, seja lá de qual área for, guarda muita semelhança. É sempre o mesmo processo.

O prédio do museu é bem interessante: dois jardins internos tornam o ambiente afável e acolhedor. Uma comunhão arquitetônica feliz entre as diversas técnicas construtivas do prédio: alvenaria de tijolos aparentes, estrutura enxaimel e o novo anexo com sua sobriedade própria do concreto aparente. Só o prédio vale uma visita.

notas

1
Exposição temporária Charlotte Perriand, de la photographie au design. Petit Palais, Paris, de 7 de abril a 18 de setembro de 2011. Visita da autora no dia 16 de junho.

2
Exposição temporária Madame Grès, la couture à l’oeuvre. Musée Bourdelle, Paris, de 25 de março a24 de julho de 2011. Visita da autora no dia 19 de junho.

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