Em dezembro de 2011 parti para aquela que seria, até então, a maior aventura da minha vida: viver por três meses em Budapeste, capital da Hungria. Tinha certeza de que as experiências seriam inúmeras e bastante transformadoras, principalmente quando pensado o curto espaço de tempo e o turbilhão de novos sentimentos que estariam por vir. Não tinha noção, porém, de que, dia após dia, aquela cidade se tornaria cada vez mais “minha” também.
Quando me lembro das vivências urbanas experienciadas na capital húngara, logo me vêm à mente os meios de transporte. Talvez por serem, na maioria das vezes, suporte dos primeiros contatos com a nova paisagem que nos cerca, quando da chegada a um novo destino.
Em meu desembarque em Budapeste não foi diferente. Saí do aeroporto em um táxi e, em seguida, peguei um ônibus para ir para minha nova casa. Não conseguia me decidir para qual lado olhar, pois todas as direções me mostravam cenários inteiramente desconhecidos, que de maneira muito forte se faziam interessantes. Tudo aquilo que por alguns meses estava apenas em meu imaginário, na expectativa do pré-viagem, agora era real aos meus olhos, porém apenas através das janelas daqueles veículos.
Ao longo dos primeiros dias na cidade, entretanto, os meios de transporte tomaram a figura de grandes vilões para mim. Conviver com inúmeras linhas de trem, três linhas de metrô, ônibus comuns e noturnos, HÉVs (trens diferenciados que realizavam viagens com maiores distâncias, tanto para o subúrbio quanto para pequenas cidades de fronteira)... tudo isso era um grande desafio para quem tinha contato apenas com as velhas conhecidas linhas de ônibus de sua cidade de origem, com pouco mais de quinhentos mil habitantes. Não foram poucas as vezes em que fiquei perdido e tive que contar com o auxílio da rede de solidariedade brasileira – os amigos que viviam a mesma experiência de intercâmbio – e meus inseparáveis mapas.
Pouco a pouco, entretanto, todas aquelas conexões tornavam-se extremamente fáceis e habituais para mim. Tudo aquilo passava a me parecer muito simples: utilizar um ônibus, um trem e um metrô extremamente organizados, pontuais e baratos para a realização de um único trajeto havia se tornado nada mais que natural. O contraste com relação ao Brasil se tornava ainda mais forte quando pensadas as condições econômicas de ambos os países e o porte das cidades, pois pensaríamos em uma vantagem brasileira.
Budapeste possui, hoje, quase dois milhões de habitantes e a Hungria um PIB de $195.6 bilhões em 2011. Quando, contudo, analisamos uma cidade semelhante em nosso país, não observamos as mesmas características, relacionadas a um transporte público barato e de qualidade. Vale ressaltar, ainda, que os habitantes locais, com quem tive oportunidade de conviver, se diziam muito insatisfeitos com a infraestrutura de que possuíam, o que parecia quase absurdo para mim, quando pensava na realidade cotidiana em que vivia no Brasil.
Mais que objetos de mobilidade urbana, esses meios de transporte tornavam-se espaços de apresentação e memória daqueles espaços que ora vivenciava. Ambientes que me permitiam observar as dinâmicas da população que circulava em retorno do trabalho ou ao encontro do lazer, as edificações marcadas pela história de um período comunista com suas cores – ou ausência delas – e seus embates, as luzes que formaram a imagem e o imaginário de Chico Buarque ao descrever Budapeste como “a cidade amarela” e de me perceber enquanto sujeito transformado, na oportunidade de reflexão que conquistava no trajeto de retorno ao lar.
Os veículos utilizados eram, também, possibilitadores de uma aproximação da língua por mim desconhecida e considerada extremamente difícil de se aprender, o húngaro. Ao anunciar as estações em seus alto-falantes e letreiros, as locuções me permitiam entender como enunciar determinada sílaba ou me auxiliar a referenciar o ponto de trem em que deveria estar, quando perdido.
Os espaços de espera também permitiam me sentir um cidadão inserido àquela cidade. Inúmeras vezes me foram solicitadas informações sobre os trajetos por parte de residentes, momentos em que pude demonstrar toda a habilidade adquirida ao expressar “Bocsánat, nem beszélek magyarul”, ou em português, “Me desculpe, eu não falo húngaro” e me sentir bastante orgulhoso.
Em minha noite de despedida, após o último passeio pelas margens do rio Danúbio, através das janelas do trem e do ônibus que me conduziram até o lar, chorei toda a tristeza de estar partindo e observando todos aqueles espaços, cenários de tantas histórias, pela última vez. Minha vontade era contar às pessoas que me acompanhavam no trajeto o quanto fui feliz ali e quanta saudade antecipada já sentia.
No voo de retorno, enquanto todos tentavam se livrar dos desconfortos provocados pela decolagem, tampando seus olhos e ouvidos, eu permanecia atento; tenso, tentando olhar Budapeste e suas formas pela última vez, na expectativa de nunca mais esquecer aquela imagem aérea, tão grandiosa e “amarela”.
Os relatos de memória são, de fato, desempenho da função emotiva daqueles que os escrevem. Quando pensadas nas narrativas de viagens, podemos apontar, também, a construção do diferenciado e único olhar daquele que vivenciou as experiências relatadas, capazes, ainda, de formar uma imagem para seus leitores, que terão a oportunidade de construir seu próprio olhar, seja ele a partir do deslocamento físico ou simbólico.
sobre o autor
Lucas Gamonal Barra de Almeida é graduando em Turismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora.