A Mostra de Arte da Bienal de Veneza é sempre um programa imperdível, tanto para o apreciador de arte, que se programa de antemão para garantirem a ida ao grande evento, como para o turista comum que visita a cidade italiana. Durante o período da Bienal a cidade se volta para a arte e os espaços públicos e privados se transformam em sedes de mostras temporárias. Grande parte dessas exposições é gratuita e o visitante pode se perder por dias, entrando e saindo desses espaços. Fora do circuito alternativo, as grandes atrações são pagas e estão expostas em dois espaços: Arsenale e Giardini.
55ª Bienal de Arte de Veneza
Filme de Helena Guerra / Irmãos Guerra Filmes
É sempre muito inspirador passear pelos belos galpões do Arsenale e pelos pavilhões do extenso gramado dos Giardini. O tema proposto pelo curador Massimiliano Goini para a 55ª edição da Bienal foi “O palácio enciclopédico”. O Arsenale abrigou um apanhado de obras de diferentes períodos e, segundo o curador, “a 55ª Bienal explora os vôos da imaginação em uma exposição que combina obras contemporâneas com artefatos históricos e também objetos encontrados” (1). Um visitante que já tenha passado por grandes museus do mundo, ao se deparar com boa parte das obras expostas no Arsenale tem uma sensação que combina nostalgia e pouca surpresa. Mas, já que a memória às vezes nos trai, é sempre bom revisitá-las.
A segunda parte da exposição acontece nos Giardini, ou “jardins”, que abrigam pavilhões de vários países do mundo. Entre um pavilhão e outro é possível sentar em bancos e gramados para relaxar ao ar livre e tomar um solzinho do verão veneziano, algo indispensável para continuar a jornada artística extenuante. O Brasil tem um pavilhão próprio e nesse ano contou com a exposição Inside/Outside, com curadoria de Luis Pérez-Oramas e André Severo. Eles trouxeram obras inéditas de Odires Mlászho “reinventando as possibilidades da colagem” e Hélio Fervenza, que alcança “uma simbiose sem igual dos meios, expressas em uma brilhante transformação do espaço” (2). E alguns objetos já muito conhecidos de Lygia Clark, como a Obra Mole, de 1964. O pavilhão brasileiro trouxe boas obras porém um conjunto pouco ousado se comparado com os outros pavilhões.
Creio que as videointalações são o destaque da bienal. No Arsenale podem ser vistos os vídeos Blindly, onde cegos pintam telas numa tentativa de retratar o mundo (Artur Zmijewski, Polônia); Solo Scenes, onde dezenas de televisões dispostas em prateleiras de madeira exibem cenas do cotidiano de um homem (Dieter Roth, Alemanha); e Da Vinci, onde microcâmeras supertecnológicas adentram o corpo humano e denunciam sua fragilidade (Yuri Ancarani, Itália), entre outros vídeos excelentes (3).
Os grandes achados da Bienal estão no Giardini e os pavilhões mais interessantes são aqueles onde a curadoria optou por apenas um artista representando o país. No pavilhão da França, o artista Anri Sala traz Ravel Ravel Unravel. Através de três vídeos em salas distintas, Anri estuda as multifacetadas relações entre músicos e os sons gerados por seus instrumentos. No pavilhão de Grécia, Stefanos Tsivopoulos monta History Zero, instalação com três vídeos exibidos em salas distintas, onde o espectador, ao passar de uma projeção para outra, percebe que as histórias se complementam. A questão central desta obra – que descreve a experiência de três personagens muito diferentes – é o valor do dinheiro e seu papel na relação entre os seres humanos.
E a obra que mais me chamou atenção, pela beleza, delicadeza e genialidade, foi Intercouses, a videoinstalação de Jesper Just apresentada no pavilhão da Dinamarca. Segundo Giuliana Bruno,
“arquitetura e meio ambiente são essenciais para Just em seu processo de criação. Com Intercouses, filme multicanal e instalação que estréia na Bienal de Veneza de 2013, ele transforma o ambiente urbano e o torna protagonista da obra. Pensando no fato de que um pavilhão na Bienal representa um país em outro país, Just vai de encontro à configuração arquitetônica da representação pela confusão. Ao construir um espaço de instalação que remete a uma ruína em progresso, ele exibe o processo em camadas que é inerente à fabricação imaginária desses lugares. As cinco projeções dentro do pavilhão consolidam essa imagem híbrida de espaço ao realçar o sentimento de deslocamento cultural. O filme se passa em um subúrbio de Hangzhou, China, que é construída de forma a replicar Paris, França – um lugar que pessoas habitam, mas ainda em um estágio de construção que remete à ruína. Nesse cenário composto, onde são colocadas projeções imaginárias, nós seguimos três homens em uma narrativa sinuosa, durante a qual eles se conectam psiquicamente pelo espaço, de uma forma atmosférica” (4).
O mais curioso dessa obra é que a cidade – normalmente entendida como o espaço da vida, onde as coisas acontecem – nessa obra nos remete a uma completa solidão. Eu me perdi no labirinto de tijolos para entrar no pavilhão e saí ainda mais confusa de uma China que mais parecia uma França perdida em uma ilhota da Itália.
notas
1
GIONI, Massimiliano. Il Palazzo Enciclopedico / The Encyclopedic Palace. Short Guide. Veneza, Marsilio, 2013, p. 18.
2
Idem, ibidem, p. 208.
3
As obras estão publicadas no catálogo da mostra, nas páginas 199, 155 e 32, respectivamente.
4
BRUNO, Giuliana. Intercouses. The Imaginary Landscapes of Jesper Just <http://intercourses.dk/index.php?page=essay&get=the-imaginary-landscapes-of-jesper-just>
sobre a autora
Helena Guerra é formada em cinema na Faap em 2011 e esteve na Bienal de Veneza como correspondente do portal Vitruvius.