Sou psicóloga, e as artes sempre me encantaram. Conheci Zé Pretinho por acaso: o Muro, instalação que estou apresentando a vocês, ficava no “meu caminho”, mais exatamente em Diadema, município da Grande São Paulo com cerca de 390 mil habitantes e distante 19 quilômetros da Capital.
Numa manhã preguiçosa de domingo peguei minha câmera de iniciante nas artes da fotografia e fui brincar de fotografar. Zé Pretinho me aguardava como se fôssemos velhos amigos com um convite irresistível para conhecer seu mundo e seu trabalho. A partir deste encontro, divulgar sua obra e viabilizar o seu “lixo transformado em luxo” passou a ser um desafio e uma missão para mim.
O mundo criado por Zé Pretinho retrata a trágica realidade que nos cerca, estruturando e ordenando, de maneira própria e criativa, uma narrativa das figuras e situações do cotidiano brasileiro e mundial. “É um mundo particular, que reflete a sua interpretação dos fatos”.
As obras – que talvez isoladas não tivessem uma expressão plena – se inserem em conjunto na instalação e adquirem significado próprio e particular na circunstância geográfica. O Muro como representação visível dessa instalação, remete o visitante a um questionamento ético-social, estimulando-o, concomitantemente, à imaginação e à criatividade. Não há quem não se intrigue com a obra, não há quem não se encante com Zé Pretinho.
Em nosso mundo os muros protegem, no mundo do Zé Pretinho seu Muro expõem, simultaneamente, a exclusão perversa dos cidadãos da periferia pela cidade e pela nação e a possibilidade de se transformar esta mesma exclusão em arte reciclada, revista, reordenada de forma criativa e tocante.
Há bonecos, carrinhos, rostos, corpos incompletos – expressões da dor, das desigualdades, da violência – revelando o cotidiano vivenciado por milhões de oprimidos. Situações de tragédias par-a-par com suas frases, com sua filosofia, com sua simplicidade tocante, pura e profunda. Temos em seu trabalho um retrato, uma visão peculiar do lado escuro do Brasil.
Ao utilizar personagens de nosso cotidiano – situações atuais que assistimos passivamente - Zé Pretinho nos emociona com a simplicidade profunda de uma pessoa iluminada, capaz de um ver e fazer que só pode um “artista e filósofo”, como ele próprio se define.
Como diz Olívio Tavares de Araújo, cineasta, e crítico de arte, “A obra de arte não é uma confissão autobiográfica, mas pode haurir sua seiva seja da vida do autor, seja do conturbado mundo que o cerca, assim como da pura contemplação da harmonia das esferas. Muitos misteriosos e inesgotáveis são os caminhos da beleza” (1).
A plataforma editorial e tecnológica do Zé Pretinho tem como objetivo básico atender à necessidade premente e manifesta do artista – isolado num recanto remoto da periferia da Grande São Paulo – de se comunicar com o mundo. Com sua arquitetura simples porém articulada, permitirá que o artista mostre seu trabalho e revele seu universo peculiar às pessoas conectadas à Internet em todo o mundo, português ou inglês. Os usuários serão convidados a enviar perguntas ao artista, perguntas estas que serão respondidas em vídeo e publicadas no website, completando assim, a “ponte tecnológica” proposta.
O website (2) que estamos publicando é o início de um projeto que pretendemos seja mais amplo. Seu rumo seguirá os caminhos que a própria obra indicar em seu diálogo com o público ampliado pelo canal.
Temos sonhos com relação aos próximos passos, temos desejos com relação ao processo, à obra de Zé Pretinho e a “nossa” trajetória como mentora do projeto.
nota
1
ARAÚJO, Olívio Tavares de. Livro de artes brasileiras. Rio de Janeiro, JC Editora, 2007.
2
Website Zé Pretinho <www.zepretinho.com>. Conheça o Muro do Zé Pretinho.
sobre a autora
Brenda Gottlieb é psicóloga junguiana pela SBPA, Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Membro do IAAP – International Association for Analytucal Psychology. Atua desde 1980 em consultório particular em São Paulo, Brasil.