Christchurch, a principal cidade e porta de entrada da Ilha Sul da Nova Zelândia, é conhecida mundialmente pelos esportes radicais. Em fevereiro de 2011 a cidade ficou ainda mais conhecida devido a um forte terremoto que destruiu grande parte do centro histórico e outras áreas da cidade, tirando a vida de 185 pessoas.
Mais de 1.000 prédios no CBD (Central Business District) e 10.000 casas nos bairros foram demolidos. O CBD foi isolado e entitulado red zone, área onde o estrago do terremoto foi mais intenso. A área só foi completamente reaberta em 28 de junho de 2013, até então, por dois anos e quatro meses, o acesso à red zone só era permitido a pessoas especializadas.
Christchurch pré-terremoto era uma linda e organizada cidade, conhecida como ‘Garden City’ e com ares ingleses. Localizada entre a montanha (os Southern Alps) e o mar, a cidade é planejada e o traçado regular do centro só é alterado pelo Rio Avon, principal estrutura da paisagem, e duas diagonais: Victoria e High Streets. Christchurch conta com uma grande quantidade de parques e jardins, e está localizada na planície de Canterbury. A cidade é cercada por inúmeras pequenas propriedades rurais e pequenas cidades que criam uma importante interface entre os ambientes urbano e rural. A paisagem, como em toda Nova Zelândia, é de uma beleza sem igual, uma simbiose perfeita entre os diferentes elementos que compõem os ambientes urbano e natural.
A Escola de Paisagem da Lincoln University (SoLA) foi o que nos levou a Christchurch. A universidade está localizada em Lincoln, uma pequena cidade com cerca de 2.500 habitantes nos arredores de Christchurch e em meio a áreas rurais. O principal foco de estudo da universidade são as ciências da terra, entre elas a paisagem. O curso de paisagem está instalado em um edifício novo, concluído em 2009 e que recebeu o prêmio da NZIA (New Zealand Institute of Architects) em 2009, para edifícios de uso público.
A Nova Zelândia se localiza no Anel de Fogo do Pacífico, sobre uma das áreas com atividade sísmica com mais ativa do planeta, por isso convive-se com a possibilidade de terremotos a qualquer momento. Desde a colonização em 1840, a maioria das casas neozelandesas são estruturadas em madeira e os nativos dizem que as casas têm ‘swing’, balançam, mas dificilmente rendem-se em um terremoto. As saídas de emergência são muito bem planejadas e a população é treinada para responder rapidamente e prestar socorro no caso de tremor.
O terremoto do dia 22 de fevereiro de 2011 foi um teste, tanto para os edifícios como para a população. 6.3 graus de magnitude na escala Richter não parece dos tremores mais violentos, mas cientistas acreditam que efeitos sísmicos que raramente são documentados ocorreram de maneira combinada, produzindo um tremor de terra extraordinariamente forte.
A aceleração do solo em Christchurch, a mais forte registrada na história da Nova Zelândia, foi cerca de quatro vezes maior do que a aceleração mais alta registrada durante o terremoto de 9.0 ocorrido próximo à costa do Japão e que gerou a tsunami de 11 de março de 2011. Além disso, o epicentro do tremor foi próximo à superfície e ao CBD, por isso a grande destruição. Christchurch havia vivenciado outro terremoto em 4 de setembro de 2010, de 7.1 na escala Richter, que causou muito menos destruição e é frequentemente descrito como muito menos intenso.
Na região central os rastros da destruição ainda estão em muitos lugares. Quarteirões quase que inteiramente destruídos, sem construções, com grandes espaços vazios ou tomados por estacionamentos indicam a extensão do evento. Ruínas de edifícios importantes, como a catedral da cidade, ainda se sustentam apoiados em escoras. Edifícios condenados, rachaduras no espaço urbano e memoriais marcam a paisagem. Durante cerca de um ano e meio a diminuição do número de moradores e turistas era visível, mas nos últimos anos o estado de emergência e ‘demolição’ foi transformado em estado de reconstrução e aos poucos moradores e turistas começam a retornar.
Christchurch vive hoje um ‘tempo entre tempos’, enfatizando a relação entre desenho da paisagem e tempo, onde manter a cidade em funcionamento é o aspecto mais importante. O centro foi ocupado por projetos temporários cuja finalidade é gerar interesse e manter a cidade viva enquanto seguradoras e donos de imóveis negociam o caminho a seguir. Processo que pode levar anos.
Na principal via de pedestres, Cashel Street, um centro comercial feito com containers mantém a vitalidade da região central. O projeto denominado Re:START conta com lojas, cafés e restaurantes. Na condição pós-desastre de Christchurch, iniciativas como essa são importantes para reerguer o centro da cidade.
Nem por serem provisórios esses edifícios dispensam a qualidade arquitetônica. Um exemplo é a nova catedral de papelão, projetada pelo renomado arquiteto japonês Shigeru Ban, vencedor do Pritzker 2014. Atualmente, a Cardboard Cathedral, como é conhecida, cumpre papel de centro religioso enquanto se discute se como a Christ Church Cathedral, Catedral original, será reconstruída.
Recentemente antigos estabelecimentos retomaram as atividades, espaços que estavam fechados estão gradativamente sendo reabertos ao público, e iniciativas de comerciantes e empresas locais dão nova e gradual reocupação ao centro da cidade. A região central conta com um plano de recuperação, denominado The Blue Print, que entre outras ações tenta promover um novo modelo de ocupação, com gabarito menor, maior diversidade de uso, e relação com a paisagem de forma mais harmônica.
Assim como muitas cidades que sofreram com catástrofes Christchurch utiliza os grandes espaços vazios deixados pelo terremoto para redesenhar o seu centro. A nova proposta valoriza a imagem de ‘Garden City’ e promove Christchurch como um exemplo de cidade sustentável. Esse potencial vem sendo muito bem trabalhado por uma equipe de arquitetos e urbanistas locais e internacionais
Só o tempo dirá o que será de Christchurch, e se a cidade conseguirá se reconstruir, se as marcas da destruição irão cicatrizar, e se o temor por novos tremores fará com que a cidade adote uma nova postura construtiva e de relação com a paisagem.
sobre os autores
Silvia Garcia é doutoranda em Arquitetura da Paisagem na Lincoln University em Christchurch, onde desenvolve pesquisas em sociologia urbana em um ambiente pós-desastre. Membro do time vencedor da competição ‘48 Hour Design Challenge’ para Gloucester Street Site (focada na reconstrução de Christchurch). Recentemente passou temporada no ILS (Research Institute for Regional and Urban Development), na Alemanha.
Glauco Cocozza é doutor em Arquitetura e Urbanismo pela FAUUSP, Professor Adjunto do PPGAU da Faculdade de Arquitetura Urbanismo e Design da UFU. Em recente viagem à Austrália para participar do ISUF 2013 em Brisbane, aproveitou a oportunidade para realizar uma visita técnica à Escola de Arquitetura Paisagística, SoLA, da Lincoln University,na cidade de Christchurch, Nova Zelândia.