“Feliz aniversário
Envelheço na cidade”
IRA!
A cidade de São Paulo comemorou, na segunda-feira, dia 25 de janeiro deste ano de 2016, seu aniversário de número 462. Muito embora não se possa precisar exatamente a data de sua criação cultural, o dia da conversão do apóstolo Paulo foi escolhido pela Companhia de Jesus para batizar o local escolhido para instalar sua missão, no ano de 1554, tornando a referida data uma efeméride para celebração anual de seu nascimento (1).
Ao escrever este texto, tenho como objetivo saudar uma ação política em defesa ao centro histórico paulistano, sítio urbano mais antigo e local de nascimento, permanência e desenvolvimento de pequeno povoado que se verteu na maior metrópole de todo hemisfério sul. Trata-se do projeto nomeado como “Caminhada noturna pelo centro” (2), colocado em prática, no ano de 2005, por um cidadão que habita o centro, e dele tira seu sustento por meio de um restaurante vegetariano, localizado em um dos calçadões da República, na esquina da Rua Dom José de Barros com a Rua Barão de Itapetininga.
Para participar do projeto, basta estar às quintas-feiras em frente ao Teatro Municipal, próximo ao metrô Anhangabaú, por volta das 20 horas, pois a Caminhada é sempre pontual. Não há dificuldades para reconhecer o grupo: coletes amarelos, carrinho de som para o microfone e a bandeira ao alto, indicando que o Centro Histórico está prestes a ser esquadrinhado, admirado e compartilhado durante duas horas de “pernada” pelas ruas, calçadões e praças desse local quadricentenário.
Em ocasião favorável, no ano de 2011, tive a oportunidade de participar como protagonista da Caminhada (3), andejando com o grupo até a área do Pateo do Collegio, sítio que me motivou a desenvolver tese de doutoramento sobre o relacionamento afetivo com a ontologia dos lugares (4). Nesse dia, tive o privilégio de andar ao lado de Carlos Beutel, o homem responsável pelos dez anos de “Caminhada noturna”, e aprender com ele que essa marcha é, antes, um tributo ao lugar em que vive e trabalha, sendo que o projeto foi cunhado e tem se mantido como uma prática de respeito e salvaguarda de seu lugar vivido. Suas lições me ajudaram a olhar a paisagem do centro histórico de forma ainda mais visceral, emocional e afetiva, permitindo que o Pateo do Collegio e as pausas em seu entorno fossem descritos em prosa e verso (5).
Assim, quando o dia de São Paulo estava se avizinhando, a “Caminhada noturna” se preparava para uma (metafórica) maratona de cinco horas de passeio pelas ruas do centro histórico, nomeada de “Caça aos fantasmas” (6), cuja programação especial estava voltada a revelar diversos mistérios, fúnebres até, que os logradouros e construções testemunharam e/ou foram seus motivadores. Assim que o relógio marcou o início do dia 25, Carlos Beutel, do alto de um caminhão de som, saudou a cidade e oficializou o início da caminhada, compartilhando, com algumas centenas de pessoas que lá estavam, um pouco da emoção sentida pelo lugar. Também ouvimos outros entusiastas pronunciarem seu amor pela cidade, antes da “caçada” começar com uma performance teatral, desenvolvida nas escadarias da ciclópica realização de Ramos de Azevedo, baseada em célebre cena musical do Fantasma da Ópera.
Na sequencia, conduzida pelo caminhão e pela voz do guia, a multidão seguiu quase que em romaria pelo Viaduto do Chá até a prefeitura municipal, depois pela Rua Libero Badaró até a Rua José Bonifácio até o centro do Vale do Anhangabaú, onde se pode mirar a Fonte dos Desejos – Glória. Defluímos pela Praça Antônio Prado, onde estão o Martinelli, o Altino Arantes (Banespão), o Centro Cultural Banco do Brasil, a Bolsa de Mercadorias & Futuros – BM&F etc. De lá, tomamos rumos ao Pateo do Collegio, depois à Igreja do Carmo, ao Solar da Marquesa, até o retorno ao Teatro Municipal, onde a Caça aos Fantasmas foi concluída com a exibição de uma película no Cine Dom José – ali ao lado. Em cada uma dessas paragens, houve uma bela apresentação artística e esclarecimentos históricos a respeito dos diversos pontos turísticos visitados e contemplados pelo grupo da “Caminhada noturna”.
Essa, e todas as Caminhadas semanais, não podem ser entendidas apenas como importante elemento que faz parte do circuito turístico-cultural da capital paulistana. Isso porque, mesmo que o projeto agremie muitos visitantes, curiosos, estudantes etc. pela égide do entretenimento, seu propósito mais profícuo é a manutenção da vida de um lugar que pertence à cidade como guardião de todas as suas memórias, e representante de toda sua heterogeneidade contemporânea.
Com isso, participar, respeitar e incentivar a Caminhada equivale a fazer o mesmo pela cidade de São Paulo, ressaltando todos os seus benfazejos predicados. Por isso, ao final, fica a esperança de poder flanar pelas indeléveis brumas de seu Centro Histórico por muitas e muitas quintas-feiras, às 20 horas, e pelas madrugadas de seus aniversários de número 463, 464, 465...
Obrigado, Carlos! Parabéns, São Paulo, 462 anos relembrados e festejados por toda madrugada do dia 25 de janeiro de 2016!
notas
1
Ver: FORTUNATO, Ivan. Historicidade e geograficidade do Pateo do Collegio, coração do centro histórico de São Paulo. Rio de Janeiro, Coletânea, 2015. [no prelo]
2
Sítio virtual oficial: http://www.caminhadanoturna.com.br/ acesso em 25 jan. 2016.
3
Detalhado em “FORTUNATO, Ivan. Passeio como ação política de proteção ao lugar: as Caminhadas Noturnas no Centro Histórico de São Paulo. 2016”. [artigo submetido]
4
Doutorado guiado pela sabedoria e entusiasmo de Lívia de Oliveira, professora emérita.
5
FORTUNATO, Ivan. Geopoética no Centro Histórico de São Paulo. A primeira pausa do Pateo do Collegio. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 186.01, Vitruvius, jan. 2016 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.186/5868>; FORTUNATO, Ivan. Memórias do Pateo do Collegio como lugar pioneiro da educação paulistana. Cadernos do CEOM, Chapecó, Unochapecó, 2016. [no prelo]
6
Flyer disponível virtualmente em: http://www.caminhadanoturna.com.br/emailmkt/2016-cfantasmas.htm, acesso em 25 jan. 2016.
sobre o autor
Ivan Fortunato tem pós-doutorado em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC. Doutor em Geografia pela UNESP. Líder do Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Ensino, Ciência, Cultura e Ambiente (NuTECCA). Editor da revista Hipótese e coeditor da Revista Internacional de Formação de Professores e da Revista Brasileira de Iniciação Científica. Professor do IFSP/Itapetininga.