A apreciação do distrito histórico de Savannah, antiga capital da Georgia, não pode desvincular-se da figura de seu fundador, o General James Edward Oglethorpe, cuja memória se faz presente na cidade dando nome a edifícios, ruas, praças e monumentos, devido aos ideais que o moveram para o estabelecimento da colônia americana no século 18. O plano da cidade, caracterizado pelo traçado regular permeado por áreas verdes públicas, data de 1733, sendo aclamado como um plano original. Contudo, o plano insere-se como parte de um projeto de ocupação de uma ampla região (Georgia foi a última colônia americana na fronteira sudeste, no limite com território francês e espanhol), e que desenhou simultaneamente os aspectos espaciais, econômicos, políticos, sociais e defensivos. Para estabelecerem-se em novo território, as relações produtivas e o rebatimento espacial destas relações foram determinados conjuntamente, através da correspondência entre uma unidade elementar da estrutura urbana de Savannah (o Ward), uma área agrícola produtiva que lhe compete, e uma milícia defensiva própria.
O Ward foi concebido como uma unidade modular, reproduzido de modo a compor o tecido da cidade na área histórica, e que serviu para as expansões da cidade. Deste modo, apenas parte do tecido que compõe o plano original data de 1733 (1), e diversos acréscimos ao tecido são posteriores; porém o modelo de crescimento a partir de unidades espaciais autônomas permitiu o desenvolvimento da cidade de modo ordenado e coerente com a proposta de Oglethorpe.
A palavra ward tem especificamente o sentido de unidade de defesa ou proteção; contudo, pela conformação proposta por Oglethorpe para os Wards de Savannah, poderíamos aventar outros atributos. O conjunto de quadras que formam um Ward tem em média dez acres de superfície (40.000 m2) e determina um número de moradores a partir do qual as relações de vizinhança podem ser dimensionadas. No Ward está também representado o agrupamento de indivíduos que deu origem à cidade, através dos Trust Lots. A autonomia espacial e funcional de um pequeno núcleo de casas autônomas, acrescido de uma centralidade correspondente, é base para ensaios como Usonia I, de Frank Lloyd Wright.
Savannah distingue-se dos planos anteriores das cidades coloniais pelo seu traçado reticular, baseado em vias que atravessam toda a cidade e elementos modulares de repetição do tecido urbano – o Ward. No plano de Oglethorpe, o Ward contem tipos diferentes de quadras destinadas aos usos de moradia, institucional e público (praça). As dimensões e parcelamento das quadras mudam em função do uso previsto.
Cada Ward é composto por quatro quadras maiores para uso residencial (tythings), subdivididas por vias de serviço (lanes). A porção central do Ward é composto por uma praça pública (square), que é ladeada por pequenas quadras de apenas um lote, locais cedidos pela municipalidade para edificações públicas ou privadas de interesse coletivo (trust lots).
As quadras residenciais ou tythings (estreitas) assumem formato retangular e são parceladas com lotes que foram inicialmente ocupados com residências unifamiliares. O crescimento de Savannah adensou estas áreas e as casas deram lugar a edifícios de três a quatro pavimentos, que tem como principal característica, além da continuidade da volumetria edificada, a presença constante de escadas no passeio para acessar o pavimento sobrelevado.
A porção central do Ward é ocupada pelo conjunto composto por uma praça ladeada por quadras estreitas e menores de uso institucional. As praças representam massa vegetal significativa que marca o tecido urbano de Savannah, e tem a peculiaridade de interromper as vias internas. Esta posição determina a centralidade do desenho dos espaços das praças e seus monumentos, bem como percursos de pedestre cortando estes espaços atravessando o Ward. Por sua vez, garante que as vias de trânsito entre os Wards, que tem percurso direto e sem interrupção, tenham assumido vocação comercial ao longo do tempo.
Conhecidas por Trusts e em referência direta a própria forma de associação entre indivíduos que deu origem à Georgia, as quadras institucionais recebem os edifícios públicos importantes da cidade, bancos, igrejas, escolas, etc. Muitos destes edifícios apresentam interesse histórico.
O núcleo original de Savannah está implantado em um platô que se situa em cota de nível elevada com relação ao Rio Savannah. Isto gerou uma peculiar ocupação ligando a parte mais alta das quadras do General J. E. Oglethorpe com a frente do rio. O desnível é vencido, ao longo de todo o bairro histórico através de pontes muito antigas que conectam diretamente a cidade até o pavimento superior dos edifícios implantados no nível do rio. A conexão incorpora o interior dos edifícios como passeio público e determina a vocação destes edifícios de frente para a água, que apresentam animado comércio. Toda esta faixa, que se estende por mais de dois quilômetros, é ocupada por uso misto incluindo lojas, hotéis, residências e escritórios. As lojas e restaurantes que localizam-se no patamar mais baixo, bem próximo ao rio, exercem uma forte atração turística, com uso diurno e noturno.
Uma maquete da cidade, em escala reduzida, pode dar ao visitante uma boa apreensão do conjunto da cidade, evidenciando o traçado e o tecido urbano de Savannah. A maquete pode ser encontrada no Massie Heritage Center, que oferece passeios guiados a pé.
nota
1
É possível verificar o crescimento de Savannah através de traçados e diagramas feitos por Paul Knight, que mostram os quatro Wards inicialmente construídos por Oglethorpe e as expansões ao longo dos séculos 18 e 19. Ver <www.paullknight.com/2013/05/11/time-lapse-diagrams-of-savannah-georgia>
sobre os autores
Adilson Costa Macedo, arquiteto (FAU USP, 1964), Master of Architecture in Urban Design (Graduate School of Architecture, Harvard University, 1977), doutor em Estruturas Ambientais Urbanas (FAU USP, 1987) e professor da FAU USP e USJT.
Maria Isabel Imbronito, arquiteta (FAU USP, 1994), mestre em Estruturas Ambientais Urbanas (2003) e doutora em Projeto de Edifícios (2008) pela mesma instituição.