Antônio Ezequiel Feliciano da Silva, advogado, foi prefeito do Município de Santos no período de 14 de abril de 1953 a 14 de abril de 1957. Entre outros objetivos tinha o propósito de racionalizar a rede viária para facilitar o transporte público, mantendo as linhas de bonde, e melhorar os jardins da praia criando novos pontos de interesse para desfrute dos santistas e turistas. Estes, sempre benvindos para aumentar a renda municipal e promover a cidade como estancia de interesse nacional e de países latino-americanos. A pretensão era grande para quatro anos de gestão e o Prefeito tinha urgência para desenvolver projetos, de modo que obras pudessem se iniciar. Os projetos se resolveram, enquanto arquitetura, alinhados ao apreço do Dr. Antônio pelo moderno, com elementos trazidos de Miami e do Rio de Janeiro – especialmente o Aterro do Flamengo.
O prefeito se aproximou de um funcionário da Divisão do Plano da Cidade, o projetista de arquitetura Eduardo Costa Macedo, simplesmente Macedo, conhecido por seus projetos de linhas modernas. Seguiu-se uma parceria que propiciou projetos que transformaram a paisagem santista, como o arranjo da rede de bondes, em particular os pontos de parada com abrigos de passageiros de caráter único para cada avenida, o portal de entrada dos túneis, e a requalificação dos espaços de articulação entre a Avenida Conselheiro Nébias e a Avenida Vicente de Carvalho (avenida da praia), envolvendo ônibus, bondes, automóveis e pedestres.
O local faz parte do conjunto hoje conhecido como Praça do Boqueirão, que inclui o trecho de jardins até a areia da praia. Este artigo traz comentários sobre este empreendimento público, onde o prefeito visionário, apoiado pelo projetista de arquitetura, realizou uma obra hoje tombada como exemplo de arquitetura moderna em Santos.
A Av. Conselheiro Nébias atravessando a cidade desde o Centro, termina na praia no encontro com a Av. Vicente de Carvalho que acompanha a orla. A área de encontro das duas avenidas foi alargada para acomodar os fluxos e melhorar as condições das paradas de bonde, onde foram construídos dois abrigos. Estes abrigos são formados por uma sequência de apoios em forma de triângulos e a laje inclinada, permitindo visuais abertas para o entorno e implantados segundo o critério de ter a lateral mais alta da cobertura protegendo a saída dos passageiros, conforme a direção de fluxo dos bondes.
As linhas de bonde inauguradas em 1870 foram desativadas em 1971, para dar espaço aos ônibus e automóveis. Os abrigos permaneceram livres até 1975, como local de sombra e descanso, ocupados para atividades de caráter transitório. Então, foram fechados seus intercolúnio e os abrigos perderam a transparência visual que possuíam, além de receberem coberturas complementares. O local passou a ser uma Ilha de Conveniência, para informações ao público, razão que justificou o infeliz projeto.
A Praça do Boqueirão, como é conhecida, estende-se pelo comprimento de duzentos metros entre a Rua Ângelo Guerra e a Rua Osvaldo Cruz. Na direção do mar delimita-se pelo alinhamento dos terrenos dos edifícios defronte à Av. Vicente de Carvalho indo até a borda que separa a praça da areia. É um dos lugares de interesse do jardim da praia de Santos, cuja extensão total é 5.335m, listado no Guinness Book/2002 como o maior jardim frontal a orla da praia do mundo. Incluímos a avenida da praia no espaço que define a Praça – cerca de 14.000,00m² – mas, os santistas popularmente reconhecem como praça apenas o trecho do jardim.
Hoje existe a ciclovia separada da faixa de rolamento dos veículos motorizados e em paralelo com ela a calçada com suas derivações para a faixa do grande jardim. Convite para os passeios individuais ou em pequenos grupos, comendo pipoca, cocada, queijadinha e tomando caldo de cana. Acontece a feirinha de artesanato dos fins de semana e a atividade tranquila dos idosos que formam rodas complementando os desconfortáveis bancos de concreto com suas cadeiras de praia. Sem falar das jovens mães empurrando carrinhos de nenê e os pais correndo atrás para pegar os irmãos maiores, também o dono do pet, contente quando encontra um colega do seu protegido. Os adolescentes e moços ficam lá na areia, conversando, se bronzeando ou jogando frescobol antes de cair na água.
O espaço da praça é organizado por uma cobertura que se inicia curva deixando um espaço descoberto no miolo, como uma mandala e estende-se tangencialmente por uma longa marquise. Serve para o encontro e descanso das pessoas (os bancos não pertencem ao projeto inicial).
Próximo, fica outra marquise de forma mais compacta e desenho livre, integrada a um espelho d`água, onde estão as fontes luminosas. O espelho d’água fica sessenta centímetros acima do chão acabado por uma floreira para vegetação baixa, que dificultando o acesso direto dos passantes para o lago se integra com as curvas dos demais canteiros. A cores das pastilhas são inversas em relação a primeira marquise: pilares amarelos e topo da laje azul.
Os pontos mais construídos interagem com a forma livre dos canteiros, e os caminhos de pedestres entre eles. São circulações projetadas para a passagem de muita gente sobre o piso de mosaico português com temas marinhos idealizados pelo projetista Macedo e troca de rabiscos com seu amigo, figurinista de teatro, Newton de Souza Telles. O piso todo em mosaico branco e marrom é composto de grandes figuras e se mescla fortemente com as curvas do desenho da praça.
É sabido que Macedo acompanhou dia e noite o mestre português que empreitou a obra, ajustando a posição final das figuras recortadas em papelão e os pormenores de assentamento. Caminhando por lá pode-se sentir como as formas livres dos canteiros, as plantas, as formas marinhas do piso, as cores das pastilhas de revestimento, o mar ao fundo, o céu, o barulho dos repuxos de água, o cheiro de maresia, as pessoas se movimentando, sentadas conversando ou estiradas pensando na vida, fazem do espaço da praça um ótimo lugar de convivência.
As referências utilizadas neste artigo são de fonte muito segura: da memória do autor, que por nenhuma coincidência é filho do Macedo. Ao final da obra da praça já me entendia por gente, ia às vezes com meu pai, olhava os desenhos na Divisão do Plano da Cidade, em casa acompanhava outros projetos, curtia os esboços de tartarugas, caranguejos e estrelas do mar que os dois faziam quando o amigo Newton aparecia em casa, junto com o pai ia vistoriar o trabalho dos portugueses, especialistas no assentamento do mosaico da Praça do Boqueirão. Em conclusão: virei arquiteto!
sobre o autor
Adilson Costa Macedo é arquiteto, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, FAUUSP; Master of Architecture in Urban Design, Graduate School of Design, Harvard University; Doutor, Universidade de São Paulo. Professor da FAUUSP e Universidade São Judas Tadeu, USJT. Lider do Grupo de Pesquisa Arquitetura da Cidade, GPAC/USJT.