Covilhã, cidade sede do 4º Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono, ocorrido em março de 2017, traz consigo uma história muita significativa vinculada à produção têxtil e, atualmente, a uma construção urbana bastante pautada pela produção artística. A cidade está localizada no distrito de Castelo Branco, na região central de Portugal e próxima à região fronteiriça com a Espanha.
Situada na zona montanhosa da Serra da Estrela, o cenário histórico do município se tornou propício à produção da lã, uma vez que se localizava extremamente próxima à possibilidade da produção de gado. Entretanto, se historicamente o município foi centro dessa monoindústria, pouco integrada no tecido produtivo da região, atualmente está ganhando um dinamismo que transforma sua representatividade urbana.
“No centro destas mutações estão os efeitos sociais resultantes da crescente afirmação da Universidade, em cuja génese se procura aliar uma redefinição e adaptação das estratégias económicas e, a nível identitário, a sua assunção como recurso e instrumento privilegiado de reforço do poder simbólico, social e político da própria cidade. É uma capacidade emergente que está a transformar a estrutura, o ambiente e as vivências urbanas, abrindo as perspectivas de um novo “modelo” urbano, o que por sua vez exige políticas urbanas adequadas e direcionadas para a recriação de um ambiente urbano atrativo e de qualidade, cuja concepção não deve “apagar” a herança histórica e cultural da Covilhã” (1).
Dessa forma, é possível entender a reelaboração do símbolo da cidade ligada diretamente a Universidade da Beira Interior, que está tornando a cidade de Covilhã tendencialmente universitária. É visível a convivência entre os jovens residentes na cidade juntamente com os moradores mais antigos, vistos juntos a cruzar as vias em direção ao centro histórico; alguns indo à universidade, outros, aos cafés tradicionais para aproveitar o sol matinal para jogar conversa fora. Assim, a universidade foi motor para um desenvolvimento local e regional, desempenhando um papel fundamental na criação e encorajamento de empresas, contribuindo para atrair o fluxo migratório (2) e, consequentemente, dar visibilidade para a cidade se desenvolver com características contemporâneas e diversificadas para o turismo e desfrute da atual composição de moradores e turistas.
Durante a estadia em Covilhã, indo diariamente à Universidade da Beira Interior, sede do congresso, defini, enquanto ponto com potencial turístico a ser visitado, a região central da cidade. Cabe ressaltar que, dentro do perímetro percorrido diariamente, no trajeto universidade-hospedagem, o tecido urbano possui diversas vielas estreitas, exclusivamente para pedestres que, utilizam da combinação de rampas e escadarias para vencer grandes desníveis topográficos, tornando a caminhada um processo mais lento e, consequentemente, contemplativo. Enquanto experiência pessoal, ao longo dessas íngremes ruas e travessas de pedestres, fui descobrindo à cada esquina desse centro, diversas instalações e painéis artísticos que utilizavam as empenas dos edifícios históricos como tela.
Pesquisando posteriormente, descobri que graças ao Festival WOOL – nome dado em homenagem à grande produção histórica de lã da cidade, que acontece há quase sete anos, há a reunião de diversos artistas de diversos países que, a cada edição, utilizam as paredes das cidades como tela para painéis que acabam se tornando referências de arte urbana mundial, como é o caso do OWL EYES. O evento já foi realizado em 2011, 2014 e 2015, chegando a ter financiamento e auxilio do município. A iniciativa surgiu através de um grupo de habitantes locais, apoiados pela Direcção Geral das Artes, que faz parte da Secretaria de Estado da Cultura portuguesa.
Todos os trabalhos, antes de executados, contam com debates e interação entre artista e morador, através de visitas à cidade. A diversidade e espontaneidade encontrada em cada painel representa a peculiaridade e individualidade de cada artista, claramente inspirados pela paisagem e pela história da cidade. Pelo tempo de visita a cidade, não consegui visitar todos os painéis, entretanto, não considerei isso um ponto negativo, até porque adotei como um grande prazer da viagem virar uma nova esquina e me deparar com um trabalho desconhecido. Pude, entretanto, no último dia da viagem, ver ainda alguns painéis que não encontrei ao longo dos meus passeios, através da utilização de uma gentil “guia turística” portuguesa, em forma de colega de congresso. Algumas fotos de alguns dos trabalhos que visitei ao longo da viagem estão apresentadas aqui, mas talvez não seja possível, através delas, transmitir o sentimento de espanto e admiração a cada novo painel encontrado.
Considerando minha primeira visita à Portugal, Covilhã se mostrou um ponto de parada imperdível, também pelos painéis que transformam a cidade em um museu contemporâneo à céu aberto e que instiga o visitante a continuar descobrindo novos becos, artes e cores. A cidade se tornou, não só palco de um belo e enriquecedor congresso, mas também parte de uma inesquecível experiência pessoal.
notas
1
VAZ, Domingos. As cidades do interior e as estratégias ausentes: uma observação a partir da cidade da Covilhã. Cidades – Comunidades e Territórios, jun. 2004, n. 8, p. 21-33.
2
PINHEIRO, Elisa Calado; SILVA, Manuel José dos Santos. A Covilhã: uma paisagem cultural evolutiva. Algumas notas sobre a (re)construção das memórias industriais da cidade. Revista Online do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior, nº 1.
sobre a autora
Carolina Guida Cardoso do Carmo é arquiteta urbanista formada pelo Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (2013) e, atualmente, é estudante de mestrado da Pós-graduação em Arquitetura, Tecnologia e Cidade da Unicamp.