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research

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architectourism ISSN 1982-9930

Lisboa. Foto Michel Gorski

abstracts

português
O artigo apresenta uma intervenção realizada em Outubro de 2016 por Laura Burocco, doutoranda da ECO-UFRJ e Pedro Victor Brandão, artista, em colaboração com moradores e representantes de associações locais, no Porto do Rio de Janeiro.

english
The article presents an intervention made in October 2016 by Laura Burocco, a Phd candidate from ECO-UFRJ and Pedro Victor Brandão, artist, in collaboration with residents and representatives of local associations, in the harbour area of Rio de Janeiro.

español
El artículo presenta una intervención llevada a cabo en 2016 por Laura Burocco, estudiante de doctorado en ECO-UFRJ y Pedro Victor Brandão, artista, en colaboración con residentes y representantes de asociaciones locales de la zona portuaria de Rio.


how to quote

BUROCCO, Laura; BRANDÃO, Pedro Victor. Herança futurística da Cidade Olímpica. Arquiteturismo, São Paulo, ano 11, n. 121.03, Vitruvius, abr. 2017 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/11.121/6499>.


O Circuito Futurístico e Especulativo do Desrespeito da Herança Africana, do Esquecimento Urbano e do Apodrecimento da Sociedade (1) foi pensado a partir do Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana desenhado pela Prefeitura do Rio de Janeiro.

O objetivo fui denunciar como o interesse da Prefeitura – e dos seus investidores privados – em fazer desaparecer um passado assombroso, ligado à história da escravidão no Brasil, atende à venda de um produto (a cidade e, em específico, o Porto Maravilha) apresentado como um espetáculo de enorme positividade, indiscutível e intocável. O percurso deu visibilidade a lugares que, apesar do grande valor na história e identidade africana da região, foram esquecidos  (ou voluntariamente omitidos). Também quis evidenciar a existência – dentro  do Circuito oficial – de lugares que, apesar de não ter valor e desrespeitarem a história africana, foram impostos pela Prefeitura. Para cada “estação” foram convidados representantes de associações culturais tradicionais da região – os Afoxé Filhos de Gandhi e o Instituo Pretos Novos – junto a um representante do movimento de luta pela moradia atualmente envolvido no reconhecimento de um projeto de moradia popular localizado na região, o Quilombo da Gamboa. Saindo da hiper-celebrada Praça Mauá, na tarde de um sábado de Outubro 2016 cerca de trinta pessoas se deslocaram através da Rua Venezuela, passando pela ex-ocupação Zumbi dos Palmares, o Galpão Ação Cidadania, o Jardim do Valongo para concluir, o Galpão da Gamboa.

Rio de Janeiro, ex-ocupação Zumbi dos Palmares, Avenida Venezuela 53, outubro 2016
Foto Daniel Santos

Cada estação levanta uma questão: a praça Mauá vem representando a revitalização e o desastre “museificado” do capitalismo especulativo/ espetacular carioca; a ex Zumbi dos Palmares evoca o tema da moradia e da desapropriação da dignidade das pessoas que originariamente ocupavam o porto; o galpão da Ação Cidadania mostra a falta de um verdadeiro compromisso com a memória e a identidade; no Jardim do Valongo há e denúncia à  imposição por parte da Prefeitura de um espaço que, além de não ter ligações com a herança africana da região, marca uma linha de continuidade com um processo civilizatório higienista que começou com Pereira Passos no início do século 20 e que encontra a sua continuidade durante o mandato do ex-prefeito Eduardo Paes (2004-2016). O Circuito se encerra no Galpão da Gamboa apontando a pergunta sobre o destino dos achados das escavações; seja pelo valor histórico-cultural seja pelo valor econômico; repropondo a pergunta que já tinha sido levantada em relação as vigas do elevado da Perimetral que, em 2013, misteriosamente sumiram. Em cada estação tivemos uma longa pausa, abrindo conversas nos temas citados acima, a partir da fala espontânea de todos os presentes. A caminhada acabou no Bar do Seu Candinho, cuja sobrevivência é gravemente ameaçada (fisicamente e emocionalmente) por causa das obras da revitalização. Algo de comum no rastro das assim chamadas obras de revitalização.

Bar do Seu Candinho, Rua Pedro Ernesto 43, Gamboa, Rio de Janeiro, outubro 2016
Foto Laura Burocco

Mas quais são as problemáticas que a proposta entende levantar?

O Rio de Janeiro, em particular o perímetro do Porto do Rio definido pela Operação Urbana Porto Maravilha, esta passando por um intenso processo de transformação urbana. Surge o alcance de um “patamar global” feito de modernidade e desenvolvimento (leia-se acesso ao consumo e melhoria dos indexes de produção) às custas de outros, que sofrem esquecimento e negação.

A Praça Mauá torna-se o símbolo não apenas do Porto Maravilha mas da perpetuação de desigualdade e especulação econômica da cidade olímpica. A criação em 2009 da Operação Urbana Consorciada do projeto Porto Maravilha, maior parceria público-privada (PPP) do país, marcou o fim de uma proposta de transformação da região com foco na participação social e moradia popular que vinha sendo discutida a seis anos pelo Ministério das Cidades junto a um grupo de trabalho local. Pelo contrário, a operação mantém o regime fundiário já existente mudando apenas a propriedade da terra que passa da União para a Prefeitura que, por sua vez, contrata a Concessionaria Porto Novo (37.5% OAS, 37.5% Odebrecht, 25% Carioca Christian Nielsen) para fazer a incorporação imobiliária (e a própria especulação econômica). Em troca de Certificados do Potencial Adicional de Construção, os CEPACS, que autorizam a construção além dos limite definidos pelo zoneamento da cidade, a Caixa Econômica Federal – através do uso do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FGTS (ou seja fundos públicos) – assumiu todos os gastos da PPP. A intenção é aumentar a moradia na área, mas é evidente que o Porto Maravilha não tem um foco em habitação social, mas é num modelo rentável para o mercado imobiliário privado que essa operação garante o seu lugar mais estável. Na obrigação de incluir um Plano Habitacional de Interesse Social (PHIS Porto) o mesmo teve pouca divulgação e o processo de elaboração foi conduzido de forma rápida e pouco transparente. O resultado é um plano que ignora a presença de cerca de mil pessoas que vivem nos cortiços da região, com graves lacunas na identificação de potenciais por moradia social e falta de utilização para habitação popular de parte dos imóveis públicos existentes na área. Também inexistem dados numéricos que não apenas enumerem o percentual de moradia social, tampouco que considerem a demanda atual ou futura, e muito menos o  percentual dos recursos financeiros da operação destinados a este uso. Denuncia-se, assim, um retrocesso em relação às antigas propostas de aproveitamento do estoque habitacional existente no centro e um alto potencial de aumento da desigualdade sócio-espacial existente. Escolhemos como exemplo deste retrocesso a ex-ocupação Zumbi dos Palmares, localizada atrás do Museu de Arte do Rio – MAR, na avenida Venezuela. O prédio de propriedade do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS ficou desde os anos 70 em estado de abandono. Foi ocupado em 2005 e garantiu, até o seu despejo forçado em 2009, um mais simples acesso ao emprego, comércio e escolas para as moradoras e moradores da ocupação. Desde 2009 nada foi feito e voltou a encontrar-se em estado de abandono. O mesmo aconteceu com a ocupação Quilombo das Guerreiras, localizada perto da Rodoviária Novo Rio; cujo moradores foram despejados em 2014 e continuam na espera de um novo imóvel (o projeto Quilombo da Gamboa) onde podem ser realocados enquanto o prédio esta caindo em ruínas.

Os pôsteres entre as obras do VLT na frente do Bar do Seu Candinho, outubro 2016
Foto Laura Burocco

Analisando o processo de gentrificação como um processo visual capaz de encher a paisagem de significados simbólicos, temos no caso carioca a praça Mauá, onde se encontram o MAR, com os seus muros transparentes que separam o museu da rua; e o Museu do Amanhã, com o seu candor. Estes dois empreendimentos culturais tornam clara a existência de um conflito de raças e classes em relação ao pertencimento do território do porto. Este espaço higienizado e pacificado tem um papel central na operação de venda de um ambiente de aparente efervescência cultural e modernidade, o Porto Maravilha (originalmente “Porto Mar e Villa”, contrastante com a paisagem originária, semiabandonada, ligada a economia portuária e a identidade negra que, junto com este tecido socioeconômico, vem se apagando na medida que as manifestações cultuais e religiosas que a região guarda consigo tornam-se atrativo turístico. A Prefeitura Olímpica, não satisfeita com a especulação imobiliária, direciona o próprio interesse mercadológico para a cultura e identidade negra: explica-se assim a criação do Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, cuja celebração vem se definindo em acordo com os  interesses econômicos da cidade. As razões que levam a duvidar sobre o genuíno interesse da Prefeitura em valorizar e prestigiar este importante componente da cultura e da identidade local podem ser vistos nas formas paternalísticas dela de tratar as instituições mais tradicionais da região. Aproveitando do estado de necessidade econômicas delas – e fazendo uso de relações de poder desequilibrado – se impõem práticas que satisfazem os interesses da prefeitura muito mais do que àqueles que vivem as  pequenas realidades originárias do local. O Instituto Pretos Novos e o Centro Cultural José Bonifácio, o Afoxé Filhos de Gandhi, a Casa da Tia Ciata podem ser trazidos como exemplo: eles recebem um apoio irrisório comparado com o investimento dado aos dois Museus. A Tia Ciata recebeu como própria sede os ex-banheiros públicos do Jardim Suspenso do Valongo: uma forma questionável de prestigiar uma das referências mais importantes da cultura afro da região. O Instituto Pretos Novos e o Centro Cultural José Bonifácio estão há anos prejudicados nas próprias atividades pelas forma bárbaras que as obras do VLT estão sendo conduzidas. O Centro Cultural, depois de ter sido reformado, encontra-se quase inoperante; o IPN recebe um repasse para realizar as próprias atividades que, quando atraem um publico maior, são hospedadas no MAR. Em vez que empoderar estes espaços através do reforço das atividades, as mesmas são levadas para o museu para legitimar a presença dessas novas instituições. Por último, precisa-se lembrar que o Museu de Arte do Rio e o Museu do Amanhã – ambos administrados pela Fundação Roberto Marinho com financiamento publico – começaram a ser construídos no mesmo período da redescoberta do Cais do Valongo e já estão em pleno funcionamento enquanto os milhares de objetos de matriz africana encontrados nas obras de escavação ainda não estão disponíveis ao público. Apesar do movimento negro há tempo indicar o galpão da Ação Cidadania como sede do Memorial da Diáspora Africana – o galpão foi construído por André Rebouças, engenheiro e negro, em 1871 – a prefeitura alega de não ter dinheiro. Porem não faltou dinheiro pela recuperação do Jardim Suspenso do Valongo. De fato, as únicas importantes intervenções da Prefeitura foram: as obras de recuperação do Cais do Valongo e do Cais da Imperatriz; e a reforma do Jardim Suspendo do Valongo. Os dois Cais  foram transformados num mirante turístico, com pequenas placas informativas que atribuem pouca ênfase ao fato que “ao se construir o Cais da Imperatriz sobre o Cais do Valongo, os escravos foram esquecidos e – mais que isso – foram deliberadamente apagados em um processo de superposição e de oposição fortemente simbólicos.” O Porto Maravilha do Eduardo Paes completa o que foi começado por Pereira Passos aplicando uma terceira camada de esquecimento em cima da historia da região.  O Jardim Suspendo do Valongo, por sua vez,  foi erroneamente incluído nas comemorações da herança africana. Inaugurado por Pereira Passos em 1906, no último ano de seu mandato, na parte mais baixa do morro da Conceição, a cerca de cem metros do antigo cais, o Jardim Suspenso do Valongo – assim como reportado pela historiadora Martha Abreu num artigo de Rogerio Daflon pela Publica: “foi algo feito sob inspiração europeia justamente para ajudar a ocultar a importância do Cais do Valongo. Isso deveria ser explicado ao visitante”. (2) Assim deveria ser explicado ao visitante o que o Porto Maravilha está ocultando. Para concluir, falando sobre ocultamento, vale a pena lembrar que as obras nestes dois sítios arqueológicos levantam perguntas que não encontram respostas. Aonde estão sendo guardados e em quais cuidados sem encontram os achados arqueológicos das escavações? Num artigo anteriormente citado, Mãe Celina de Xangô, presidente do Centro Cultural Pequena África, questiona: “A coleta desses artigos foi feita em 2011 e cinco anos depois ninguém sabe como e onde eles ficarão”. Segundo a opinião publica os achados estão guardados no Galpão da Gamboa, e menos informações ainda se tem sobre o acervo da biblioteca especializada em temáticas africanas e afro-brasileiras do Centro Cultural José Bonifácio. Segundo a assessorial de imprensa da prefeitura, os achados arqueológicos já foram todos catalogados e estão embalados em contêineres (sobre o acervo ninguém responde), todavia não existe nenhuma proposta de criação de um espaço que possa reunir estas peças e atribuir a elas a importância (e o respeito) que elas merecem.

notas

1
Circuito futurístico e especulativo do desrespeito da herança africana, do esquecimento urbano e do apodrecimento da sociedade <https://circuitofuturistico.tumblr.com>.

2
DAFLON, Rogério. O porto maravilha é negro. Publica, São Paulo, 19 jul. 2016 <http://apublica.org/2016/07/o-porto-maravilha-e-negro>.

sobre os autores

Laura Burocco formada em Direito pela Universidade de Milão, especialização em Políticas Internacionais pela Universidade de Roma, pós-graduação em Sociologia Urbana pela UERJ, Master em Planificação Urbana pela WITS University, Johannesburg. Desenvolve um projeto entre Sul África, Itália e Brasil chamado "Trilogia da Gentrificação." Doutoranda pela ECO/UFRJ. Área de pesquisa: desenvolvimento urbano, criatividade e vigilância, intervenções políticas em arte publica, estudos pós-coloniais.

Pedro Victor Brandão é autor e artista visual formado na Escola de Artes Visuais do Parque Lage e na Universidade Estácio de Sá. Desenvolve séries de trabalhos considerando diferentes paisagens políticas em pesquisas sobre economia, direito à cidade, cibernética social e a atual natureza manipulável da imagem técnica. Vive e trabalha no Rio de Janeiro.

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