Brasília–Lisboa–Macau, foi a rota percorrida na minha mais recente viagem à Ásia em abril de 2018. Lisboa está no meio deste percurso, mas é o início histórico dele quando se pensa no que liga as arquiteturas destas três cidades. De Lisboa partiram as caravelas que foram dar no Brasil e na Ásia, mais ou menos na mesma época. Os portugueses expandiram seus domínios e impuseram sua cultura tanto nos trópicos brasileiros quanto no sul da Ásia, onde aportaram no século 16 para fundar uma de suas colônias em Macau.
Brasília surgiu mais de 400 anos depois de Macau, quando JK decidiu concretizar o intento do Marquês de Pombal que, 200 anos antes, teve a ideia de implantar no centro do Brasil uma cidade, que seria a nova sede da corte portuguesa ou a Nova Lisboa, mas que acabou por se tornar a capital do Brasil, pais que se une à Macau pela língua portuguesa.
Mas o que ligaria Brasília, Lisboa e Macau em termos arquitetônicos? Se é possível estabelecer elos entre a arquitetura portuguesa no Brasil e em Macau, como eles também se estenderiam à arquitetura moderna da capital brasileira?
Os portugueses deixaram um vasto legado de sua arquitetura durante os quase 450 anos da ocupação de Macau, que por meio da Declaração Conjunta Luso-Chinesa voltou ao domínio chinês em 1999. As primeiras construções portuguesas em Macau foram empreendidas pela Companhia de Jesus na segunda metade do século 16, no mesmo período em que os missionários jesuítas também construíam suas igrejas e colégios no Brasil.
Por aí se estabelece uma primeira ligação entre obras como o Pátio do Colégio de São Paulo (1554), marco inicial da maior cidade brasileira e a Igreja e o Colégio Jesuíta de São Paulo (1565) em Macau, cuja fachada remanescente (ruínas de São Paulo) é um dos marcos mais importantes da presença ocidental cristã na Ásia e ponto turístico obrigatório na cidade.
A fachada das Ruínas de São Paulo é um dos exemplares mais importantes do estilo colonial maneirista na Ásia, junto com a Sé de Santa Catarina em Goa, na Índia. O maneirismo, uma transição do classicismo renascentista para o barroco, foi difundido pelos jesuítas nas suas construções religiosas nas colônias portuguesas.
No Brasil o estilo maneirista se inclinou mais para a sua vertente mais simples, o estilo Chã ou Chão, e era menos ornamentado do que em Portugal e na Ásia. Mesmo assim são claras as semelhanças entre o colonial português no Brasil e construções coloniais em Macau.
A arquitetura neoclássica, de origem portuguesa, também tem uma presença marcante em Macau. Há locais como o Largo do Senado, o Largo de Santo Agostinho e o Largo de Camões, que nos remetem à Lisboa ou ao Rio de Janeiro. Mas igualmente à Belém, São Luiz no Maranhão e a outras cidades brasileiras e portuguesas.
Há outros elementos que estabelecem esta inusitada ligação entre Brasil, Portugal e Macau: o calçamento em pedras portuguesas das calçadas e praças, o nome das ruas e dos “estabelecimentos de comidas” e até a voz feminina que anuncia em cantonês e português as “paragens” nos ônibus. Em Vila deTaipa, um dos bairros de Macau, passeia-se em ruas que parecem ser as das cidades históricas portuguesas ou de Minas Gerais e visita-se um museu instalado em casas coloniais portuguesas, as chamadas Casas de Taipa.
Por outro lado, as distâncias que separam Brasília, Lisboa e Macau estabeleceram diferenças culturais que igualmente se refletem nas dessemelhanças arquitetônicas. Macau é um pequeno território com somente 30 Km² e uma população de mais de 650 mil habitantes em 2017, o que resulta em uma densidade de 21.400 hab./km², uma das mais altas do mundo em áreas urbanas. Nela se misturam arquiteturas de vários estilos, que vão do colonial ao kitsch pós-moderno dos cassinos à Las Vegas.
Em 2018 será inaugurado o primeiro projeto de Zaha Hadid em Macau (Morpheus Hotel), um estágio mais sofisticado da arquitetura do espetáculo na cidade que turbina seu crescimento econômico com o faturamento dos jogos e do turismo associado a ele.
Flanando pelas ruas da Macau não encontrei na sua paisagem urbana e arquitetônica nada que lembrasse a Brasília modernista. Os poucos exemplares de arquitetura moderna em Macau estão distantes da elegância dos palácios de Niemeyer. Mas os elos que ligam a arquitetura colonial de Macau ao Brasil envolvem a arquitetura colonial religiosa das cidades mineiras.
E se é possível identificar influências da arquitetura portuguesa e das igrejas de Ouro Preto e Mariana nas linhas curvas, no campanário e nos azulejos da igrejinha da Pampulha, é possível ligar Niemeyer à origem comum das arquiteturas coloniais de Macau, Portugal e Brasil.
Niemeyer admite a inspiração da arquitetura clássica e das casas coloniais de engenho nos projetos dos palácios de Brasília. Portanto, de forma indireta, Lisboa está presente no colonial brasileiro, que está presente no modernismo de Brasília. E se Lisboa também está presente em Macau, pode se inferir que a base da arquitetura de Niemeyer em Brasília também tem laços indiretos com Macau.
Macau foi um importante porto e portos são lugares de intercâmbio e de contato entre povos e culturas. Em Macau se encontram e convivem o Oriente e o Ocidente. Se Lisboa está presente em Macau, por meio da arquitetura colonial, a arquitetura de Niemeyer em Brasília, quando se inspira no mesmo colonial que está em Lisboa e Macau, promove um encontro entre estas três cidades, que se reuniram no meu percurso de Brasília a Macau.
sobre o autor
Sérgio Jatobá é arquiteto e urbanista (UnB, 1981). Doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB/Universidad de Valladolid, 2006). Gerente de Estudos Urbanos da Codeplan/GDF. Pesquisador do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais – Neur e do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. Foi pesquisador bolsista do Ipea.