Na exposição “The Human Insect: Antenna Architectures 1887-2017”, o curador Mark Wigley explora 130 anos de antena e arquitetura. Wigley proferiu a palestra de abertura da exposição em março de 2018, onde expôs sua pesquisa de mais de quatro anos debruçado neste tema, envolvendo a fusão de tecnologia e o ser humano, focado na antena e arquitetura. Sua pesquisa “Architecture of Radio” de 2014 é parte do desenvolvimento.
A exposição “The Human Insect” é parte da Mostra “Dissidente Gardens” com cinco exposições (Biotipia, Pleasure Parks, Gardening Mars, Smart Farming e The Human Insect), palestras, debates e atividades que acontecem no Het Nieuwe Instituut, em Roterdã na Holanda, envolvendo diferentes modos, expressões e relações entre natureza, cultura, design e ser humano.
Mark Wigley relaciona o inseto com a arquitetura desenvolvida após o advento do radio no final do século 19, e afirma ter se tornado inseto também devido à antena, que a partir de então passa a ser parte integrante da arquitetura. Para o pesquisador, a antena redefiniu e redesenhou a arquitetura, conceitual e formalmente.
A ideia que envolve a antena é a comunicação, controle, informação, trocas, conexão, tudo numa dimensão invisível e incomensurável, promovida pelos sinais da antena propagados pelo ar, na imensidão do céu.
Na mostra, que ocupa todo o pavimento superior do edifício que abriga o Het Nieuwe Instituut, é possível apreciar fotografias e desenhos originais da Collection State Archive for Dutch Architecture and Urban Planning, como o desenho de J. Bakema, Design for the 'Euromast', Rotterdam, 1957. (Collection Het Nieuwe Instituut), uma torre de observação com 125 metros de altura, que não foi construída.
Wigley levanta questionamentos sobre o modo tradicional de encarar a arquitetura. Para o pesquisador, a arquitetura lida com limites do espaço de dentro e de fora. No seu entendimento, o arquiteto deve gerenciar a organização destes espaços. Além disso, na sua visão, arquitetura está assentada sobre um solo. Expressa, ou deveria expressar, certa solidez, algo estável e seguro. Ao pensar em um espaço invisível, intangível, flutuante, sem forma, sem limites nem dimensão, o espaço onde os insetos podem percorrer, assim como onde os sinais de radio de uma antena podem atuar.
Na visão criativa de Wigley os insetos são desobedientes arquitetônicos, pois entram nos ambientes sem serem convidados, não exatamente pela porta de entrada, mas por aberturas como janelas, frestas e vãos. Seu segredo? Um par de antenas.
Arquitetura expressa ideias. Quais ideias esta arquitetura expressa?
A exposição levanta questões e incita reflexões sobre a relação entre seres humanos, espaço e arquitetura, especialmente em se tratando de espaços invisíveis, sem limites, que permitem e promovem o funcionamento e as relações de comunicação entre a sociedade como um todo. Como os edifícios, a cidade e a sociedade se conformam diante das novas tecnologias após o advento do radio? Como a tecnologia promove mudanças conceituais e formais? Wigley estabelece a relação metafórica instigante entre insetos e arquitetura. Enquanto os Insetos possuem antenas, que lhes permitem vivenciar o mundo ao seu redor, as antenas instaladas em edifícios permitem que as pessoas se comuniquem, e, assim, se tornam “insetos”.
A exposição denominada “The Human Insect: Antenna Architectures 1887-2017” foi organizada em três salas principais. A primeira sala é dedicada à arquitetura de Frank Lloyd Wright, com especial destaque para projetos de edifícios ou espaços da cidade com antena.
A exposição apresenta muitos desenhos, fotografias e uma maquete. Após a primeira sala, onde estão expostos os desenhos referentes à arquitetura de Wright, a exposição segue num ambiente azul, com uma linha do tempo que apresenta construções com antena desde 1887 até 2017. Nesta linha do tempo, com relação a seleção dos projetos apontados, Wigley afirma que “a ênfase principal é naqueles casos em que os arquitetos não tiveram uma antena solicitada, mas ofereceram uma. Em outras palavras, os casos em que arquitetos não poderiam imaginar nenhuma antena” (1). A sala seguinte é toda vermelha, e direciona olhares para as contribuições russas no que diz respeito à tecnologia de antenas após a Revolução, como a Torre de Rádio Shukhov (1919) e o Monumento à Terceira Internacional (1919-20).
Wigley observa que o arquiteto que melhor desenvolveu a arquitetura com antenas, foi Frank Lloyd Wright. Ele observa que após a instalação de uma potente antena de rádio na sua casa, em 1921, o arquiteto passou a desenhar antenas em cada um de seus projetos. Na primeira sala da exposição foram dispostos 36 desenhos de antenas de diversos projetos de Wright, com diferentes formatos e dimensões. Wigley afirma “Ele é notoriamente o arquiteto do solo, da horizontalidade, da pedra e da madeira. Mas, ele era realmente o arquiteto da radiação eletromagnética” (2).
A galeria inicial da exposição tem início com a reprodução de desenhos históricos de projetos de cidades como a Broadacre City, a cidade orgânica proposta por Wright. The Living City, de Frank Lloyd Wright, revela a cidade ideal planejada, onde a paisagem é organizada e desenhada com diversos edifícios projetados por Wright ao longo de sua carreira, além de automóveis, estradas, viadutos, praças, parques, aeronaves e embarcações. Todos os edifícios têm uma antena, e, como observado por Wigley, aparecem maiores do que no desenho original de cada edifício isoladamente. As antenas são inúmeras, também estão presentes nos espaços da cidade, nos espaços de agricultura orgânica, permitidas pela organização e circulação de informações promovidas pelas antenas.
A mostra segue com o desenho da Universidade para Bagdá (1957), o desenho do edifício Marin Conty Government Center, na California (1957), configurado pelo edifício horizontal e o marco vertical com uma antena detalhadamente desenhada.
Seguindo o percurso da arquitetura de Wright na exposição, podemos apreciar os desenhos desenvolvidos para o Mile-High Skyscraper (Chicago, Illinois, 1956). O edifício mais alto projetado por Wright, mas nunca construído. O projeto teve início com o plano de uma antena de TV capaz de abranger o mundo todo. Posteriormente o plano se tornou um arranha-céu, de uma milha de altura, com 528 pavimentos. Wright realizou diversos estudos de como desenhar o topo da antena, esbelto e quase desaparecendo no céu, com seu desenvolvimento até sua base, mais encorpada. O edifício deveria ser constituído de materiais como metal e alumínio, que refletem o céu e praticamente tornando o edifício mesclado ao céu, visualmente.
Nos desenhos do projeto Point Park Civic Center (1947) a antena não é simplesmente adicionada ao edifício, mas atua como um elemento estrutural central de todo um desenvolvimento urbano com duas vastas pontes suspensas por cabos. A antena de 1000 pés de altura é um elemento denso e com desenho elaborado, que pode levar a confusão entre o desenho da estrutura e ornamento. À noite a antena irradia luz, e cria um espetáculo que faz a arquitetura ser um ponto focal de irradiação e atenção, ao invés de ser apenas algo assentado sobre o solo.
Os desenhos do Museu Guggenheim de Nova York e suas inúmeras antenas desenhadas em formatos, dimensões e posições diferentes. Wigley destaca o projeto do The Gordon Strong Automobile Objective da década de 1920 como um projeto importante e inicial das ideias contidas no Museu Guggenheim. A lógica da espiral que culmina numa antena. Desenhada, elaborada e cuidadosamente planejada na composição com o edifício. Mark Wigley verifica que nos desenhos do Museu Guggenheim, assim como em outros projetos de Wright, é possível observar que a antena comparece muito maior nos primeiros estudos e vai diminuindo ao longo do desenvolvimento do projeto, até em alguns casos, desaparecer do desenho. Porém, ele observa que seus traços estão mantidos nos desenhos e no edifício, e é possível verificar a possível antena como um fantasma, mesmo no desenho onde ela foi eliminada. Wigley indaga o motivo deste processo e hipoteticamente imagina que os clientes pediam para eliminar ou diminuir a antena por questões de custo.
Mark Wigley também selecionou desenhos de antenas que ele denomina de teatral. Uma casa com a horizontalidade acentuada em relação ao solo, numa localização isolada. Ele observa que Wright, sistematicamente, explora desenhos geométricos da antena, tratando-a como um projeto de arquitetura. No projeto da Robert Herberger House (Scheme 2, de 1955) nota-se uma grande antena com pequenas anteninhas no topo.
No Gate Lodge para Edgar J. Kauffmann House (1956), o mesmo cliente da Fallingwater House, para um conjunto de Usonian Automatic Houses, cada uma com sua antena cuidadosamente desenhada. Neste projeto o cliente solicitou uma antena mais alta, com 50 pés, e, assim, Wright desenvolveu com muito mais cuidado os desenhos das antenas das casas, mais uma vez dando especial atenção aos desenhos elaborados das antenas, como composição arquitetônica, que vai da solidez da base até a leveza do topo.
Nos desenhos do Arizona State Capitol (1957) Mark Wigley chama a atenção que duas antenas haviam sido desenhadas nos primeiros estudos e apenas uma permaneceu no projeto final. Assim, de modo curioso, o pesquisador conclui que o fantasma das duas antenas abandonadas ficou em todos os desenhos finais.
Os desenhos apresentados na exposição oferecem um vasto material de projetos onde Wright explorou o desenho da antena, como parte importante da composição, conceitual, espacial e formalmente. As antenas apresentam um desenho elaborado, com diversos exemplos, escalas, dimensões, proporções, em diferentes tipos de edifícios como casas, museus, universidades, edifícios públicos, torres, passarelas, além de veículos.
A mostra nos faz refletir sobre a questão conceitual que há por trás destes desenhos e projetos elaborados por Wright. A antena como um elemento arquitetônico do mundo moderno, que expressa a ideia de expandir e se comunicar pelos ares, sem limites.
Wigley observa que nos desenhos de Wright é possível verificar que a antena ultrapassa o desenho do céu e , para Wigley, o edifício está sendo “carregado” pela antena, e não o contrário, e a partir daí é que o solo se concretiza, com toda a energia e informação trazida pela antena. Na visão de Wigley, Wright, que é conhecido como o arquiteto da paisagem horizontal, do solo, dos materiais naturais, na verdade é o arquiteto que está conectado com o ar, o céu, pela antena, e do céu, seu edifício flutua e constrói seu solo rico e fértil. Wright desenha o céu, o cósmico, o imaterial, o invisível, que não parece ser o limite para expressar suas ideias que são propagadas pela antena. Sem antena nada faz mais sentido.
Se quiser estar conectado e informado, além de fazer parte de uma comunidade e de uma sociedade, deve haver uma antena. De preferência com um desenho cuidadosamente elaborado.
Observar estes desenhos, organizados e selecionados com esta abordagem, nos faz refletir sobre as relações entre homem, cultura, arquitetura e tecnologia no mundo moderno e na contemporaneidade.
A exposição, com curadoria de Mark Wigley, e projeto do espaço, de Andrés Jaque, acontece de março até setembro de 2018. Ainda não há catálogo ou livro sobre a exposição, pois a pesquisa está em andamento.
notas
1
Original em inglês: “the main emphasis is on those cases where architects were not asked for an antenna, but offered one. In other words, the cases in which architects couldn’t imagine no antenna”.
2
Original em inglês: “He is famously the architect of the ground, of the horizontal, of stone and wood. But he was really the architect of electromagnetic radiation”.
sobre os autores
Ana Tagliari é arquiteta (FAU Mackenzie), docente e pesquisadora da Unicamp.
Wilson Florio é arquiteto (FAU Mackenzie), docente e pesquisador Unicamp e Mackenzie.