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architectourism ISSN 1982-9930

Dom Viçoso, Serra da Mantiqueira MG. Foto Abilio Guerra

abstracts

português
Recentemente aprovado pela Unesco, o projeto Sítios dos cristãos ocultos de Nagasaki foi declarado patrimônio mundial devido a seu sincretismo religioso e persistência durante os duzentos anos de perseguição do regime Tokugawa.

english
Recently approved by UNESCO, the Nagasaki Hidden Christian Sites project was declared a World Heritage Site due to its religious syncretism and persistence during the two hundred years of Tokugawa persecution.

español
Recientemente aprobado por la UNESCO, el proyecto de Sitios cristianos ocultos de Nagasaki fue declarado Patrimonio de la Humanidad debido a su sincretismo religioso y persistencia durante los doscientos años de persecución de Tokugawa.


how to quote

ROCHA, Joanes da Silva. Em busca dos cristãos ocultos. Uma visita a Nagasaki, Japão. Arquiteturismo, São Paulo, ano 13, n. 149.03, Vitruvius, ago. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/13.149/7455>.


Localizada na parte sul do Japão, na ilha de Kyūshū, Nagasaki foi concedida sob tutela da Companhia de Jesus pelo daimyō Ōmura Sumitada em 1571 e permaneceu como principal porto comercial entre Japão e Macau até 1614, quando o shōgun Tokugawa Ieyasu decretou a expulsão dos missionários em prol da unificação nacional. A partir dessa data, o regime Tokugawa intensificou a perseguição aos cristãos japoneses, que foram forçados a praticar o cristianismo em segredo. Contudo, em 14 de maio de 2018, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – Unesco aprovou o projeto Sítios dos cristãos ocultos de Nagasaki como patrimônio mundial devido a seu sincretismo religioso e persistência durante duzentos anos de perseguição.

Após ler muito e preparar as fichas de pesquisa em japonês para as entrevistas – o que não se aprende em livros didáticos –, finalmente chegou a hora de ir a Nagasaki em busca dos kakure kirishitan (隠れキリシタン), ou, os cristãos ocultos. Para meu deleite, logo na saída da estação da Japanese Railway deparei com um quiosque de informações com mapas e mais alguns textos explicativos sobre a história e inscrição como patrimônio em si.

Estação de Nagasaki da Japanese Railway Kyūshū – JR-Kyūshū
Foto Joanes Rocha

Diferente de outras cidades japonesas com metrô subterrâneo, Nagasaki é servida por trem de superfície. Mais um dos encantos da cidade apelidada “Little Roma”, ou “Pequena Roma”, por conta da grande quantidade de igrejas. Nagasaki se transformou completamente após a Restauração Meiji, em 1868, tornando-se referência em desenvolvimento industrial e tecnológico, assim como o restante do país. Contudo, nela há outro acontecimento marcante. Da mesma forma como a Roma antiga se reconstruiu sobre espaço abertos pelo incêndio na época de Nero, Nagasaki também se reinventou sobre os destroços da bomba atômica de 9 de agosto de 1945.

Estação do trem de superfície em Nagasaki, Japão
Foto Joanes Rocha

Um dos vários canais da cidade de Nagasaki, Japão
Foto Joanes Rocha

É bem verdade que o hostel que reservei era próximo ao bairro chinês Shinchi e um dos estabelecimentos mais baratos da cidade – quem é ou já foi bolsista vai entender o que estou dizendo. Entretanto, dinheiro não foi a única razão. Também escolhi esse local por conta da comida. Particularmente, acho que as ditas Chinatowns são opções razoáveis para encontrar comida de rua rápida e barata. Foi aí que eu decidir tomar o meu café da manhã, ou melhor, meu kakuni manjū da manhã.

De origem chinesa, língua em que recebe o nome de kong bak pau, o kakuni manjū (角煮まんじゅう) não é mais que um pedaço de carne cozida ao molho, chamado kakuni, envolto por pão de massa leve, mas de consistência esponjosa que lembra um marshmallow, chamado manjū. Talvez seja na simplicidade da receita que mora seu sabor!

Kakuni manjū no bairro chinês de Shinchi em Nagasaki, Japão
Foto Joanes Rocha

Depois de deixar minha mala na recepção do hostel – já que o horário ainda não permitia subir para o quarto dividido com outras sete pessoas –, dirigi-me para o primeiro ponto de visita: a Catedral Ōura, ou, na língua nativa, Ōura Tenshudō (大浦天主堂). O espaço é aberto para visitações das 8 às 18 horas ao valor de mil ienes para adultos, aproximadamente trinta e três reais, e com desconto para crianças e grupos. Todavia, o ingresso dá direito ao jardim frontal, à catedral e ao Ōura Church Christian Museum, com última entrada às 17h30.

Catedral Ōura, Nagasaki, Japão
Foto Joanes Rocha

Construída em 1854 pela Société des Missions Étrangères de Paris, a Catedral Ōura foi a primeira igreja católica em solo japonês depois dois séculos de reclusão durante o sakoku, literalmente “país acorrentado”. A priori, a catedral foi construída somente para estrangeiros, já que os japoneses só conseguiram a liberdade de expressão religiosa em 1873. No entanto, logo após a cerimônia de dedicação, em 17 de março de 1865, um grupo de japoneses da vila de Urakami aproximou-se do Padre Petitjean e disse: “Nós temos o mesmo sentimento em nossos corações que vocês. Onde está estátua de Maria?”.

O evento ficou conhecido como Shinto Hakken (信徒発見), ou “a descoberta dos cristãos escondidos”, e foi retratado no alto-relevo abaixo, no qual Padre Petitjean está rodeado por cinco japoneses em quimonos tradicionais da época.

Jardim frontal e alto-relevo representando Shinto Hakken, Nagasaki, Japão
Foto Joanes Rocha

No ponto mais alto da escadaria, depara-se com a estátua de Nossa Senhora. Porém, essa não é a estátua procurada pelos cristãos de Urakami, tampouco a estátua original do século 19, mas, sim, uma versão do fim do século 20 colocada para substituir a estátua anterior, que foi destruída pela bomba atômica. Na base dela lemos a data e uma mensagem comemorativa sobre a descoberta.

Estátua de Nossa Senhora, Nagasaki, Japão
Foto Joanes Rocha

Após a reabertura política e religiosa do Japão, os cristãos ocultos que retornaram para debaixo das asas do Vaticano começaram a reconstruir suas próprias igrejas a partir do século 19 sob tutela dos padres europeus no estilo neogótico da época. Com abóbodas centrais, arcos ogivais e pseudoclerestórios, as igrejas também foram adaptadas à topografia, material e clima locais. (Infelizmente, não é permitido fotografar dentro da nave central, por isso apresento a imagem disponibilizada pelo site oficial da catedral).

Interior da Catedral Ōura, Nagasaki, Japão
Foto divulgação [Website Nagasaki Ōura Tenshudō]

 

Com mais de dois séculos de isolamento, é natural que o cristianismo vivenciado pelos “cristãos ocultos” adquirisse caracterizas próprias a partir do sincretismo com o budismo e o xintoísmo locais. Por isso, com o intuito de instruir aqueles que desejavam retornar ao seio da Igreja Católica, Padre Marc Marie de Rotz ordenou a construção do colégio no fundo da catedral para catequese e ensino do latim, o idioma das missas. Hoje, o edifício funciona como Ōura Church Christian Museum (大浦天主堂キリシタン博物館), com exposição permanente e loja especializada na história do cristianismo no Japão, cartões-postais e artefatos religiosos.

Antigo colégio e atual Ōura Church Christian Museum, Nagasaki, Japão
Foto Joanes Rocha

Em um cinema improvisado numa das salas do antigo colégio é possível assistir a um filme de aproximadamente oito minutos que relata a história de Jesus por meio de clássicos da arte europeia. Todavia, o que mais me chamou a atenção foram as imagens e as músicas selecionadas para cada momento.

Para retratar a eucaristia, utilizaram a obra A última ceia, de Leonardo da Vinci, ao som suave de violões dedilhados e narração serena. Já para o momento em que Pilatos lava suas mãos, optaram pela obra Cristo perante Pilatos, de Tintoretto. Se já não bastasse o uso acentuado das técnicas de perspectiva e chiaroscuro que lhe renderam o apelido de Il Furioso, somos igualmente levados ao clímax do julgamento de Jesus pela narração melancólica ao som de violinos agudos.

Dessa forma, ao aliar as pinturas medievais, renascentistas, maneiristas e do Barroco aos conceitos de uma instalação de arte contemporânea que explora mais que um dos sentidos, os idealizadores buscam não apenas apresentar a história de Jesus segundo o cristianismo, mas, também, a catarse grega em si nas cenas de julgamento, crucificação e ressurreição.

Pequeno cinema contando a história de Jesus segundo o cristianismo, Nagasaki, Japão
Foto Joanes Rocha

Logo depois de visitar a loja do museu – e deixar ali parte considerável do meu dinheiro –, dirigi-me para o templo confucionista de Nagasaki conhecido por Kōshi-byō (長崎孔子廟), que fica a pouco mais de quinze minutos de distância a pé. Construído pela própria dinastia Qing como centro de promoção da cultura chinesa no Japão em 1893, o espaço também é formado pelo Historical Museum of China, com um acervo de artefatos importados da própria China.

Kōshi-byō é considerado o templo mais fidedigno ao estilo confucionista dentro do arquipélago japonês. E devo confessar que a fama precede. Durante os três anos em que morei na Ásia, já estive em templos confucionistas em Shanghai e Guangzhou, na China continental, em Hong Kong, em Singapura e também em Taipei e Tainan, em Taiwan – chamada de Ilha Formosa pelos portugueses na época dos descobrimentos, e creio que o templo japonês representa muito bem o estilo arquitetônico a que se propõe. Vale a pena visitá-lo!

Templo confucionista de Nagasaki, Japão
Foto Joanes Rocha

Na época da construção, a Catedral Ōura recebeu o nome de Basílica dos Vinte e Seis Santos Mártires do Japão em homenagem aos cristãos crucificados em Nagasaki em 5 de fevereiro de 1597 a mando de Toyotomi Hideyoshi. Por isso, logo em seguida, fui conferir os artefatos expostos no Twenty-Six Martyrs Museum and Monument (日本二十六聖人記念館). Não obstante, o museu também oferece uma variedade de obras e objetos relacionados à perseguição dos cristãos ocultos durante o xogunato Tokugawa: segundo a historiografia japonesa, entre 1617 e 1644, setenta e cinco missionários foram executados publicamente e mais de mil foram mortos. Na época, as duas principais estratégias do xogunato foram o fumi-e e o gonin gumi.

A cerimônia fumi-e (踏み絵), que pode ser traduzida por “pisar (fumi) na imagem (e)”, foi um evento desenvolvido para expor os cristãos escondidos e forçar a apostasia. Basicamente, uma pessoa acusada de ser cristã era compelida a pisar uma imagem de Cristo ou da Virgem Maria, na suposição de que ela – ou pelo menos os católicos – não se submeteriam a tal sacrilégio. Na foto a seguir, vemos a reprodução moderna do artefato em questão que, segundo informações do próprio museu, foi a peça utilizada no cenário no filme Silence, dirigido por Martin Scorsese e baseado no best-seller homônimo publicado por Shūsaku Endō em 1966.

Peça utilizada no fumi-e. Acervo 26 Martyrs Museum, Nagasaki, Japão
Foto Joanes Rocha

 

Enquanto o fumi-e servia para desvendar os cristãos, o gonin gumi (五人組) era a maneira pela qual a comunidade cristã foi vigiada e persuadida a se converter ao budismo. Assim, para manter sua crença viva – e a própria vida –, os cristãos ocultos se comportavam como seguidores do budismo e/ou xintoísmo em público e dentro de suas casas veneravam imagens do cristianismo, como a pequena estátua de Nossa Senhora e do Menino Jesus a seguir. Vestidos em quimonos, com olhos alongados e maquiagem segundo a tradição artística nipônica, a obra é um ótimo exemplo do sincretismo cultural e religioso que ocorre dentro dos estudos antropológicos.

Nossa Senhora e o Menino Jesus: artefato dos cristãos ocultos. Acervo 26 Martyrs Museum, Nagasaki, Japão
Foto Joanes Rocha

Ao término de um longo dia que incluiu viagem de Kyōto até Nagasaki. Visita de campo a templos e museus. Compra de livros. Eu merecia um descanso? Sim! E nada melhor do que jantar em um dos pubs japoneses ao estilo izakaya ou yakitoriya.

Noite de Nagasaki no bairro Shianbashi, Nagasaki, Japão
Foto Joanes Rocha

Apesar de minha estada em Nagasaki ter durado mais de uma semana, os próximos dias foram divididos entre pesquisa no acervo do Nagasaki Museum of History and Culture (長崎歴史文化博物館) e reuniões na Universidade de Nagasaki, de forma que, ao término, consegui coletar as informações necessárias para a segunda etapa da pesquisa de campo: visitar as ilhas próximas para onde a maioria dos cristãos ocultos fugiu em 1797 e seus descendentes ainda chamam de lar. No entanto, isso é tema para outra crônica de viagem: o encontro com cristãos ocultos. Já não tão ocultos assim, é claro!

Então, até logo! Ou, em japonês, ittekimasu...

Imagem da baía de Nagasaki, Japão
Foto Joanes Rocha

notas

NA – Apesar de escrita na forma de uma crônica de viagem que engloba pesquisa e um lado lúdico, a visita de campo também resultou no seguinte artigo acadêmico publicado: Rocha, Joanes da Silva. The triumph of perseverance: ‘Kakure Kirishitan’ in Japan and its inscription on the World Heritage List. Historical Yearbook, Issue 15. Constanța, Ovidius University Press, 2018, p. 161-173.

sobre o autor

Joanes da Silva Rocha é historiador arquitetônico com ênfase na presença lusitana no leste asiático. Bacharel em História pela Universidade de Brasília – UnB, graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade do Planalto Catarinense – Uniplac, mestre em Teoria e História da Arquitetura também pela Universidade de Brasília – PPG-FAU-UnB e ex-intercambista em Kyōto, Japão. É professor universitário e membro do Núcleo de Estudos Asiáticos da Universidade de Brasília – Neasia-UnB.

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