Meu querido e saudoso amigo Luiz Cláudio Marigo adorava o uso equivocado das palavras. Fazia até coleção. Ele se encantava com pessoas que, embora sem cultura e conhecimento, sustentavam a prosápia – gostaram dessa? – de aparentar uma intelectualidade que não tinham.
Algumas histórias ele repetia sem cansar, sempre concluindo numa sonora gargalhada. Citando exemplos, uma empregada que trabalhava em sua casa era grande fornecedora para a tal coleção. Certa vez, descrevendo à esposa de LC uma situação tensa, disse:
– Dona Cecília, aquilo foi me dando um sistema nervoso!
Em outra ocasião, relatando um rebuliço no subúrbio onde morava, esclareceu que “o ladrão se refugiou num terreno vadio”!
Ainda entre os acontecidos com Cecília, ela entra numa loja para saber o preço de uma lavadora. O vendedor, todo empertigado, informa:
– Esta máquina está numa faixa etária de novecentos reais.
A mãe de um amigo perguntou a uma candidata ao serviço:
– Você tem referências?
– Sim, eu já trabalhei na casa do Chico Anísio Show.
Conheci uma senhora de alto trato que, elogiando Angra dos Reis, me disse:
– Aquela região é parasítica!
Um aluno, que atirou no que viu e acertou no que não viu, escreveu em sua redação:
– Com a chegada dos portugueses, os índios foram se cifilizando!
E, por falar em portugueses, como sua lógica é bem diferente da nossa, algumas interpretações podem se tornar bem difíceis. Para eles, muitas palavras são inflexíveis! Quase sempre usam o discurso direto. Uma amiga fotografou, pichado num muro em Lisboa: “As putas ao poder, que os filhos já lá estão!”
A impressão que dá é que na língua falada, não há metáforas, não há referência simbólica, o significado restrito é o que vale. Vejam o seguinte diálogo:
Pergunta um brasileiro: – Este restaurante fecha nos domingos?
– Não, não fecha!
– Então podemos vir almoçar aqui?
– Não, vai estar fechado.
– Mas você disse que não fecha!?
– Não fecha porque não abre! Fecha no sábado e só abre na segunda-feira!
Ou então:
– Esta estrada vai para Lisboa?
– Não sei!
Pensa um pouco e completa: – Se for, vai fazer muita falta por aqui!
Talvez nós, brasileiros, precisemos fazer um curso de português de Portugal, para podermos nos comunicar por lá. Mais uma:
– Por favor, quanto custa aquela máquina de cortar batatas fritas?
– Senhora, aquela máquina é de cortar batatas cruas! De cortar fritas mesmo não temos!
E, para fechar, uma dos tempos da Varig:
– Por favor, o Sr. pode me informar onde é o ponto do ônibus para a estação do trem?
– Aqui não chamamos ônibus. É auto-carro.
– OK. O Sr. pode me informar onde fica o ponto do auto-carro para a estação do trem?
– Aqui não chamamos trem. Chamamos comboio.
– Certo! Então, onde fica o ponto do auto-carro para a estação do comboio?
– Não chamamos estação. Chamamos gare.
O brasileiro, já irritadão:
– Tá legal! Como é que vocês chamam “filho da puta” por aqui?
– Não chamamos. Eles vêm espontaneamente, pela Varig!
sobre o autor
José Tabacow é arquiteto (UFRJ, 1968), especialista em ecologia e recursos naturais (UFES, 1991) e doutor em geografia (UFRJ, 2002). Professor de paisagismo em diversas instituições, foi sócio do escritório Burle Marx Cia Ltda (1967-1982). É autor dos livros Arte e paisagem (Nobel, 1987), Árvores (AC&M, 1989) e Rio natureza (Rio Arte/ PMRJ, 1981). Em 2017 recebeu a medalha Mário de Andrade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan.