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BRANDÃO, Zeca. Tate Modern: fábrica de cultura. Arquitextos, São Paulo, ano 01, n. 007.05, Vitruvius, dez. 2000 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.007/945>.

Estimulados pela entrada do novo milênio e pelos recursos destinados ao desenvolvimento urbano provenientes da Loteria Nacional, mais de duzentos "millennium projects" estão sendo implantados em toda a Inglaterra. Entre eles a nova Tate Gallery, conhecida pelos ingleses como Tate Modern, se destaca pelo sucesso não apenas da crítica arquitetônica, mas sobretudo de público. Superando as projeções iniciais de dois milhões de visitantes para o primeiro ano em apenas quatro meses após a sua inauguração, ocorrida no final de abril do ano 2000, a Tate Modern tem sido uma das principais responsáveis pelo otimismo que toma conta da vida cultural londrina.

O projeto, fruto de um concurso internacional realizado em 1995, teve como vencedor o até então desconhecido escritório suíço "Herzog & deMeuron". Ao conquistar o primeiro prêmio, derrotando estrelas como Renzo Piano, Rafael Moneo, Rem Koolhaas, Tadao Ando, entre outros, Jacques Herzog e Pierre de Meuron se estabeleceram definitivamente no cenário internacional. Ambos nascidos em 1950 e amigos desde os tempos de infância, formalizaram a parceria profissional em 1975, logo após concluírem os estudos em Zurich. De uma qualificada, porém modesta, prática projetual, com apenas algumas obras de repercussão local, Herzog e Meuron passaram a dirigir escritórios na Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos e hoje se encontram envolvidos em grandes projetos em várias cidades do mundo.

A área objeto de intervenção escolhida para o concurso foi a Bankside Power Station, um enorme galpão industrial composto por uma massa em tijolos aparentes, com estrutura em aço e uma única torre-chaminé no centro da edificação marcando o seu eixo de simetria. Projetada pelo arquiteto Sir Giles Gilbert Scott, também autor da Catedral Anglicana de Liverpool e das tradicionais cabines telefônicas vermelhas espalhadas por toda Grã-Bretanha, a Bankside Power Station apesar de ter sido concluída em 1963, apresenta uma imagem mais próxima da arquitetura industrial Vitoriana do que do funcionalismo dos anos 60. A sua monumentalidade e implantação à margem do Tâmisa propondo um diálogo com a St Pauls Catedral, obra prima do arquiteto inglês Sir Christopher Wren localizada no lado oposto do rio, lhe conferiu o status de marco urbano. Apesar da possibilidade de demolição da Power Station não ter sido descartada pelo regulamento do concurso, a sua qualidade arquitetônica e potencialidade para abrigar um museu de arte contemporânea sugeria a sua permanência.

O arquiteto Jacques Herzog afirma que o máximo aproveitamento da Power Station esteve presente desde os primeiros esboços da proposta e a sua demolição nem se quer foi considerada pela equipe. Para ele a edificação existente era como uma paisagem construída onde o projeto seria inserido, acrescentando metaforicamente que não faria sentido retirar uma montanha para construir numa planície. Enquanto algumas propostas apresentaram fortes alterações volumétricas, como a do arquiteto David Chipperfield que mutilava a Power Station retirando a sua torre-chaminé, Herzog & deMeuron adotaram como estratégia a intervenção minimalista.

Externamente a proposta se resume à três intervenções: a primeira, se refere ao acesso em forma de rampa levando o público para o primeiro piso do museu, que por ficar abaixo no nível do terreno, interfere muito pouco na fachada original; a segunda, a discreta inserção de um pequeno café na esquina noroeste do edifício integrando ao nível do térreo as duas fachadas mais importantes do museu; e por último, o coroamento luminoso composto por uma estrutura em dois pavimentos, toda em vidro, que percorre longitudinalmente a edificação. Durante o dia os sinais de alterações são praticamente inexistentes, porém à noite o coroamento fica iluminado destacando o museu na paisagem e ampliando consideravelmente a sua visibilidade. Além de inserir a Tate Modern na paisagem noturna de Londres, esta barra luminosa enfatiza a linha horizontal de sua composição volumétrica, gerando um contraponto interessante com a forte presença do elemento vertical definido pela torre-chaminé.

No que diz respeito à proposta espacial, os arquitetos optaram pela manutenção dos três macro-espaços já dominantes no projeto original da Power Station. O primeiro consiste num grande vazio central compreendido pela máxima extensão e pé direito do galpão, onde antes funcionavam as gigantescas turbinas da usina. Hoje este espaço, conhecido como Turbine Hall, formaliza uma praça coberta que atua como ponto de referência ao público durante toda a visitação. O segundo macro-espaço se encontra ao norte da praça e tem como principal elemento o bloco das galerias. Composto por três pavimentos, este bloco abriga salas para exposição de dimensões variadas que são intercaladas por áreas de descanso estrategicamente situadas com vistas para o exterior ou para a praça interna. Acima desta área de exposição foram projetados mais dois pavimentos que definem o coroamento luminoso e abrigam as salas dos sócios, o café e o restaurante. No térreo, nível do terreno, foram localizados a administração e o auditório, enquanto no subsolo, que possui a mesma cota de piso da praça coberta, se encontram as lojas, um centro de artes e os serviços gerais do museu. Finalmente, ao sul da Turbine Hall, definindo o terceiro macro-espaço, se encontra ainda em uso uma subestação da usina que futuramente será transformada em área de exposição de caráter mais informal.

Não é nova a idéia de redesenhar uma estrutura arquitetônica já existente, através da inserção de um novo projeto. Entretanto, a estratégia adotada pela maioria dos arquitetos ao lidar com esta situação é a de enfatizar o contraste dos velhos materiais preservados, que sugerem amadurecimento e história, com os novos materiais propostos indicando a contemporaneidade da intervenção. Herzog & deMeuron adotaram uma estratégia inversa, desafiando o público a discernir onde termina a arquitetura antiga e onde começa a nova. Assim, com extremo cuidado no uso dos novos materiais no que diz respeito ao tratamento e textura, fica quase impossível saber o que já pertencia a arquitetura original e o que está sendo proposto na intervenção. A grande exceção talvez seja justamente as caixas luminosas de vidro que personalizam esteticamente o projeto e lhe conferem unidade. Esse elemento, utilizado no coroamento luminoso da edificação e da torre-chaminé, é também proposto como emolduramento das salas de descanso voltadas para a praça interna. Lembrando elegantes vitrines de exposição, estas caixas de vidro parecem sugerir simbolicamente que o próprio público seja apreciado enquanto obra, além de atribuir ao bloco das galerias o status de fachada principal.

A conhecida e eficaz técnica de induzir o fluxo de público ao mergulho no sub-solo insinuando a entrada num lugar apertado e sombrio para em seguida surpreendê-lo com um espaço monumental e bem iluminado foi utilizada com competência por Herzog & deMeuron. Uma sensação de alívio e liberdade é experimentada por quem, após descer a rampa de acesso, entra neste espaço composto por uma estrutura metálica ritmada, iluminado por uma clarabóia que acompanha todo seu comprimento e ainda mais valorizado pela fachada interna do bloco das galerias com suas caixas de vidro sacadas. Este ambiente híbrido situado em algum lugar entre o interior e o exterior, faz lembrar a sobreposição de dois espaços tão bem projetados pelos ingleses ao longo da sua história: as catedrais e as estações de trem.

O que incomoda neste projeto é o conflito de hierarquias existente na relação acesso-fachada. Duas opções de entrada são oferecidas ao público: a primeira, na fachada norte, que voltada para o rio se apresenta como a principal fachada do museu, e uma outra localizada na fachada oeste, na lateral da edificação. Através de uma rápida leitura da composição arquitetônica, é possivel identificar a primeira entrada como a principal. No entanto, através deste acesso, o visitante defronta-se com um hall sub-dimensionado e extremamente confuso, apresentando uma série de obstáculos visuais e físicos que tumultuam o fluxo e comprometem o seu funcionamento. Por outro lado, no que supostamente seria a entrada secundária por se localizar na fachada lateral, o mesmo visitante se surpreende com a seqüência espacial e monumentalidade experimentada ao descer a rampa cerimonial e entrar na grande praça coberta.

Outro paradoxo espacial da proposta é obrigar o público a enfrentar os freqüentes congestionamentos no setor destinado às galerias numa edificação que parece dispor de tanta área livre. Mesmo nos dias de semana quando há uma redução significativa no número de visitantes, percorrer os labirintos engarrafados das salas de exposição pode ser uma experiência desagradável e contraditória com a sua função de lazer contemplativo. A situação se agrava ainda mais quando ao subir para os dois últimos pavimentos que compõem o coroamento luminoso, o espaço se comprime com a redução da área de piso e do pé-direito e o uso se multiplica abrigando diversas atividades. Há uma distância considerável do museu já se percebe que o seu clímax arquitetônico, portanto, o ponto a que todos querem atingir, é a barra luminosa que pousa elegantemente sobre sua cobertura. Entretanto, apesar de oferecer à quem enfrentou os entraves de percurso uma bela vista panorâmica do centro de Londres, a experiência é frustrante e não corresponde às expectativas de um "grand finale" arquitetônico.

O importante é que a proposta de Herzog & deMeuron parece ter conseguido responder com sucesso ao grande dilema conceitual de um museu contemporâneo: ser ao mesmo tempo um espaço neutro, que permita a exposição de obras artísticas sem muita interferência e ser uma obra de arte em si mesmo, que através da sua qualidade arquitetônica atraia o público. Há muito tempo a arte contemporânea da cidade de Londres merecia um espaço compatível com a dimensão e qualidade de sua produção. A reciclagem de uma estrutura industrial obsoleta, transformando uma antiga fábrica num espaço cultural, mostrou ser coerente com o pensamento arquitetônico de hoje, fazendo da Tate Modern o empreendimento mais bem sucedido entre os "millennium projects". Ao que parece, esta foi uma opção mais correta do que a proposta de ambições high-tech do arquiteto Richard Rogers para o Millennium Dome, que tem sido duramente criticado pela imprensa inglesa. Mas isto é uma outra história, ou quem sabe até mesmo um outro artigo.

Creditos do Projeto

Arquitetura
Herzog & de Meuron
Cálculo Estrutural
Ove Arup & PartnersPaisagismo - Kienast Vogt Partner

Fotografia
Christian Richters

sobre o autor

Zeca Brandão é arquiteto, doutorando pela Architectural Association School of London (AA School) e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

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