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MEURS, Paul. O pavilhão brasileiro na Expo de Bruxelas, 1958. Arquiteto Sérgio Bernardes. Arquitextos, São Paulo, ano 01, n. 007.07, Vitruvius, dez. 2000 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.007/947>.

Bélgica – foi sede da Exposição Universal de 1958. Bruxelas ganhou nessa ocasião o seu cartão postal, o Átomo. O evento teve a participação de mais de 40 países e várias organizações internacionais, recepcionando mais de 40 milhões de visitantes. Na arquitetura das edificações reinaram a inventividade arquitetônica e a simbologia. Le Corbusier projetou um pavilhão com um ‘poema eletrônico’ para a Philips; o Vaticano encomendou uma igreja (projetada por Paul Rome e Roger Bastin). Países como França (Guillaume Gillet, René Sarger e Jean Prouvré), Japão (Kunio Maekawa) e Iugoslávia (Vjenceslav Richterz) apresentaram estruturas complexas e designs sofisticados. Depois da Expo, todas essas janelas para o futuro foram demolidas impunemente; alguns pavilhões foram reconstruídos na Bélgica ou nos países de origem. Em Bruxelas, somente o Átomo permaneceu firmemente em pé; do restante só ficaram as memórias, os livros de fotografias e os jornais e revistas amareladas. Em algumas fotos vislumbra-se, escondido atrás de um celeiro com telhado de palha, um toldo de concreto, esticado entre torres de aço, embaixo de um balão: o pavilhão brasileiro.

Brasil – encontrava-se em 1958 numa fase fervilhante da sua história, a ‘Era JK’, sob a presidência de Juscelino Kubitschek. JK prometera 50 anos de desenvolvimento em apenas cinco. O país entrou em ritmo de trabalho acelerado: desbravaram-se acessos ao interior, criou-se um moderno parque industrial da noite para o dia e reforçou-se a auto-estima (1). A indústria automobilística estabeleceu-se em São Paulo e os primeiros fuscas saíram da linha de montagem. O Rio de Janeiro foi o palco de uma excitante renovação cultural, liderada por cineastas (Cinema Novo), músicos (Bossa Nova) e arquitetos. A seleção brasileira, com um Pelé ainda garoto, tornou-se campeã mundial pela primeira vez na Suécia. E no Planalto Central Oscar Niemeyer e Lúcio Costa riscaram os esboços da nova capital Brasília, símbolo de um futuro glorioso que o país tinha pela frente. Esse Brasil grande e ambicioso se apresentou em Bruxelas num pavilhão de aço e concreto, projetado por Sérgio Bernardes.

Bernardes – nasceu (1919) e cresceu no Rio de Janeiro e era, em 1958, conhecido principalmente como arquiteto de residências. Hugo Gouthier, então embaixador brasileiro na Bélgica, convidou-o para projetar o pavilhão brasileiro e ofereceu-lhe hospedagem na embaixada em Bruxelas durante o período de construção. O local do projeto não era muito atraente, um lote bastante inclinado no canto mais afastado da área da Expo. Bernardes imaginava como o público ia chegar: cansado e já cheio de impressões. Resolveu então desenrolar um tapete "vermelho" de concreto: uma rampa preguiçosa descendo suavemente em direção ao bar, ao jardim tropical e às atrações na sala de cinema. Por cima ele estendeu um lençol de concreto, uma cobertura fina, dependurada entre quatro torres esguias. A rampa e a cobertura suspensa definiram o layout do pavilhão: um espaço amplo, sem colunas, ao redor de um jardim interno. Bernardes interpretou o Átomo como um buquê de balões no céu e acrescentou mais um ao conjunto: o símbolo do pavilhão brasileiro foi um grande balão.

Balões - fazem parte das festas juninas no Brasil, no meio do inverno. São feitos de gomos coloridos de papel de seda, com buchas onde se ateia fogo. Quando o ar do interior está suficientemente aquecido, os balões sobem e somem no céu como vaga-lumes. Bernardes mandou fazer na Bélgica um balão vermelho de sete metros de diâmetro, inflada de gás, para flutuar sobre uma abertura cilíndrica de seis metros de diâmetro na cobertura. Com tempo bom, o balão subia no céu por cima do pavilhão, deixando o jardim ao ar livre. Nos dias mais frios, o balão descia, puxado por uma corrente, tampando o buraco do ‘pluvium’. Quando chovia, a água escorria pelo balão e caia feito cascata no jardim interno, projetado por Roberto Burle Marx, a pedido de Bernardes.

Burle Marx (1909-1994) – trabalhou com os arquitetos mais importantes do Brasil desde a construção do Ministério de Educação no Rio (1936). Trabalhou tanto como botânico, com grande contribuição na pesquisa da flora brasileira, quanto como artista, pintando suas composições seja com tinta, tecidos ou plantas. Suas praças, jardins e parques são cuidadosamente esculpidos e se caracterizam por um contraste entre vegetação abundante e as linhas ordenadas nas quais foi enquadrada (2). Nessas obras de arte a natureza foi domada, mas nunca subordinada; no trabalho de Burle Marx observa-se um grande amor pelo conhecimento do mundo vegetal. No projeto para Bruxelas, a tensão entre a ordem da composição linear e o capricho do material orgânico ficou muito clara. O elemento central do jardim foi um lago embaixo do pluvium, com uma ilha cheia de plantas aquáticas. Nas margens, Burle Marx dispôs vários canteiros em níveis diferentes, com um alinhamento típico dos anos 50, reforçado por muros baixos de concreto. O jardim dominou o pavilhão completamente; os visitantes entravam no nível superior e ao descer ao subsolo caíam diretamente na paisagem. Uma vez no bar, poderiam fazer parte da composição, sentando-se nos bancos ao redor do jardim. Nas fotos de 1958 pode-se observar como as pessoas, igual às plantas no canteiro de lado, uniam-se num longo alinhamento. Tomando um cafezinho ou experimentando mate, eles poderiam fazer uma pausa para descansar as impressões da visita.

Belgas – assim como os outros visitantes, eles mal conheciam o Brasil. Há muito já fora esquecido que o negociante de Antuérpia Erasmus Schetz, Senhor de Grobbendonck, investiu no primeiro engenho de açúcar do Brasil, fundado por Martim Afonso de Souza, em 1534, e assim esteve no berço da cultura da cana que dominou o Brasil-colônia durante dois séculos (3). Também a visita do rei Alberto I e da rainha Elisabeth ao Brasil em 1920 não foi mais lembrada pelos belgas – ao contrário dos brasileiros. Brasil pôde se apresentar em Bruxelas como um mundo desconhecido e novo. O tema escolhido foi: ‘O Brasil constrói uma civilização ocidental nos trópicos’, que na verdade não escondia o desejo do país em se tornar a versão exótica de um Estados Unidos (4). A exposição no pavilhão foi como uma Arca de Noé, com imagens e objetos que ilustravam a riqueza do país: a natureza deslumbrante (minerais, frutas exóticas, papagaios); uma cultura diversa (índios, arte popular, barroco); e potencial econômico (refinarias, carros, indústria do aço). Junto à entrada foram expostos símbolos da natureza e da tradição: um tronco de madeira amazônica de 25 toneladas e uma réplica da estátua de Habacuque, de Aleijandinho, parte do famoso conjunto barroco de Congonhas do Campo. No meio da caminhada pela rampa, o Brasil enterrou de vez todos os clichês de inferioridade e subdesenvolvimento, apresentando-se como uma moderna nação católica, através de fotografias - visíveis na descida por todos os lados - da arquitetura moderna e vistas panorâmicas das grandes metrópoles brasileiras. O ponto alto foi uma grande maquete cercada por paredes repletas de imagens gigantescas da futura capital Brasília: a expressão máxima da ambição brasileira em tornar-se um Estado moderno.

A arquitetura do pavilhão

Na arquitetura brasileira os pavilhões das mostras universais de Nova York (1939) e Osaka (1970) têm destaque especial. Nos EUA, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer surpreenderam o mundo com formas livres, nas quais as qualidades plásticas do concreto foram aproveitadas ao máximo. O pavilhão no Japão, de Paulo Mendes da Rocha, uma caixa ‘bruta’ sobre a paisagem, mostrou com vãos de até 30 metros e balanços de 20 metros as qualidades construtivas do concreto. Esses pavilhões foram feitos como manifestações dos conceitos arquitetônicos estabelecidos no Rio de Janeiro (‘corrente carioca’) e São Paulo (‘corrente paulista’). O pavilhão de Bruxelas ficou, visto no tempo, no meio dos dois e não representou nenhuma corrente em especial. Era sim um exemplo típico da maneira de Bernardes pensar arquitetura: sem preconceitos sobre material, construção ou forma, ele procura soluções criativas e simples, que, na sua visão, são conseqüência direta das características do lugar e dos requerimentos do programa. Os pavilhões de Nova York, Bruxelas e Osaka tinham, mesmo com arquiteturas próprias, alguns pontos em comum: soluções construtivas com transparência e liberdade espacial; um layout gerando leveza e clareza; e integração na paisagem, deixando a arquitetura se fluir nos jardins e na natureza circundante.

O elemento central na proposta de Bernardes foi a rampa, começando logo na entrada, no ponto mais alto, descendo num passeio de uma volta e meio ao redor do jardim interno. Para se fazer sentir o pavilhão como um espaço só, a cobertura não tinha nenhum suporte no interior e a rampa foi disposta sobre pilares de aço muito delgados. Os painéis e vitrines das mostras foram espalhados na descida pela rampa, perpendicularmente ao chão, nunca bloqueando o contato visual com o jardim. Fotos da maquete experimental mostram que Bernardes estendeu a cobertura, de 40m x 60m, sobre o prédio como se fosse um lençol, apoiada somente nos cantos por torres triangulares compostas de tubos de aço. O projeto combinou um imenso vão livre com uma estrutura muito leve. Bernardes não elevou as paredes do pavilhão até a altura do prédio, mas colocou faixas de vidro na parte superior para enfatizar a transparência do prédio.

A elaboração técnica da cobertura requisitou a engenhosidade dos engenheiros. Foram colocadas treliças metálicas entre as torres, para sustentar uma rede de cabos e vigas. Um cabo de aço percorreu o pavilhão em sentido longitudinal a cada 2 metros. O sentido transversal foi coberto por vigas em forma de "T", com distancia de 1m entre eles, disposto sobre os cabos e sustentando os painéis da cobertura. A cobertura foi composta de três camadas: painéis de plástico (eucatex), uma camada de 3cm de concreto e uma camada impermeável (‘Cucooum’). Nessa construção as pressões maiores estavam nas torres e treliças transversais, que tinham de guiar o peso da cobertura (85 toneladas) dos cabos para as fundações. Na elaboração do projeto, as lajes receberam o suporte de quatro pilares reforçados e de cabos de aço (33 mm), estirados entre a treliça e âncoras de concreto fincadas no chão, como os tirantes de uma barraca.

A cobertura foi erguida seguindo uma seqüência, indicada numa lista de instruções (‘programa de execução’) no desenho técnico. Após a fundação e construção das torres, foram montadas as treliças metálicas com os pilares por baixo. Depois vieram os cabos, o anel em volta do pluvium, reforços contra os ventos e os cabos de ancoragem. Os cabos tinham de ser ajustados, conforme indicado no projeto, antes da colocação das peças de rigidez e as placas de plásticos da cobertura. A concretagem foi realizada em duas etapas. Primeiro no meio, excluindo a parte em volta do pluvium. Depois do ajuste final dos cabos e da forma da cobertura, a concretagem foi completada. E, finalmente, a montagem do acabamento e o enchimento do balão.

Numa análise dos cinco projetos com coberturas suspensas na Expo, Renate Prince e Richard Hobin escreveram em The Architectural Review que as torres do pavilhão brasileiro pareciam leves demais para suportar o peso da cobertura, o que efetivamente não fizeram (5). Concluíram que a construção foi submetida à estética do projeto. Polemizaram o fato de que as treliças metálicas não eram realmente sustentadas pelas torres, mas sim ‘secretamente’ apoiadas sobre pilares. A solução ‘barroca’ – que não funcionava como parecia – aparentemente os decepcionou, mesmo impressionados com a facilidade de Bernardes em construir um vão tão grandioso. A postura de Prince e Hobin é talvez característica do racionalismo: a tecnologia deveria sempre ser ‘legível’ à primeira vista e ‘honesta’. Bernardes pelo jeito não sentiu a necessidade de mostrar que sabia construir uma cobertura suspensa. Ele usou sua capacidade técnica para alcançar um fim mais elevado: um espaço espetacular, transparência, enormes vãos, economia de custo e a sensação de leveza. Caso as torres pudessem ter sido dispensáveis do ponto de visto construtivo, arquitetonicamente tinham um papel muito importante. Definiram os espaços livremente divididos no interior e no exterior do pavilhão e tornaram relativas as leis da gravidade: a imensa cobertura parecia flutuar no céu, contida apenas por torres delgadas e um balão que ficava balançando no ar.

A obra de Bernardes

O projeto da Expo em Bruxelas faz parte de uma série de quatro pavilhões com coberturas suspensas, que Bernardes começou a partir de um projeto encomendado pela Companhia Siderúrgica Nacional para uma mostra temporária no Parque Ibirapuera por ocasião do IV Centenário de São Paulo (1954). Solicitou-se ao arquiteto que fizesse uma construção de aço que fosse representativa. Bernardes projetou duas pontes arqueadas sobre um córrego no parque, e colocou o volume do pavilhão no meio. Uma construção elegante de cabos, com portais inclinados para trás nas extremidades, mantinha o equilíbrio. Em Bruxelas (1958) as dimensões aumentaram e a cobertura foi arqueada nas duas direções. Da mesma época data o projeto para a Feira Internacional de Indústria e Comércio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro (1958-60), um espaço elíptico de 250m por 150m, livre de colunas. A cobertura pousou sobre uma rede de cabos de aço, apoiada numa viga de concreto ao redor. Como em Bruxelas, as águas da chuva caíam dentro do prédio, em dois lagos em cada extremo do interior. O projeto atingiu o limite do orçamento e por medida de economia a cobertura foi feita de material plástico leve demais. Logo foi levada embora por um vendaval. A segunda cobertura, de alumínio, foi destruída por um incêndio no inicio dos anos 80. As ruínas do pavilhão permanecem como um Coliseu moderno, expostas ao lado da estrada, como um pelotão para saudar os viajantes que entram no Rio. O quarto pavilhão é o único que permanece inteiro e com uso original: o Centro de Convenções em Brasília (1972). Uma fileira de cabos se estende entre dois pórticos de concreto, sobre a cobertura e continuando sobre uma praça na frente do prédio. Nos esboços do projeto, fica claro que essa praça deveria ser coberta, com um pluvium retangular no meio, como em Bruxelas. Ficou uma cobertura de cabos apenas: um ‘espaço fechado’ ao ar livre.

Os pavilhões testemunham os experimentos de Bernardes com estruturas de aço, além de fazer parte dos prédios públicos mais importantes que construiu. No entanto, sua obra é bem mais abrangente. Durante mais de um meio século, Bernardes desenvolveu-se como um projetista e inventor visionário. Os seus projetos vão desde pequenos objetos até a organização de continentes inteiros. A televisão brasileira chamou-o de ‘Leonardo da Vinci’ do nosso tempo. Um elogio que parece um pouco exagerado, uma vez que é relativamente desconhecido no exterior; mas que, levando-se em conta sua imaginação ilimitada, não é totalmente infundada. Embora as revistas (brasileiras) de arquitetura tenham publicado muitos dos seus projetos ao longo dos anos, falta ainda uma visão completa e uma análise crítica da sua obra. Seus arquivos foram parcialmente resguardados e transferidos para a Fundação Oscar Niemeyer, onde aguardam ser catalogados e liberados para acesso. Uma das publicações mais extensas sobre Bernardes é um número especial da revista Módulo, lançada na ocasião de uma mostra no Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro (1983). Além disso, João Pedro Backheuser descreve em tese de mestrado (1997, ainda não publicada) mais de vinte projetos de Bernardes (6).

A imagem que se tem de Bernardes através das publicações e projetos é a de um afortunado da arquitetura brasileira. Ele construiu sua primeira casa aos 15 anos para um amigo do pai. Nos anos seguintes, formou-se e começou desenvolver sua própria obra. Enquanto Niemeyer destaca-se como o arquiteto da forma livre, Bernardes tornou-se, segundo Backheuser, o grande inovador de tecnologia e materiais na arquitetura brasileira. Ao contrário de muitos contemporâneos, Bernardes não se restringiu às estruturas de concreto; também projetou em madeira e aço; experimentou pedras, plásticos, vidro e cerâmica; incorporando até mesmo neblinas, cortinas d’água, reflexos, sons e odores em seus projetos. Seu vocabulário arquitetônico é muito rico e sempre usado em doses controladas. Bernardes projeta espaços ‘barrocos’, que precisam ser atravessados para se descobrir aos poucos seus segredos, vistas e efeitos especiais. Às vezes os prédios respondem às condições do tempo; por exemplo quando produzem sons orquestrados de água quando chove ou quando a maré está subindo. Por causa de sua postura experimental, torna-se difícil incluir Bernardes em determinada corrente ou grupo, ou mesmo definir seu estilo, que, no sentido estético, é ausente. A cada projeto ele procura livrar-se dos preconceitos, convenções e costumes, enfrentando a tarefa como um desafio inédito. Se for necessário, ele reinventa a arquitetura. A obra de Bernardes é, assim como os seus projetos, cheia de surpresas.

Apesar dos projetos ‘obstinados’, Bernardes não ficou isolado. Principalmente nos anos 50, ele certamente deve ter sido uma personalidade de destaque na vida intelectual e cultural carioca. Ele podia se dar o prazer de participar com a sua Ferrari das corridas no circuito de ruas do Rio, gostava de fazer acrobacias com aviões e construiu a casa de seus sonhos numa rocha paradisíaca defronte ao oceano Atlântico, na Avenida Niemeyer. A partir dos anos 60 resolveu não esperar por encomendas para desenvolver idéias criativas. Bernardes reinventou a bicicleta (‘Biocleta’), o carro (‘Bernadete’), o transporte público (‘Rotor’) e o avião (‘Gaivota’, 1960). No ano 1979 fundou o ‘Laboratório de Investigações Conceituais’ (LIC), onde elaborou – por conta própria – soluções criativas para as questões sociais mais importantes do Brasil, como habitação, poluição, congestionamentos, secas e desemprego. O LIC forneceu conselhos não-solicitados às autoridades. A maioria desapareceu em gavetas profundas, embora tenham chamado a atenção da opinião pública para o debate sobre o futuro das metrópoles ‘incontroláveis’ do Brasil. No início dos anos 80, uma equipe do LIC trabalhava em estudos grandiosos, como a ambiciosa proposta de combater ao mesmo tempo a seca no Nordeste e as enchentes no Norte e Sul do país, ligando todos os rios principais com 16 aquedutos, numa extensão total de 30 mil quilômetros. Outro projeto nacional propunha uma nova distribuição territorial do Brasil, dividindo o país em 17 ilhas autônomas, separadas uma da outra por rios e com faixas de 200 km nas margens destinadas à preservação ambiental (‘Projeto Brasil’). Para o Rio, o LIC idealizou, entre outras propostas, uma estação de limpeza de esgoto junto a marinas e praias (Lagocean), uma rede de estradas a uma altura de 100m (‘Anéis de Equilíbrio’), um detalhado levantamento para construir 105 km de auto-estrada sobre ferrovias, além de 44.100 apartamentos, 7.350 escritórios, mais de três km2 de hortos florestais, 105 escolas e 10 hectares com lanchonetes, bares e serviços culturais (Eixo Polivalente). Bernardes também vem buscando há mais de 30 anos soluções para o déficit habitacional, projetando edifícios de até um quilômetro de altura, às vezes em combinação com pontes de dezenas de quilômetros de comprimento (‘Plano Rio’, 1965; Projeto Atlântida’, 1996).

Os estudos conceituais de Bernardes parecem um pouco as utopias de Constant ou Yona Friedman das décadas de 50 e 60 (7). Uma diferença importante é que os projetos de Bernardes saíram de um escritório de arquitetura bem sucedido. Até certo nível são mais viáveis e realistas, mesmo parecendo inconcebíveis. O projeto de vinte anos atrás das ferrovias no Rio antecipou os estudos atuais no Noroeste da Europa sobre o ‘uso múltiplo’ do solo, e continua sendo mais avançado. A distancia do imaginário de Bernardes para a realidade concreta às vezes é pequena. O projeto de uma colônia de férias penduradas em cabos de aço sobre a Mata Atlântica em Parati (FORYOU) tem algo em comum com os projetos arquitetônicos para um hotel não executado em Manaus (1963), e com o hotel construído em João Pessoa (1966): o impacto das construções na natureza existente é sempre mínimo e todos os projetos parecem viáveis e realistas. Bernardes produz sonhos realistas, que as vezes fazem a realidade parecer irreal. Essa postura de inventar o futuro caraterizou o Brasil da Era JK: a vontade de criar uma civilização moderna nos trópicos, a determinação em construir a nova capital Brasília em mil dias e a magia para suspender com um balão inflável um prédio inteiro. Uma mentalidade que no Brasil já desapareceu do horizonte há muito tempo.

Epílogo

Novembro de 1998. Na companhia de pesquisadores da Universidade de Gend (Bélgica) e amigos arquitetos brasileiros, somos muito bem recebidos por Sérgio e Kikah Bernardes no apartamento do casal na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Mesmo que a estadia de Sérgio na Bélgica tenha acontecido há quase meio século atrás, ele ainda se lembra de muitos detalhes - com uma exatidão surpreendente - do projeto, da construção e da exposição no pavilhão. Mas Bernardes não está trancado num passado distante. Rodeado de jovens cibernéticos ele assimilou mais uma nova tecnologia. Suas cidades e projetos virtuais pipocam em três dimensões na tela. Sérgio está online. Para se ‘divertir’, ainda projeta e constrói casas, como uma no Rio que, no apertar de uma tecla, pode ser envolta numa neblina. Outra casa, de 5000 metros quadrados, com uma piscina de fundo transparente sobre outra piscina. Uma terceira casa, concebia ao redor de uma plataforma que subia e descia com balões, foi projetada para um fabricante de elevadores, mas infelizmente não foi construída. Nos anos 50, Bernardes estava à frente do tempo, e 40 anos depois ele ainda consegue se inovar e surpreender.

notas

NE
Texto e imagens publicados originalmente no catálogo "Expo 58: the Brasil Pavilion of Sergio Bernardes". Paul Meurs, Mil de Kooning, Ronny de Meyer, University of Ghent's, Department of Architecture and Urban Planning in the 4ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, from19 november 1999 to 25th january 2000.

1
Era JK’ tornou-se um mito no Brasil contemporâneo. A nostalgia dessa época foi por exemplo expressa no catálogo da mostra ‘Saudades do Brasil, a era JK’, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador 1993.

2
BALJON, Lodewijk. ‘De elegante lijn, schoonheid in het werk van Burle Marx’ (‘As linhas elegantes, a beleza no trabalho de Burle Marx’), in: MEURS, Paul; AGRICOLA, Esther Agricola. Brazilië, laboratorium van architectuur en stedenbouw, Rotterdam, NAi Uitgevers, 1998, p. 60-61.

3
Erasmus Schetz tinha muitos negócios em Lisboa e tornou-se um dos três sócios de Martim Afonso de Souza, que construiu um engenho de açúcar em São Vicente (SP). Schetz adquiriu mais tarde o engenho, que ficou conhecido como ‘Engenho dos Erasmos’. Em 1618, foi destruído pelo pirata holandês Joris van Spilbergen. As ruínas ainda existem e hoje pertencem à Universidade de São Paulo (MEURS, Paul. Engenho São Jorge dos Erasmos: Estudos de Preservação, Cadernos de Pesquisa do LAP – 7, São Paulo, FAU USP, 1995).

4
‘Le Brésil construit une civilasation occidentale des tropiques’, esse tema foi introduzido no catálogo brasileiro da Expo (PEREIRA, Edgard Baptista. ‘Message du Commissaire général’, in: Commissariat Général du Brésil, Brasil, 1958).

5
‘It seems that the designers of this pavillion had some preconceived idea of a light and elegant structure – a thin membrance between four thin pyloons – but they have chosen a structural form where stablitity is directly dependent on weight. Faced with this dilemma, the designers have chosen to "express" a make-believe structure and to disguise the actual (e.g. the main) columns, which appear to do no more than hold up the decorative screens, are heavily plated on the inside and actually carry four-fifth of the load of the roofs, whereas the four ‘main’ pylons could probably be omitted all together.’ (PRINCE, Renate; HOBIN, Richard. ‘The hanging roof’, in: The Architectural Review 124 (1958) 739, 132-136).

6
‘Catálogo Oficial da Exposição Sérgio Bernardes’, in: Módulo, edição especial, Rio de Janeiro, 1983; BACKHEUSER, João Pedro. A obra de Sérgio Bernardes, monografia de final de curso de Pós-Gradução em Nível de Especialização em Arquitetura Brasileira, Recife, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco, 1997.

7
O grupo Geam, que desenvolveu a ‘architecture mobile’, era formado por Yona Friedman e os arquitetos poloneses Oskar Hansen e Jerzy Soltan. Hansen e Soltan participaram do concurso para o pavilhão da Polônia na Expo de Bruxelas, vencido por Salton. O pavilhão não foi construído por falta de recursos. As propostas para a Nova Babilônia feitas pelo artista holandês Constant Nieuwenhuis nos anos 60 foram apresentadas no Brasil em: Óculum, n. 4, 1993, p. 16-37.

equipe técnica do pavilhão

arquiteto
Sérgio Wladimir Bernardes

assistente
Nicolaï Fikkoff

engenheiros
Paulo Fragoso, Emmanoel Magalhães

desenhistas
Kylzo Carvalho, Murilo C. Boabaid

conselheiro
Max Winders

paisagismo/jardim
Roberto Burle Marx

interior
João Maria dos Santos

assistentes
Eduardo Anahory, Jack van de Beuque, Artur Lício Pontual

iluminação
Libbe Smit

agradecimentos

Sérgio e Kikah Bernardes, João Pedro Backheuser, Fundação Oscar Niemeyer (Ana Lúcia Niemeyer e Fernanda Martins). Tradução do holandês: Patrícia Moribe.

sobre o autor

Paul Meurs é arquiteto titular do escritório The Urban Fabric, autor de vários artigos sobre o Brasil em revistas holandesas e brasileiras, e co-organizador do livro Brazilië: laboratorium van architectuur en stedenbouw. Rotterdam, Nai Uitgevers, 1998. Realizou pesquisa sobre o pavilhão brasileiro na Exposição Internacional Bruxelas em 1958, projeto de Sérgio Bernardes, e que foi publicada por ocasião da 4ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, 1999/2000. Atualmente desenvolve trabalho de cooperação exclusiva com o grupo Mecanoo na área de pesquisa e desenvolvimento.

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