A Confederação Helvética organizou este ano um evento efêmero que, por 159 dias, propôs repensar a(s) sua(s) Identidade(s) Nacional(is). Localizada na plural e multicultural região dos 3 lagos (Biel, Neuchâtel e Morat), em 5 diferentes cantões, em 4 cidades, a Expo.02 (1) (des)centraliza-se na zona ocidental suiça, entre as Suiças Alemã e Francesa.
No contemporâneo mundo global e perante esta pluralidade local, a construção de um discurso expositivo-arquitectónico que cristalizasse uma Identidade Nacional estabilizada e unitária, seria ingénua e redutora.
Pensando que “a identidade é uma ratoeira na qual cada vez mais ratos têm de partilhar o queijo original que, numa leitura mais próxima, pode ter estado vazia desde há séculos” e, simultaneamente, “a identidade deriva da substância física, da história, do contexto, do real, e nós de certo modo não podemos imaginar que algo contemporâneo - feito por nós - possa contribuir para ela” (2), pode-se explicar a estratégia do comissariado. A expo procura não recriar os anteriores contundentes discursos nacionais, mas antes reflectir sobre um conjunto de tópicos/perguntas que abram espaço à análise/interpretação do “estado das coisas” e à procura de respostas para o futuro - “uma exposição nacional não pode providenciar respostas e receitas pré-fabricadas; se o fizesse, degeneraria num exercício vazio e compulsivo” (3).
Expos proto-Expo.02
expo Suíça
A Suíça tem uma história de 120 anos de 6 exposições nacionais (4). A primeira, em Platzspits (Zurique 1883) seguindo os exemplos das exposições/feiras de Paris e Londres, comemorava a abertura do tunel Gothard e procurava transparecer como imagem Suiça o progresso da indústria mecânica. No mesmo local, em 1893 construiu-se o Museu Nacional Suiço, peça fundamental para a cristalização de uma ideia Nacional unitária. Numa segunda Expo (Genebra 1896), apresentou-se já a nação Suíça. Foi exposta a indústria mecânica, mas a identidade foi a peça central a expor, através da criação in loco de uma “aldeia suiça” pela instituição que é hoje a agência do património nacional. Em 1914 (Berna), para além da identidade, a Expo celebrava a estabilidade económica que a agricultura, indústria, arte e exército proporcionavam. A estabilidade económica/progresso voltou a ser celebrada em 1939 (após a crise económica que em 1933 levou a adiar a exposição). Nesta expunha-se uma dupla identidade: a suiça inventiva e moderna, e a tradicional nação agrícola. Em 1964 realizou-se em Lausana a quinta exposição, explorando simultaneamente a visão industrial progressista e confiante e a visão mais crítica em que surgiam algumas dúvidas quanto ao futuro.
expo Universo recentes
Ambas Expo 92 (Sevilha) e Expo 98 (Lisboa) se instalaram em zonas de esvaziamento industrial/sector secundário e se estabeleceram como catalizadores para a instalação do sector terciário e habitacional através do desenvolvimento urbanístico. Seguindo o mesmo modelo das Olímpiadas Barcelona-92, foram entendidas como estratégia para canalização de fundos para a conversão de zonas degradadas introduzindo novos usos pós-industriais. De um modo mais imediato, a Expo 2000 de Hanover expôs produtos pós-industriais: novas tecnologias e a sociedade de consumo.
A expo.02 não é nem um núcleo centralizado catalizador de desenvolvimento, nem um parque temático conciso, mas um evento efémero disperso, uma “cidade-festival-territorial”, que para além de expor, problematiza.
Expo.02
Sob o título ImagiNation (leia-se Image-Nação), faz-se uma experiência interdisciplinar que, através de um discurso imagético, coloca questões e procura imaginar respostas para um vazio identitário. Como Koolhas, em vez de pensar sobre (as tradicionais vantagens da) Identidade perguntaríamos quais as desvantagens da Identidade e quais as vantagens/possibilidades de um vazio?
A ImagiNation explora pares conceptuais icónicos, através de imagens e da imaginação. Distribui-se por 5 áreas, Arteplages, que materializam 5 diferentes slogans através de conteúdos expositivos e, mais retoricamente, através da Arquitectura. Quatro “praias artísticas” são semi-praias-lacustres (Expopark ou áreas de Expo em terra seca) e semi-plataformas-sobre-os-lagos (Fórum ou palafitas onde se localizam arquitecturas-icónico-simbólicas). Estas paisagens artificiais (5), constituindo um forte contraste com as estereotipadas paisagens de fundo, estão fortemente articuladas com as cidades que lhes dão nome.
Yverdon-les-Bains: o Universo e Eu
Elevada sobre o lago, uma núvem de nevoeiro artificial domina a paisagem. Projecto volátil da dupla americana Diller e Scofidio, constitui-se por uma complexa estrutura metálica ovóide estirada por tirantes e apenas apoioada na água em quatro pontos, materializando uma concepção estrutural Buckminsterfulleriana. O edifício incorpora 31.400 jactos de vapor que criam uma etérea forma-miragem. A estrutura liga-se à margem através de passadiços que conduzem a uma paisagem artificial criada pelos West 8. Aqui vegetação e tecnologia multimédia combinam-se, estimulando sentidos, memórias e sonhos. Eu e meus sonhos, as minhas sensações e o meu corpo, são os temas que se propõe ler, sendo possíveis múltiplas interpretações oníricas/subjectivas em cada Universo pessoal.
Neuchâtel: natureza e artificialidade
Concebida pelo colectivo Multipack também esta Arteplage se organiza em terreno natural e artificial. O fórum consiste numa enorme plataforma sobre estacas onde três escultóricos colchões insufláveis suspensos cobrem a área de exposição. Com forma ovóide, estes elementos necessitam de ventiladores gigantes para os manter insuflados. O discurso expositivo trata a ciência e a ficção, o corpo e as tecnologias, a natureza e a hibridização homem-máquina, o que, de resto, é interessante que aconteça na pátria dos relógios, o invento que, pela quantificação do tempo, possibilitou a crescente artificialização da natureza.
Murten-Morat: instante e eternidade
Um enorme cubo de aço corten flutua na água, apenas acessível por barco. Projecto de Jean Nouvel, este elemento abstracto assemelha-se conceptual e formalmente ao monolito que em 2001 - Odisseia no Espaço havia surgido, flutuando, problematizando origem, identidade, tempo e lugar.
Nas margens foi criada uma paisagem expositiva que se hibridiza com a antiga aldeia Murten-Morat. O uso de materiais perecíveis e a ideia de disfarce/camuflagem foram as técnicas com que os novos elementos foram adicionados transformando a sua efemeridade numa coerente integração com a paisagem.
Biel-Bienne: poder e liberdade
Esta Arteplage está dominada pela linguagem urbano-progressista do fórum. As 3 icónicas torres de 40 m de Coop Himmelb(l)au: Poder, Dinheiro, Autoridade, estão ligadas por uma passerelle aos conceitos de liberdade, coragem e criatividade no Expopark. Diriamos que o tema problematizado é o homem e os seus valores.
Arteplage Mobile du Jura: significado e movimento
Barco “pirata”, concebido pelo luso-descendente Didier Fiuza Faustino para conectar por água os 4 locais anteriores, potencia a ideia de pirataria intelectual, possibilitando o acesso a todos os locais para, através do movimento, convidar à reflexão do visitante e à procura de um significado para o todo expositivo.
Estando a expo baseada num discurso imagético fragmentário, a busca de um sentido global pode ser difícil. O conjunto de temas não é de interpretação directa, por vezes pode parecer carecer de rigor conceptual.
A chave da ligação entre os temas parece residir efectivamente no título proposto: ImagiNation (a imaginação, ao contrário da memória, que é automática, consiste na associação de resíduos de memória do observador).
A enorme colecção de imagens apresentada sobre questões para as quais se espera imaginar futuras respostas, necessita que resida também alguma imaginação na formulação das próprias perguntas.
A Expo.02 aposta nas segundas leituras e na reflexão permitidas pelas possibilidades de um vazio, não de sentido, mas de resposta. Por agora.
notas
1
Expo.O2, 15 maio a 20 outubro 2002. Website oficial <www.expo.02.ch>
2
Koolhas, Rem. “Generic City”. In S,M,L,XL. Rotterdam: 010, 1995.
3
“No ready-made answers and no recipes”, por Martin Heller, diretor artístico da Expo.02, in site oficial.
4
Sobre as Exposições Nacionais Suíças: ver exposição “Expos.ch” no CCS – Centro Cultural Suíço de Milão.
5
Pós-Expo: Quanto ao futuro destas paisagens artificiais, serão desmontadas restituindo a paisagem natural. Procuram-se agora novos proprietários para os edifícios.
sobre o autor
Inês Moreira é licenciada em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Pós-Graduada em Arquitectura e Cultura Urbana pela Universidade Politècnica da Catalunya. Desenvolve tese de Mestrado sobre relações entre Arquitectura, Corpo Humano e Novas Tecnologias, nas áreas de Teoria e Crítica da Arquitectura em Barcelona (UPC). Co-comissária do evento “Arquitectura – Prótese do Corpo”, Janeiro 2002, na Faculdade de Arquitectura U. P. e na Casa das Artes do Porto. Co-editora do catálogo com o mesmo nome. Exerce nas áreas de Arquitectura e Cultura Urbana em Barcelona e no Porto