Este texto é um extrato da dissertação de mestrado apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie em março de 2003. Nele são apresentados projetos de residências construídas entre 1959 e 1989, na Praia de Pernambuco, Guarujá, dentro dos pressupostos da arquitetura moderna.
As residências na Praia de Pernambuco refletiram as relações sócio culturais do país. O Guarujá sempre se caracterizou por uma ocupação feita principal e primordialmente, até o começo dos anos 80, por uma elite paulistana que procurava no município um endereço a beira mar.
A primeira edificação construída na Praia de Pernambuco foi um pequeno pavilhão (1) projetado por Gregori Warchavchik em 1946 para Jorge da Silva Prado, dono da área que posteriormente se tornaria o Loteamento da Praia de Pernambuco. Embora nos anos 40 ele ocupasse uma posição apenas secundária dentro da arquitetura brasileira, Warchavchik foi um dos pioneiros da arquitetura moderna no Brasil (2).
Após a contratação de Henrique Mindlin para fazer o projeto do loteamento, Jorge Prado pede ao arquiteto carioca que faça o projeto de sua casa, que, posteriormente sofre alterações por parte de Gian Carlo Gasperini. Eram os anos 50, que “foram anos de intensa atividade econômica – com a reordenação do sistema de energia e transportes, implantação de estruturas industriais e de bens de produção (siderurgia, elétrica pesada, máquinas construção naval) e o nascimento da indústria automobilística brasileira” (3).
Coube a Gasperini a primazia de projetar as primeiras residências no local: com forte influência das Case Study Houses da Costa Oeste dos Estados Unidos, ele vai desenvolver vários projetos em cujas plantas adota o partido de pavilhões, onde o estar está setorizado isoladamente das áreas de descanso, ligado por meio de galerias, onde a presença de pátios é marcante.
Nos anos 60, um jovem arquiteto iria projetar diversas casas que por suas características iriam se tornar únicas e compor um conjunto extremamente homogêneo. As “casas pirâmide”, de Eduardo Longo, se tornariam durante toda a década de 60 ícones arquitetônicos dentro da Praia de Pernambuco. Longe de buscar as referências do brutalismo paulista que era a linha da produção dos arquitetos da época, Longo desenvolveu um trabalho diferenciado, que, se despertou a admiração de Bruand que comparou o seu espírito organicista a Alvaar Aalto, por outro lado o colocou na contra-mão da produção da arquitetura da época.
Os anos 60/70 seriam marcados por uma afirmação da escola paulista. O golpe de 64, apesar de representar o endurecimento do estado de direito e o cerceamento de liberdades democráticas, promove entre os anos de 1968 e 1974 o que a historiografia chamou de “milagre brasileiro” que elevou o crescimento médio da economia brasileira a 10% ao ano. Esse crescimento se refletia ao Guarujá, que no período chegou a ser o terceiro município brasileiro em investimentos imobiliários, terreno fértil, portanto para a viabilização de parte do legado da arquitetura dos anos 50-60, agora cada vez mais amparadas pela crescente indústria nacional.
São projetadas e construídas casas de Miguel Juliano, Paulo Mendes da Rocha, Rodrigo Lefèvre, Eurico Prado Lopes, Décio Tozzi, Sami Bussab, onde se percebe com maior ou menor intensidade a aplicação dos elementos formais comuns da arquitetura paulista: a austeridade e o respeito no uso de materiais e instalações à vista (tido como acabamentos em si) além da preocupação com um funcionalismo não necessariamente mecanicista. O único arquiteto desse grupo que teve uma produção diferenciada foi Rodrigo Lefèvre, embora a sua obra não pode ser avaliada em outro contexto senão a escola paulista.
Os anos 80, se, representaram a volta do Brasil à normalidade democrática, representaram também a queda de alguns paradigmas no que diz respeito à arquitetura brasileira. A discussão internacional sobre o movimento pós-moderno, a princípio incipiente por aqui, serviu para que pela primeira vez se formalizassem críticas mais contundentes contra a arquitetura moderna brasileira.
Mostrando o quanto essa discussão ainda estava longe da arquitetura paulista, os projetos executados na Praia de Pernambuco continuam vinculados aos princípios dogmáticos da escola paulista, porém com algumas diferenças: se na casa James Francis King, Paulo Mendes da Rocha continua a exercitar a linguagem do concreto aparente, na residência de Maurício Thomaz Bastos o arquiteto cobre a construção com um telhado de quatro águas, numa clara referência a casa bandeirista.
Nas outras duas residências estudadas temos obras paradoxais, se não em termos de qualidade arquitetônica, mas em termos de programa. Em contraste com a simplicidade refinadíssima de Oswaldo Bratke, com seu brilhante agenciamento de espaços na residência Rafael Ribeiro da Luz, temos a enorme residência de Gustavo Halbreich, que apesar da qualidade do projeto de Haron Cohen, possui dimensões que a tornam ímpar entre as residências objeto deste estudo.
É evidente que os projetos apresentados a seguir representam uma pequena parcela do universo construído dentro do loteamento da Praia de Pernambuco. Fica evidente ao se fazer um passeio pelas bucólicas ruas de terra do loteamento, que a nossa burguesia, com raras exceções é absolutamente alheia ao que se refere à qualidade arquitetônica. A grande maioria das casas edificadas no local representam um pastiche arquitetônico que são representativos de uma sociedade que escolhe para si modelos de habitações que nada tem a ver com sua cultura.
Residência Stephan Neuding. Arquiteto Gian Carlo Gasperini, 1959
A Residência Stephan Neuding se insere dentro da produção de Gian Carlo Gasperini, iniciada com os primeiros projetos dentro do Loteamento da Praia de Pernambuco.
Essas casas, apesar de assumidamente possuírem um caráter mais despojado, se reportam às casas americanas de Marcel Breuer e as Case Study Houses da Califórnia (4).
Sua planta contempla dois pavilhões: social e íntimo, sendo a ligação entre eles feita por uma galeria que, ao mesmo tempo em que os integra, promove o isolamento do setor íntimo. Essa galeria também separa desses dois setores, a área destinada a serviços e empregados.
A colocação de pátios no meio e nas extremidades dessa galeria promove a integração entre os espaços internos e externos e também ameniza bastante as condições de temperatura, muito altas no verão. Graças a essa ventilação, sempre cruzada, não se transfere para o interior da casa o calor da cobertura, que é feita com telhas de cimento amianto. Dessa forma, o telhado é um elemento que pouco interfere na composição do conjunto.
A casa está sempre integrada com suas generosas áreas de jardim, o que sempre proporciona visuais agradáveis.
O sistema construtivo é convencional: estrutura de concreto, paredes de alvenaria e cobertura com telhas de cimento amianto. O piso, em toda a casa é levemente suspenso do terreno por meio de uma laje.
A casa encontra-se em perfeito estado, tendo sofrido apenas reformas para manutenção, e como quase todas recebeu um muro que a isola da rua.
Residência Sérgio Lunardelli, Arquiteto Eduardo Longo, 1964
“Não queria fazer nada que se opusesse a cenário natural tão bonito”, diz o arquiteto Eduardo longo ao falar sobre o projeto desta casa classificado por Yves Bruand como
“casa abrigo voltada para si mesma, ao mesmo tempo modesta na aparência e audaciosa na complicação de suas formas livres, tão individual quanto possível em sua inspiração poética inteiramente pessoal, essa é uma criação excepcional no Brasil por seu espírito tipicamente orgânico, que se inscreve mais na linha de Aalto do que na de Wrigth” (5).
Longo, concebeu uma casa térrea, toda em concreto pintada de branco com pequenas aberturas para o exterior. Essas pequenas aberturas serviriam para promover a diminuição da intensidade da luz, muito intensa no local. O concreto foi escolhido em função de ser o único material que possibilitaria a execução plástica da forma proposta, que consiste em vários planos inclinados formando um prisma multifacetado que remete a forma de uma tenda.
O conforto térmico é conseguido através da pintura branca nos tetos-paredes e também através de zenitais, que, por convecção promovem a troca de ar com o exterior. Esses zenitais também proporcionam um interessante jogo de iluminação.
O extenso programa foi resolvido apenas com o pavimento térreo que se “esparrama” em pouco mais de 600 metros quadrados em um generoso terreno de 5.000.
Os ambientes se organizam em três setores (convívio, serviço e descanso) muito claramente setorizados, sem, contudo transferir essa setorização para o aspecto externo da casa.
Como acabamento à opção foi por materiais simples: piso cerâmico, pintura látex branca nas paredes e esmalte nos banheiros e cozinhas. O teto, de concreto aparente recebeu paginação de ripas de madeira, resultando no aspecto acabado do “forro paulista”.
Residência Roberto Letaif. Arquiteto Sami Bussab, 1967
O projeto dessa casa ao mesmo tempo em que a isola do solo, possibilitava à época de sua construção a vista para o mar. Construída a uma quadra da praia, que na época possuía poucas construções, a casa atende a um programa desenvolvido para um casal com um filho.
A partir da colocação da área para empregados como único elemento construtivo no térreo, o arquiteto desenvolve a planta em um único pavimento sobre pilotis.
O corpo da casa, suspenso, é separado dos pilares por vigas que deixam claro o raciocínio estrutural. São seis pilares em concreto aparente de cada lado que, suportam as vigas, também de concreto aparente, que vencem um vão de 12 metros.
A planta da casa tem a organização sistematizada por Carlos Millan em 1960: a circulação isolada do perímetro principal, os quartos no miolo da construção, abrindo para uma área de convivência, uma varanda fechada. Esta “varanda“ interna por sua vez se integra com o estar, criando um ambiente contínuo. A mesma solução verifica-se na casa de Paulo Mendes da Rocha, no Butantã, em 1964.
Essas soluções se tornaram paradigmas da escola paulista, sendo usadas também aqui. Esse é um ponto onde a adequação à casa de praia trás uma desvantagem: o desfrute do térreo, como área de lazer, acaba ficando dissociado do resto da edificação, impossibilitando a integração entre ambientes internos e externos.
O acesso ao pavimento superior é feito por uma escada em um corpo independente, não interferindo na organização do espaço interno.
Os revestimentos são simples: pintura sobre chapisco nas paredes externas, concreto aparente e janelas de vidro temperado. Internamente, pintura sobre massa corrida, esmalte sintético nas portas e piso vinílico em toda a parte superior.
Residência Melanie Farkas. Arquiteto Rodrigo Lefèvre, 1971
Esta residência se insere na produção do arquiteto Rodrigo Lefèvre, e é fruto de longa pesquisa sobre o uso de abóbadas parabólicas em concreto e blocos de barro, que durante os anos 60 foi muito utilizada por ele em programas residenciais.
Aqui, ele faz a união de duas abóbadas de tamanhos diferentes, porém com a mesma curva parabólica. Todos os pavimentos internos são independentes, apoiados em pilares que não se solidarizam com a cobertura.
Presente em todas as obras residenciais do arquiteto, a abóbada oferece possibilidades muito ricas em variações no espaço interno, uma vez que ela ora se configura como teto, ora como parede. Outra situação explorada em função da abóbada é a diferenciação de níveis, que acompanha a forma da cobertura. Os ambientes de estar estão colocados em diferentes níveis, mas mesmo assim mantém total integração. Esses planos definem as diversas áreas – estar, jantar, serviços, conferindo-lhes características próprias. Projetada enquanto o arquiteto estava na prisão por conta de suas convicções políticas, a casa deveria ser, como todas as outras, laboratório visando uma produção em larga escala com materiais simples e de fácil manuseio por qualquer pessoa que se envolvesse no processo de produção dessas moradias. O tempo mostrou que esses conceitos seriam de difícil aplicação, pois apesar do custo relativamente baixo de execução em função do não revestimento das várias superfícies componentes, a casa requer, segundo sua proprietária uma manutenção extremamente cara e constante.
Residência Milton Sabag. Arquiteto Miguel Juliano, 1972
Ao projetar esta casa, o arquiteto Miguel Juliano tinha a preocupação de atenuar as condições térmicas locais e ainda reduzir o barulho proveniente do exterior. Dessa forma, foi criado no projeto paisagístico uma “duna“ sob o pergolado dos dormitórios, que tinha por função isolar acusticamente os mesmos.
Para manter a casa sempre ventilada, foi criado um sistema de ventilação natural por convecção, sendo que a cobertura foi feita pelo sistema de “caixão-perdido”, com blocos de isopor separando as duas lajes. Desta maneira, o calor externo não atinge o interior da habitação.
O programa desta casa térrea que feita para um casal e cinco filhos contempla 4 dormitórios, banheiros, cozinha, dependência para empregados, além de uma ampla sala de estar que se abre para um terraço com vista para o mar. Como o conjunto sala-terraço se encontra em um nível elevado em relação ao restante da casa e a rua, a visual para o mar fica garantida. A cozinha que se encontra no mesmo nível, possui aberturas para o terraço, se integrando assim com a churrasqueira. Esse terraço é o elemento de ligação entre o exterior e o interior, funcionando como extensão natural do estar. Para tanto possui uma mesa com um banco de concreto revestido com azulejos.
Admirador da obra de Artigas, Miguel Juliano demonstra nesta casa seu alinhamento com a escola paulista. Desde a utilização do concreto aparente até a organização da planta, percebem-se elementos que são constantes entre o repertório desses arquitetos.
Residência Giacinto Micales. Arquiteto Eurico Prado Lopes, 1975
Localizada entre os recuos obrigatórios em um terreno de esquina, a casa térrea apóia-se em quatro pilares de concreto aparente, implantados em forma de cruz, a partir dos eixos de simetria.
Assim como os pilares, a viga de borda obedece ao mesmo tratamento, qual seja uma forma feita com telhas de fibrocimento tipo “calhetão”. Esses elementos após serem desformados foram deixados aparentes, numa clara referência a escola paulista de arquitetura.
A casa é cortada longitudinalmente por um domo que além de iluminar e ventilar os banheiros, cria no estar um interessante jogo de luz.
O programa é bastante conciso, contando com dependência para empregados, três banheiros, cozinha e, totalmente integradas, as áreas de convivência e os dormitórios, que graças ao partido estrutural permite divisões feitas com armários ou painéis leves tipo biombos.
A piscina, parcialmente coberta pela projeção da laje de cobertura se integra com a área de estar principalmente pelo tratamento dado ao piso, que é de vidrotil em tons de verde em toda a casa. O piso é outro elemento de unificação dos ambientes. É também na piscina que “nasce” um dos pilares que estruturam a casa.
O fechamento ao exterior é feito com vidro temperado, que aliado ao projeto paisagístico, promove uma intensa integração exterior-interior, sem, contudo comprometer a privacidade, uma vez que os dormitórios se encontram voltados para o lote vizinho que é separado por um muro.
A casa, cujo fechamento original era feito por vidro temperado, guarda semelhanças com a residência Farnsworth de Mies Van der Rohe, uma vez que a integração com o exterior é total.
Apesar de um programa singelo, percebe-se neste projeto as preocupações do arquiteto com o desenvolvimento tecnológico na construção, principalmente no que diz respeito ao uso de elementos pré-fabricados nas formas.
Residência Cláudio Tozzi. Arquiteto Décio Tozzi, 1976
Para atender ao programa solicitado por seu irmão, que deveria ser apenas um local para um homem solteiro passar alguns dias na praia, Décio Tozzi projetou um cubo de 7 x 7 m, onde a sala ocupa todo o térreo e se abre para um terraço com uma pequena piscina ao fundo. A cozinha se resume a uma bancada com o essencial (pia, duas bocas para cozinhar e uma pequena geladeira), que se integra com o ambiente de estar.
O banheiro está em um volume que se confunde com um armário, não interferindo na composição desse grande ambiente de estar, que possui na face voltada para o fundo, pé direito duplo.
A ligação com o pavimento superior se dá por uma escada helicoidal pintada de branco, assim como todos os outros elementos desta casa. O dormitório, no pavimento superior, graças a painéis corrediços, pode ou não se integrar visualmente com o estar. Conjugado a ele há um pequeno ambiente de estar, que eventualmente pode receber hóspedes.
Para compensar uma implantação desfavorável o arquiteto cria uma grelha de concreto na fachada posterior que funciona como brise para o ambiente de estar.
A estrutura de concreto aparente evidencia a geometria da casa nos remete a Le Corbusier. O cubo, a essência do racionalismo corbusiano é aqui aplicada por Tozzi que, assim como seus contemporâneos da escola paulista aplicam em seus projetos os postulados do mestre suíço.
Residência James King. Arquiteto Paulo Mendes da Rocha, 1980
Esta residência é a segunda projetada por Paulo Mendes da Rocha para o Sr. James Francis King. Ao contrário da primeira residência em São Paulo, elevada do solo, nesta o arquiteto resolve o programa desenvolvido para o casal e cinco filhos, em um único pavimento térreo que se abre para os jardins projetados por Sueli Suchodolski.
A sala é tratada diferentemente do restante da casa. Uma grande laje nervurada apoiada em seis pilares de secção triangular destaca a sala dos dois pavilhões que abrigam os quatro dormitórios. Agrupados de maneira a preservar certo resguardo ao dono da casa, eles se agrupam em blocos opostos. Em um, próximo a rua, ficam os três dormitórios destinados aos filhos e hóspedes e no extremo oposto, o dormitório destinado ao casal, que é precedido de um pequeno estúdio que se abre para um pátio interno, totalmente isolado da movimentação que normalmente se instala em casas de praia.
Nesta casa, são usados vidros apenas na cozinha, pois o fechamento da sala é feito com grandes painéis de madeira pintados com cores distintas, vermelho para o lado de dentro e azul para o exterior. Esse artifício cria um interessante mosaico que se forma com a abertura desses painéis de vedação. Para o fechamento dos dormitórios o arquiteto cria um elemento inspirado no muxarabi: portas pivotantes se abrem para uma parede de elementos vazados que garantem a ventilação dos quartos, ao mesmo tempo em que asseguram a privacidade dos ocupantes.
Concebida dentro da dialética projetual de Paulo Mendes da Rocha, a residência James King possui todos os elementos do repertório do arquiteto, além de incorporar características de projeto e execução que a inserem no contexto de casas ligadas ao lazer.
Residência Gustavo Halbreich. Arquiteto Haron Cohen, 1985
Esta casa tem algumas particularidades que a tornam única entre os exemplares estudados na Praia de Pernambuco. Primeiramente, ela foi à última a ser executada, em função do excessivo tempo que durou a obra, 15 anos. Segundo pelo seu porte, 2.800 metros de área construída, sendo a única com três pavimentos no local. Por fim, por tratar-se de uma adaptação a uma casa já existente e projetada pelo arquiteto Ugo di Pace.
Concebida para o lazer, a casa durante a sua execução passou a ser um “laboratório”, pois o proprietário da obra é dono de uma construtora que executa imóveis de alto padrão e, dessa forma passou a adotar parâmetros de construção que fossem referência para as suas demais obras.
A casa então, foi executada a partir de um núcleo principal, já existente e com três pavimentos. Esse núcleo abriga e concentra a maior parte do extenso programa, que é complementado por um pavilhão destinado ao lazer, cujo elemento de ligação é uma arcada de concreto aparente com um apurado desenho de formas, que se volta para o lado do mar. Essa arcada envolve um jardim que foi um dos últimos projetos de Roberto Burle Marx e é o elemento de transição entre a casa e a Praia do Mar Casado.
Sem dúvida nenhuma o que mais chama a atenção nesta casa, além de suas dimensões, é o cuidado no processo construtivo quase obsessivo por parte dos envolvidos em sua execução.
A construção desta casa é emblemática no sentido em que parece fechar um ciclo que vai da sofisticação despojada de Warchavchik no pavilhão de praia dos Prado 40 anos antes, a ostentação que ela representa nos dias atuais.
Residência Rafael R. da Luz. Arquiteto Oswaldo Arthur Bratke, 1986
Neste projeto em um lote fronteiro ao Golf Club, Oswaldo Bratke, retoma as suas idéias de agenciamento de espaços tão bem explicitados em seus projetos no dos anos 40/50.
Usando um elemento recorrente em sua obra - a elevação da casa em relação ao lote - ele resolve o projeto em dois pavimentos, sendo que o nível onde se encontram os espaços técnicos e de serviços fica semi-enterrado, possibilitando com isso que a casa “flutue” em relação ao gramado do Golf Club, para onde se abrem as principais visuais.
E é no tratamento que se dá às áreas de convívio que se encontram as principais características do projeto. A sala de estar se comunica com um pátio interno e com um terraço que, graças a grandes portas de correr pode ou não se comunicar com o generoso espaço externo oferecido pelo clube.
A relação com o externo se dá de formas bastante distintas. Para a Rua das Mangueiras, a casa é totalmente isolada por um alto muro branco e para o clube ficam voltados sem nenhuma barreira física, com exceção à diferença de nível, a piscina e o grande terraço. Os pátios também têm tratamentos distintos: o da sala é aberto com um jardim de inspiração japonesa, enquanto o dos dormitórios oferece uma luz mais suave, filtrada por pergolados.
Os materiais empregados são simples: laje de concreto impermeabilizada, paredes de alvenaria totalmente pintadas de branco e caixilharia pintada de azul.
Sem grandes esforços construtivos, a residência se qualifica pelo seu correto agenciamento de espaços, pela sua sensível volumetria, que antes de interferir bruscamente com a paisagem, dela se cumplicia, criando uma atmosfera de total liberdade de utilização.
notas
1
Ver MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. Rio de Janeiro. Aeroplano/IPHAN, 2000.
2
Segundo Bruand, Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 1997, a obra de Warchavichik atinge em 1930 a sua consagração total e a partir dos anos 1935-1936, após a presença de Le Corbusier no Brasil, o seu papel passa a ser apenas secundário.
3
SEGAWA, Hugo. Arquitetura no Brasil 1900-1990. São Paulo, EDUSP, 1999, p. 160.
4
Deve-se ressaltar, que assim como Oswaldo Bratke que também adotou tais modelos, as referências estão muito mais ligadas com a organização de plantas do que com o uso de materiais industrializados que, aqui se limitavam, quando muito, a telhas de cimento amianto.
5
BRUAND, Yves. Op. cit., p. 294.
sobre o autor
Maurício Azenha Dias é arquiteto pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Santos (FAUS), mestre pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e professor de projeto arquitetônico nas Universidades Católica de Santos e Santa Cecília