A arquitetura espanhola atravessa uma fase de grande relevância mundial, para a qual muito tem contribuído a dupla Emilio Tuñón (n. 1958) e Luis Moreno Mansilla (n. 1959), que ganhou recentemente o Prêmio de Arquitetura de Espanha 2003 com o Auditório de León.
Estes arquitetos têm em comum a sua formação em Madrid, na mesma Escola onde lecionam desde 1986 (Escola Técnica Superior de Arquitetura de Madri), e terem vivido uma relação longa (8 e 10 anos) e marcante de colaboração com Rafael Moneo, figura tutelar da arquitetura espanhola equivalente a Siza Vieira em Portugal.
Fundaram em 1990 o estúdio Mansilla+Tuñón Arquitetos e porque a sua relação com a arquitetura vai muito além dos projetos que executam. Fundaram a cooperativa de reflexão Circo (1993) e a El Quinto Piso, Playground (1999, c/ Luis Diaz Mauriño). Participam ainda como professores convidados em eventos e cursos de arquitetura em diversas partes do mundo.
Para eles, a invenção na arquitetura ocorre sobretudo como reformulação de coisas ou léxicos anteriores. Isso supõe partilha cultural e capacidade de escutar.
Mais do que fruto de uma cultura ou gênio isolado, a construção de uma linguagem em arquitetura nasce de uma reflexão sobre coisas que estão à disposição de todos (ainda que integre, como é o caso, obsessões / lógicas particulares).
Por isso, apesar do seu trabalho ligado à dimensão teórica da arquitetura, gostam de afirmar que mais do que a procura de um claro fundamento teórico, preferem estar atentos às “coisas da vida“: os projetos que vêem, os edifícios que visitam, os livros que lêem, as palavras que escutam. Gostam de citar Frederico Garcia Lorca que dizia que as idéias “no son de nadie, están flotando en el aire como vilanos de oro, y cada generación los viste de un color distinto“. Um projeto é assim um processo onde podem convergir matérias diversas, muito para além de um programa funcional e um sítio. Cabe ao arquiteto estruturá-las, tecer vínculos entre as partes, e entre estas e a realidade onde o edifício se insere.
Os resultados obtidos por estes arquitetos são edifícios com uma forte identidade, que proporcionam leituras múltiplas e onde o sentido experimental está cada vez mais presente. Serão uma espécie de edifícios-lugar, ativadores de relações até então não reveladas nos contextos em que se inserem.
Estes são apenas alguns dos aspectos que caracterizam a obra deste ateliê e que de certo modo nos ajudam a entender o alcance do projeto do Auditório de León, próximo de cumprir a ambição confessada dos arquitetos: “fazer uma arquitetura que constrói os enquadramentos para conhecer através dela, não só do ponto de vista fenomenológico e espacial a paisagem ou a cidade, mas também para ver a vida. Procuramos que os edifícios nos ajudem a explicar como vivemos, a conhecer o que ocorre à sua volta“.
Auditório de León. Memorial
Luis Moreno Mansilla e Emilio Tuñón
O Auditório vira a sua cabeça de Leão para o esplêndido edifício do Hostal de São Marcos, e o seu rosto cubista constrói-se como um empilhado de janelas no qual aparecem duas ordens diferentes: o perímetro dos vãos que faz referência a uma geometria abstrata, e o vão interior de cada janela, fruto das necessidades do interior. Desta forma, o plano construído oscila entre um conjunto de janelas empilhadas, simultaneamente iguais e distintas, que espalham a dúvida sobre se o perímetro exterior é anterior ao empilhado ou produto deste. É, na realidade, um empilhado de indícios contrários.
O conjunto organiza-se em duas construções: o volume principal, continuando o traçado da cidade, acolhe a sala, e estende a sua secção até convertê-la em alçado. Um segundo corpo alberga as salas de exposições e roda o rosto para adaptar a sua geometria e altura à do Hostal de São Marcos, definindo um amplo salão urbano onde a cidade se encontra com o rio.
A sala, com uma lotação variável entre 600 e 1200 espectadores, configura-se como uma sala bifocal que possibilita o ver e ser visto orteguiano. Este espaço, de acústica variável, permite acolher atividades diversas; concertos, congressos, óperas, teatro, dança, etc. O interior da sala constrói-se com um só material, anéis curvados de madeira escura, configurando um espaço contínuo que toma a sua forma da exata definição técnica das paredes em função de uma acústica ótima e não da recordação de Jonas dentro da baleia, da qual só toma a sua aparente obscuridade.
Os acessos produzem-se diretamente a partir da cota de entrada, mediante um dilatado átrio que se abre para um pátio arborizado. Uma pequena construção alongada aloja a administração, configurando um pequeno umbral de acesso ou área de quietude que afasta os acessos do tráfego automóvel mais próximo. Na planta da cave, à cota do palco, situam-se os vestiários e os camarins iluminados por um pátio sobre o qual também se volta, sem vistas cruzadas, a cafeteria.
A estrutura do grande auditório é de betão branco e as fachadas estão revestidas com grandes peças de mármores travertino, como eco da origem romana da cidade de León.
ficha técnica
Obra
Auditório Municipal de León
Implantação
Avenida Reyes Leoneses, León, Espanha
Arquitectos
Luis M. Mansilla e Emilio Tunõn
Colaboradores
Andrés Pesqueiro; Fernando Garcia-Pino; Maria Linares e Matilde Peralta
Empresas consultoras
JG Asociados; Alfonso Gomés Gaite
Assessor acústico
Higini Arau
Design gráfico
Gráfica Futura
Maqueta
Juan de Dios Hernández e Jesus Rey
Acompanhamento da obra
Luis M. Mansilla, Emilio Tunõn e Andrés Regueiro
Mestres de obra
Santiago Hernán e Juan C. Corona
Data do concurso
1994
Data do projecto
1996
Final das obras
2002
Área de construção
9.000 m2
Construtor
Auditorio UTE / FCC/CRS
Fotografia
Luis Asín
notas
1
Publicação original: MATEUS, José. "O Leão cubista". Lisboa, Linha, encarte do Jornal Expresso, 22 maio 2004, p. 46-50.
sobre o autor
José Paulo Mateus, arquiteto, é sócio, com seu irmão Nuno Mateus, do escritório ARX Portugal.