O desflorestamento
Os bosques são um dos ecosistemas mais importantes e valiosos do planeta. A importância e o valor que eles possuem abrange aspectos ecológicos, climáticos, sociais e culturais. É impossível pensar no planeta Terra e a vida sem eles.
Todos os bosques em geral, em particular os bosques tropicais, desempenham um papel crucial no mundo:
- Eles albergam 60% da biodiversidade do planeta e em alguns deles existem espécies de plantas e animais que ainda não foram descobertos pela ciência;
- A existência dos bosques garante a presença de água, elemento vital para a vida; eles protegem as bacias e regulam a distribuição deste elemento pela superficie do solo.
- Junto com os oceanos, cumprem um papel fundamental na regulamentação do ciclo hidrológico;
- Eles acumulam carbono por meio do processo de fotossíntese, pelo qual resulta vital para balancear o dióxido de carbono presente na atmosfera e impedir o aumento do efeito estufa. Um hectare de bosque tropical pode neutralizar dez toneladas de dióxido de carbono ao ano. Calcula-se que todo o carbono armazenado em todos os bosques é dez vezes maior que todo combustível fóssil que foi queimado nos últimos cem anos;
- Constituem uma fonte importante de matérias-primas renováveis, como madeira, alimentos, ervas medicinais, etc...
- Muitas civilizações indígenas e povos dependem dos bosques, já que estes proporcionam refúgio, alimentos, medicinas e outros produtos; além disso, em torno deles foram fundados seus valores culturais e espirituais. É o único lugar possível para estes povos, que não podem viver sem os bosques, pois desapareceriam; isto implica também na desaparição de sua cultura, sua língua e seus conhecimentos.
- Os bosques também têm um significado cultural para a maioria das civilizações do mundo.
Lamentavelmente os bosques estão desaparecendo por ação do ser humano. Estima-se que já foi destruído cerca de 80% dos bosques primários (1) do mundo e que da superfiície dos bosques original do planeta, menos de uma quinta parte permanece em seu estado natural.
Nos últimos 20 anos já foram perdidos 200 milhões de hectares e atualmente próximo de 15 milhões de hectares são destruídos anualmente. A África perde cerca de 4 milhões de hectares de bosques por ano e os bosques da África Ocidental já foram totalmente eliminados. A Europa perdeu grande parte de seus bosques durante o século XIX. Na América do Norte, milhões de hectares já foram arrasados pelo corte rasteiro. Em lugares como na América Central a taxa de desfloretamento é de 48 hectares por hora. Se continuar assim, calcula-se que dentro de 44 anos não mais existirão bosques nessa região. Na Amazônia o maior bosque primário da Terra, o desflorestamento de seu território avança rapidamente.
As conseqüências do desflorestamento são completamente negativas de todos os pontos de vista. O desflorestamento implica na desaparição de espécies animal e vegetal, devido à perda de seu habitat. Incide negativamente na conservação da água, originando inundações ou secas. Provoca a erosão do solo, assim como também o aumento de sua temperatura. Como conseqüência, rompe-se o equilíbrio ecológico. Todo isto prejudica nos povoados vizinhos as atividades como a agricultura, o gado e a pesca.
Também ocasiona um desequilíbrio ao ciclo hidrológico e ao clima global. O efeito estufa aumenta com o desflorestamento, pois diminui a quantidade de árvores disponíveis para captar o dióxido de carbono da atmosfera. Os bosques, ao serem incendiados ou cortados, liberam o carbono que já tem acumulado em forma de dióxido de carbono, assim a concentração na atmosfera deste composto aumenta, justamente o composto que mais contribui para o efeito estufa. Estima-se que o desflorestamento constitui um terço de todo o dióxido de carbono que a atividade humana libera na atmosfera. Desflorestamento e mudanças climáticas estão intimamente relacionados.
Do ponto de vista social e cultural, para os povos e comunidades indígenas que habitam e dependem dos bosques, o desflorestamento significa a perda de sua fonte de sobrevivência e traz consigo a desnutrição, o aumento de doenças, o êxodo e até a possível desaparição da própria comunidade.
As causas do desflorestamento se podem dividir em duas, as causas diretas e as causas indiretas. Entre as principais causas diretas estão:
- A exploração madeireira dos bosques. A madeira quando se leva a cabo com fins indústriais, se realiza em grande escala, convertindo-se em uma das principais causas de desflorestamento a nível mundial;
- A substituição dos bosques para a agricultura e o gado. O solo dos bosques é um solo pobre para ditas práticas, por que aos poucos anos se converte em uma terra totalmente degradada;
- A urbanização;
- As minas e a atividade petroleira;
- A construção de infraestruturas, represas hidroeléctricas onde se inundam áreas de bosques, estradas, etc.;
- Os incêndios florestais;
- A chuva ácida.
As causas indiretas são aquelas permitem que as causas diretas existam. Algumas delas, dentre muitas outras, são:
- Os modelos de produção e consumo, que originam uma grande demanda de madeira, principalmente nos países desenvolvidos;
- Políticas econômicas e sociais equivocadas, algumas delas estimulando a substituição dos bosques pela agricultura e pelo gado em larga escala, com fins de abastecer o mercado internacional, outras, ao contrário, forçam a muitos trabalhadores rurais pobres a destruir os bosques para poder cultivar a terra e sobreviver;
- A industrialização incontrolada que provoca contaminação e ocasiona as chuvas ácidas.
A madeira certificada
Conscientes dos problemas do desflorestamento e suas conseqüências, em 1993 se reúnem em Toronto, Canadá, representantes de organizações ambientalistas, organizações indígenas, indústrias madeireiras, comerciantes de produtos florestais e outros grupos e instituições, pertencentes a 25 países. Criaram o sistema de certificação florestal FSC, cujas siglas em inglês significam Forest Stewardship Council (Conselho de Administração Florestal), com propósito de melhorar o manejo dos bosques para tentar salvar o planeta do desflorestamento.
A certificação florestal é um sistema de monitoramento que certifica que os produtos de origem florestal foram extraídos de bosques após manejo adequado do ponto de vista ambiental, econômico e social, a partir de certos standards estabelecidos. Garante que os produtos certificados não contribuem para aumentar todos os problemas que giram em torno dos bosques e do desflorestamento. Os produtos certificados recebem uma etiqueta com um selo. A certificação é um sistema técnico, independente e sem fins lucrativos.
Ainda que a madeira certificada seja mais cara do que a não certificada, a certificação assegura benefícios ambientais, econômicos e sociais tanto para os produtores e consumidores de produtos florestais, como para toda a humanidade.
Hoje em dia existem diversos sistemas de certificação, tanto regionais como nacionais (Pan European Forest Certicate – PEFC, Canadian Standard Association – CSA, etc.), porém é o FSC o mais importante e reconhecido dentre eles, e é o único aplicável a nível internacional.
Sem dúvida, para muitas ONG a certificação não vai na direção correta, já que se concentra basicamente na maneira de devastar e depende de que os consumidores queiram comprar madeira certificada para que o sistema seja vitorioso, quando realmente se deveria tratar de reduzir o excessivo consumo de madeira no mundo. De toda maneira, se pode dizer que a certificação é ao menos uma iniciativa para tentar solucionar os problemas existentes.
A arquitetura
À primeira vista a arquitetura não parece relacionada com o relato acima exposto. Na realidade, está e de maneira significativa. Nos países industrializados da América do Norte, na Escandinávia e em muitos países do Pacífico, a madeira é o material mais utilizado para a construção de casas. Por outro lado, a madeira sempre é usada de diversas e variadas maneiras, em todas as etapas do processo construtivo e em todo o mundo.
De acordo com o World Watch Institute de Washington, 25% da madeira anualmente extraída das florestas são destinados à indústria da construção. É evidente então que a arquitetura ocupa um papel importante na demanda de madeira, portanto tem sua cota de responsabilidade no processo de desflorestamento. Portanto, a arquitetura pode contribuir de forma significativa na diminuição e prevenção deste processo.
Mas como pode a arquitetura ajudar a combater o problema do desflorestamento e suas conseqüências? De diversas maneiras e ao longo de todas as etapas do processo arquitetônico, desde a etapa do desenho, durante a etapa construtiva do projeto, até o final da vida do edifício. Algumas medidas podem ser tomadas para minorar tais efeitos e algumas delas são:
- No memorial de projeto as especificações técnicas devem exigir o uso de madeira certificada;
- Durante o processo de construção se pode elaborar um plano para separar todos os desperdícios produzidos, entre eles os recortes de madeira, e enviar este material às fábricas de reciclagem;
- É possível realizar novas edificações aproveitando certos elementos de antigas construções. Elementos estruturais, pisos, janelas e outros elementos de madeira que ainda estão em bom estado em edifícios abandonados, podem ser readaptados a novos projetos e geralmente podem ser adquiridos a baixo custo.
- Em projetos de reciclagem e remodelação, tratando de salvar e utilizar a maior quantidade possível de elementos de madeira existentes em um edifício.
- Quando se realiza uma demolição é importante ver que os elementos podem ser resgatados para ser reutilizados em outros projetos. Esta medida, em conjunto com as três anteriores, diminui a demanda de madeira nova.
- Na medida do possível, quando se projetam novos edifícios ou urbanizações, o desenho pode adaptar-se as árvores existentes e incluí-las no projeto, ao invés de cortá-las, limpando totalmente o terreno.
- Pode-se substituir a madeira por outros materiais alternativos que se encontrem na região. Por exemplo: em muitos países existe bambu abundante, importante material de construção, ainda mais se levarmos em conta que um pinheiro demora 40 anos para produzir em metro cúbico de madeira e o bambu aos 5 anos já produz material utilizável, o que torna evidente que o uso deste último é uma opção muito mais sustentável.
Aplicando estas medidas, a arquitetura contribui para a diminuição da desflorestamento.
Salvar o mundo do desflorestamento e suas terríveis conseqüências, não se consegue somente aplicando umas poucas medidas, porém se com a soma de todas as pequenas medidas isoladas que cada habitante do planeta pode realizar em seu fazer diário e em sua atividade profissional. Os profissionais da arquitetura terão a possibilidade e a responsabilidade de contribuir com um grão de areia na busca desse objetivo.
nota
1
Bosques primários são aqueles que existiram sem a perturbações humanas significativas a outros tipos de distúrbios durante períodos de tempo maiores ao período normal da vida de árvores adultas.
referências bibliográficasBARNETT, Dianna Lopez; BROWNING, William D. A prime on sustainable building. Rocky Mountain Institute, 1999.
FALCK, Nelly Belinda. Nuevas alternatives en materiales para construcción y en la protección del medio ambiente, dez. <www.monografias.com>.
Greenpeace <www.greenpeace.es>.
Movimiento Mundial por los bosques tropicales <www.wrm.org.uy>.
Revista Enviromental Design + Construction, Volumen VI, n. 7, nov./dez., 2003.
ROODMAN, David M.; WORLDWATCH, Nicholas Lensen. A building revolution, paper 124 – World Watch Institute, mar. 1995.
WWF – World Wildlife Fund <www.wwfca.org>.
sobre o autor
Luis Bentancor é arquiteto e reside em Miami, Flórida, Estados Unidos.