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architexts ISSN 1809-6298

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O artigo aborda a história do edifício de Lelé para abrigar a Prefeitura Municipal de Salvador: desde a escolha do terreno e técnica construtiva, até a recente polêmica sobre sua desmontagem e reflexos atuais


how to quote

HORSCHUTZ, Alessandra. E se não tivéssemos o Palácio Thomé de Souza? Arquitextos, São Paulo, ano 06, n. 070.06, Vitruvius, mar. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.070/372>.

As dúvidas, contradições e comentários que envolvem a arquitetura e a loclização do edifício sede da prefeitura da cidade de Salvador são inumeras. Muito já se escreveu e muito já se comentou. Mas e se não tivessemos o Palácio Thomé de Souza?

Uma das obras mais polêmicas do arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, e por este mesmo motivo complexa, localiza-se na Praça Municipal no centro de Salvador, próximo ao local onde a cidade foi fundada e à diversas construções da época do império (perto principalmente da área do Pelourinho, renovada na década de 80). Este edifício se destaca pelo estilo arquitetônico e forma tão diferentes do seu entorno urbano, e pelas diversas opniões controversas, decorrentes de sua construção.

A história

Em 1986, durante a gestão do então prefeito Mário Kértesz, a prefeitura tinha como objetivo transferir a sede do poder municipal do Engenho Velho de Brotas para um prédio histórico, próximo aos prédios que sediavam os demais poderes públicos locais. Enquanto não “achassem” este prédio, provisóriamente, seria construído um edifício para prefeitura na praça Municipal. Assim, após ser convidado pelo governo municipal e após aprovações formais do Iphan local, o arquiteto João Filgueiras Lima projetou um edifício de caráter provisório, que foi erguido em 12 dias, e inaugurado em 16 de maio de 1986, com um programa simples, mas que respeitasse determinados requerimentos técnicos, arquitetônicos e urbanos. O edifício que deveria permanecer no local por 6 meses, até o município decidir em qual casarão desocupado ou que precisasse de restauração sediaria definitivamente a prefeitura, permanece erguido no mesmo local até hoje (figura 1).

O terreno

Foi escolhido um terreno dentro da Praça Municipal, também chamada de Praça dos Três Poderes, porque ali também estão localizados o Palácio do Rio Branco e o edifício sede da Camara dos Vereadores. A construção de Lelé está centrada em um terreno que somente possuia uma laje e um estacionamento subterrâneo, em frente à um estacionamento amplo (figura 2), e totalmente rodeada por prédios públicos e igrejas de arquitetura neoclássica. A região é bastante movimentada, cartão postal da capital bahiana e corredor de passagem para quem pretende rapidamente trafegar entre a Cidade Alta para Cidade Baixa. Neste contexto, Lelé propõe um prédio de volumetria simples, pós-moderno, de gabarito baixo, mas que permita que o passante admire tanto sua obra quanto continue admirando a paisagem da Baía de Todos os Santos.

Uma curiosidade é que este terreno que já abrigou a construção da primeira biblioteca pública do país, era popularmente chamado de “Cemitério de Sucupira”: um platô, sem nenhuma previsão de construções, que fazia com que a população se lembrasse do fato de que na novela da época “O Bem Amado” o prefeito queria inaugurar um cemitério, mas ninguém morria na cidade...

A construção

Por causa de seu carater temporário, a construção foi totalmente industrializada: toda estrutura é metálica, pré-fabricada em aço autoprotegido pela própria oxidação, para previnir do salitre (originalmente não era prevista aplicação de pintura nas peças externas, mas hoje todas as peças estão pintadas). Pelo mesmo motivo, e para diminuir o tempo da construção, esta estrutura é aparafusada ou feita de encaixes, uma característica comum em várias outras obras do arquiteto.

Como uma das premissas do projeto era que a garagem subterrânea existente não fosse demolida, todos os pilares são apoioados na estrutura da mesma. Assim, definiu-se aos vãos entre os mesmos e que cargas suportariam. Estes pilares foram construídos em dois níveis, ambos com seção tubular para conduzir a água da cobertura. A cobertura é metálita com quatro águas, escondida pela estrutura da fachada. A estrutura simples dos pilares se repete na horizontalidade: há um vigamento principal no sentido longitudinal, e um vigamento secundário no sentido transversal. As lajes são em aço pré-fabricado.

O projeto

A construção é composta por um volume retangular de dois pavimentos, elevado sobre o platô existente, onde o primeiro nível é composto pelo “pilotis” do platô (onde há feira de artesanato local abaixo da edificação), por uma pequena recepção e pela torre de serviços. Esta área pública do platô é um vão livre que, pela altura da edificação, permite que o público contemple a paisagem da Baía de Todos os Santos. Neste mesmo nível, ao redor de toda edificação, estão as escadas de acesso da praça municipal ao platô e a rampa de acesso à garagem subterrânea (que também tem acesso pela escada da torre de serviços).

Há três acessos que interligam os dois pavimentos. O acesso principal ao segundo piso é feito por uma escada metálica larga que chega a um palanque, localizado de frente para praça Municipal (Figura 3), e de onde o prefeito dircusa para o público. Entre o palanque e a recepção do segundo pavimento há a continuação da escada metálica, entretanto mais estreita. O segundo acesso é feito por uma escada helicoidal (figura 4), numa pequena recepção completamente fechada por vidros, localizada próximo ao palanque, no primeiro intercolúnio da estrutura. O terceiro e último acesso é de serviço, feito através de uma torre de serviços que liga a garagem subterrânea, os 2 pavimentos e a casa de máquinas.

No pavimento superior há a recepção principal com sala de espera (figura 5) e acesso à circulação central do edifício (figura 6). Através desta circulação, podemos chegar: aos ambientes de apoio administrativo, às salas de reuniões, ao gabinete do prefeito com anexo de sala de repouso e sanitário individual, aos sanitários masculino e feminino, à copa e ao acesso a torre de serviços.

Externamente a torre de serviços é diferenciada na sua cor verde (figura 7), e as cores da fachada pricipal, azul e vermelha, remetem as cores da bandeira da cidade de Salvador. As quatro fachadas são em vidro comum, com proteção em “brises soleil” horizontais em chapa metálica pintada. Todas as instalações hidráulicas e elétricas são aparentes aparentes, sejam na laje do pavimento superior ou no interior da construção (tomadas e interrupetores). Assim como as demais instalações, todos os dutos de ar condicionado são aparentes, e foram instalados externamente na cobertura. As máquinas de ar condicionado ficam instaladas no topo da torre de serviços, e a distribuição e retorno do ar são feitos pela cobertura e pelo elemento metálico redondo amarelo no topo da construção, localizado exatamente em cima da circulação central interna. Todos estes aspectos facilitaram muito a construção.

Posteriormente à construção, foi realizado um trabalho paisagístico e com bancos na área pública ao redor da edificação. Além disso, foi construída uma cobertura para o acesso ao anexo da Camara Municipal posteriormente a edificação de Lelé, e que possui volumetria e materiais que remetem à sede da prefeitura.

A polêmica

Há 18 anos a obra de Lelé gera dúvidas ou reflexões na mente de quem mora em Salvador ou para quem simplesmente passa ou ouve falar da sede da prefeitura. Solicitado para realizar um projeto de um edifício temporário, Lelé levou em consideração diversas características técnicas (já levantadas posteriormente neste texto) que dariam o tal carater provisório à construção, permitindo que a mesma pudesse a qualquer momento ser desmontada e transportada para outro local. Ao mesmo tempo o arquiteto não esqueceu que, mesmo provisóriamente, esta obra teria um impacto visual importante para cidade, e por isso projetou um prédio que respeitasse a vista e a paisagem da Baía de Todos os Santos, mantendo livre e público o vão abaixo da construção.

Em entrevista ao jornal local A Tarde, publicada em 16 de abril de 2005 (1), João Filgueiras Lima ressalta sua opnião perante sua obra, e diz que o prédio não tem nada de errado.

“Minha intenção era a de respeitar a volumetria e que de certa forma estabelecesse um diálogo com o Palácio do Rio Branco e valorizasse a Câmara. […] Apesar de ser um prédio transitório, ele respeita todas as questões urbanísticas que ainda defendo hoje. […] Hoje acho que o prédio não tem nada de errado. E se chegar a uma conclusão que está completamente errado, prejudicando todo o Centro da Cidade aí tem que tirar. Mas essa não pode ser uma avaliação feita por um juiz. Ou você acha que agora é um juiz que avalia toda a questão de urbanismo?” (2)

Nesta mesma matéria, o jornal A Tarde (3) entrevistou o juiz João Batista de Castro autor de uma sentença que determina a retirada do prédio de Lelé da praça Municipal num prazo máximo de 6 meses, prazo este que venceria em março de 2005. Nesta entrevista, o juiz substito da 7ª vara Federal da Bahia, explica os motivos de sua sentença, que foi baseada no Artigo 216 da Constituição Federal (Lei de proteção ao patrimônio histórico nacional) e no parecer de uma perícia realizada por profissionais das áreas de desenho industrial, arquitetura de interiores, arquitetura e programação visual, que atesta o carater provisório da obra e detecta que a volumetria do prédio é conflitante e concorrente com seu entorno.

Há várias manifestações e publicações contra e a favor da retirada do prédio de Lelé da praça Municipal de Salvador.

Em 27 de novembro de 2004 (4), arquitetos, professores universitários e estudantes de arquitetura se uniram e abraçaram o prédio da prefeitura para contestar a decisão judicial, apoiar a obra e o arquiteto autor do projeto. Segundo o professor Márcio Campos da Unifacs de Salvador, um dos líderes do movimento “Não dá para sustentar o retorno a uma época. Este edifício do jeito que está, também está criando história, como os outros ao redor.” (5)

O presidente do Instituto dos Arqutietos da Bahia e autor do projeto de reforma do Elevador Lacerda, Daniel Colina, de diz contra a decisão judicial. Segundo ele “o problema é abrir um precedente para o Judiciário julgar nosso trabalho”. (6)

Segundo o arquiteto Armando Branco, conselheiro do CREABA, sugere que seja feito um plebiscito sobre o assunto, e que apesar do prédio ter sido feito para durar pouco “a edificação já está incorporada a cidade. Armando explicou que conceitos e teorias arquitetônicas permitem o uso de materiais contemporâneos de forma que se mantenha a mesma volumetria das construções antigas” (7).

Já o jornalista Jorge Calmon faz duas sitações que podem gerar reflexões muito importantes. “Salvador é uma cidde pobre, de baixíssimo índice de renda per capita, não podendo, assim, se dar ao luxo de pôr abaixo prédios públicos indispensáveis à hospedagem de serviços. [...] Por isso, atrevo-me a sugerir a preservação da construção aparafusada” (8). Em outro trecho, Calmon sugere: “Já que entendem que compromete a harmonia arquitetônica do logradouro, então que a transportem para um dos bairros da Cidade, para ser hospedaria, escola, posto de saúde ou repartição burocrática” (9).

Independentemente de opiniões individuais ou de classes, não se pode julgar a importância da construção de uma obra arquitetônica ou afirmar se esta obra “deveria ou não” ser construída, sem antes conhecer e analisar os aspectos históricos, técnicos, sociais e econômicos que a nortearam. Assim como não se pode julgá-la unilateralmente, sem ouvir todas as partes envolvidas, sejam elas públicas ou privadas.

Em maio de 2005 a sentença do juiz federal continua suspensa e a obra de Lelé continua no mesmo local, entretanto com visíveis aspectos de necessidade de maios ou melhor manutenção.

Os reflexos

Voltando à obra, posteriormente a implantação do edifício, foram instalados insulfilme em quase todos os vidros da fachada (exceto pela copa), conferindo ao edifício um aspecto de caixa de vidro refletiva. Não podemos negar que muitas obras pós modernas, principalmente pelo material vitrificado comunmente utilizado nas fachadas, refletem a paisagem do entorno. E este é o caso do edifício da Prefeitura de Salvador: todas as construções neoclássicas da Praça Municipal podem ser observadas através da fachada da prefeitura (figura 8).

Adicionalmente, a própria cidade se encarrega de realizar construções que caracterizem a integração urbana. Hoje é possível observar ao lado da construção a existência de um anexo que lembra e muito o edifício de Lelé: forma circular como no topo da prefeitura, e acabamentos em vidro (figura 9).

Por outro lado, também não podemos negar que, apesar de possuir um programa muito simples para edifícios administrativos, o partido desta obra e cada item alí inserido possui sua função e forma bem definidos, mesmo que inseridos posteriormente a 1986: seja no vão sob o prédio que permite que a paisagem fique livre para admiração pública, ou seja pelo insulfilme instalado nos vidros que provavelmente foram consequência de uma necessidade térmica da construção.

Se há uma polêmica que esta construção agrida ou não o patrimônio histórico do local, a vista de outros edifícios em sua fachada gera mais uma dúvida: se estes reflexos incorporam o edifício da praça municipal ou repele a construção.

Em meio a toda essa complexidade de forma e função, e considerando a pouca informação arquitetônica divulgada em São Paulo sobre esta obra; e considerando que prédios de escritórios, administrativos ou não, públicos ou privados, sempre envolvem alto poder decisório e altos valores de capitais; nenhum projeto deste tipo de construção deve ser planejado, analisado ou julgado sem que ao menos haja um forte trabalho envolvendo não somente arquitetos, engenheiros, donos do capital e demais profissionais envolvidos no projeto, mas também envolvendo o interesse do público que utilizará o espaço.

Será que seria melhor deixar o “Cemitério de Sucupira” vazio? (figura 10)

Eu penso que não!

notas

1
LIMA, João Filgueiras. Depoimento. In WEINSTEIN, Mary. “Instituto quer o Thomé de Souza de pé”. A Tarde, Caderno Local, 16 abr. 2005. Salvador, 2005.

2
Idem, Ibidem

3
CASTRO, João Batista. Depoimento in WEINSTEIN, Mary. Op. cit.

4
REIS, Pablo. “Arquitetos protestam contra a decisão de demolir prefeitura”. Correio da Bahia, Salvador, Caderno Aqui Salvador, 28 nov. 2004, p. 12.

5
CAMPOS, Marcio. Entrevista. In REIS, Pablo. Op. cit.

6
COLINA, Daniel. Entrevista. In REIS, Pablo. Op. cit.

7
BRANCO, Armando. Depoimento. In FERREIRA, Carla. “Justiça quer desmontar prefeitura”. A Tarde, Salvador, Caderno Local, 18 out. 2004.

8
CALMON, Jorge. “O destino da Prefeitura”. A Tarde, Salvador, Caderno Local, 12 out. 2004.

9
Idem, Ibidem.

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