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architexts ISSN 1809-6298


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O trabalho de Mario Lasar Segall discute estratégias de ensino e aprendizagem mais elaboradas que contribuam para a formação dos estudantes; entre elas, está a modelagem em arquitetura


how to quote

SEGALL, Mario Lasar. Modelagem tridimensional real e ensino de arquitetura. Ferramenta de projeto e construção de repertório. Arquitextos, São Paulo, ano 08, n. 091.07, Vitruvius, dez. 2007 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.091/186>.

Este artigo baseia-se em um estudo realizado em 2006, dentro do núcleo de pesquisa “Meios de representação e expressão arquitetônica, urbanística e paisagística” da FAUMack. Tem origem nas preocupações conceituais do autor e de seu colega Prof. Ms. Arq. Artur Rozestraten (2), frutos de suas experiências acadêmicas. O intuito é elaborar e aprimorar estratégias de ensino e aprendizagem, que permitam aos (às) estudantes utilizar instrumentos de criação e desenvolvimento de idéias para sua formação, bem como aprofundá-los para sua futura utilização profissional.

Modelagem em arquitetura é primordialmente um meio de expressão e representação de idéias dentro do processo de concepção arquitetônica. Por um lado, esse meio permite ao (à) estudante materializar suas idéias propiciando uma tangibilidade única à idéia, uma proximidade singular entre espaço proposto em escala e os sentidos humanos, além da descoberta de materiais que, combinados, ampliam o leque de escolhas de elementos expressivos e representativos. Por outro, contribui para que o (a) estudante “desconstrua” obras e intervenções arquitetônicas de seu interesse e, por meio da síntese, busque as “origens”, tentando recuperar o percurso do autor, desvendando suas intenções projetuais, interpretando conceitos e enriquecendo seu repertório.

Esse entendimento representa um esforço de explicitar que o fazer com reflexão tem o potencial de resultar no saber, superando as idéias superficiais de que maquetes e modelos são produtos finais, de que suas características devem seguir padrões e, sobretudo, de que esta é uma atividade puramente técnica e mecânica. Por preconceito ou desconhecimento, tais opiniões estão fortemente presentes tanto na prática profissional como no meio universitário.

Pressupostos teóricos

A noção de modelagem neste estudo é mais ampla do que aquela que parece ser comumente aceita na maioria dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo no Brasil, onde a tônica recai muito mais na produção de imagem para um consumidor passivo do que de espaço, muito mais em impacto imediato do que em cultura entendida como humanização do conhecimento, muito mais em quantidade do que em qualidade. Isso sugere que vivemos no bojo da lógica de um sistema de relações que produz obsolescências aceleradas, depreciando a criação original e a manutenção e longevidade do que criamos. A modelagem, ao contrário, deve ser utilizada como meio de expressão da criatividade e da imaginação, entendidas em um contexto de máxima liberdade possível de escolha, de descoberta. Sem isso, só nos resta a mediocridade da sociedade de consumo globalizada e massificada, em que o pensar tem sido desqualificado (3), uma sociedade que é, por essência, “afirmativa: depois de sujeitar os gostos ao menu de escolhas que oferece, naturalmente tem um menu para todos os gostos” (4).

A formação profissional não se concretiza no mero repasse de conhecimentos científicos rigorosos elaborados em um nível acadêmico superior, cristalizando-se em um treinamento “competente” acerca de soluções prontas para problemas antecipados. Deve, alternativamente, fomentar a experimentação, ser capaz de lidar com a imprecisão e com a incerteza, encorajar a reflexão e a produção de conhecimento simultaneamente à ação (5). Deve buscar alternativas por meio da investigação, da formulação de problemas (6), do teste nos processos de ensino e aprendizagem. De alguns anos para cá, tem-se lentamente disseminado o entendimento de que os (as) estudantes devem aliar sua capacidade intuitiva a uma habilidade intelectual, reflexiva, buscando, assim, soluções próprias e, se possível, o novo.

A modelagem deve ter função epistemológica (7). A possibilidade da materialização de noções intelectuais enquanto elas são elaboradas, com materiais inesperados, provocando as mais diversas sensações, permite as transformações, o aprofundamento e a lapidação de conceitos e a aproximação cada vez mais profícua entre essas noções e sua realização. Conceito este que não é idealista, como se fosse a cristalização da idéia total na mente, com um único sentido, em que sua expressão e representação só ocorressem a posteriori em algum suporte (papel, computador ou espaço real), em um movimento unidirecional autor-fruidor. O conceito deve ser entendido como a “chave da apropriação e da compreensão do objeto arquitetônico”, propiciando o surgimento de mais de um sentido; uma articulação entre o passado e o futuro e vice-versa por meio do projeto. “Não há percepção que não ative uma rede de conceitos que procura dar sentido àquilo que é percebido [sendo, assim, uma] reflexão sobre a própria existência” (8). Não existe, pois, a divisão entre a teoria e a prática. Esta alimenta aquela simultaneamente, no que é a essência dos processos criativos. “Não basta termos uma idéia, mas proporcionar o encontro entre a idéia e a construção” (9).

Modelagem real não é simples explicação da idéia. Ela é essencial em qualquer estágio, tanto na comunicação de quem cria consigo mesmo, como entre este e seus interlocutores. Ela está dentro do processo que dá sentidos ao conceito, que só pode se realizar quando da interação com o ‘outro’ (10). A criatividade não pode prescindir de repertório. Tampouco talento e competência crítica chegam prontos e acabados à universidade. Precisam ser desenvolvidos e enriquecidos. A modelagem real se presta a isso. Não a tecnologia ou a ferramenta em si, mas seus usos, cultural e socialmente organizados, mediados por um sujeito, naquele momento, mais experiente, o professor.

Modelos tridimensionais reais

Modelos são representações tridimensionais reais, em escala exata ou aproximada, com características diversas. São utilizados quando da necessidade da realização física no espaço de algum conceito surgido da elaboração intelectual, passível de alteração e com o fim essencial de estudo, auto-esclarecimento ou comunicação com terceiros (em sentido construtivo, não transmissão vulgar de idéias). A modelagem real tem uma linguagem própria. Deve manter referência rigorosa e permanente com a função e o objetivo originais que motivaram sua confecção para conseguir comunicar, expressar e representar a essência da idéia, ainda que de modo introdutório: “Esta modelagem investigativa produz modelos provisórios, efêmeros, transitórios, que podem ser feitos com materiais de ocasião diversos, integrados em um processo relativamente grosseiro, sem detalhes e sem acabamento, como esboços tridimensionais de uma ‘forma em construção’” (11).

A modelagem deve, pois, revelar capacidade de síntese, não somente como apoio à representação, mas fundamentalmente à análise (12). Costa (13) menciona a história dos mapas para comentar sua importância no estudo do urbanismo e da arquitetura, de onde se pode adaptar algumas noções ao caso da modelagem:

“Não somente dirá algo sobre aquilo que representa, mas também daquele que representa. O fundamental é a característica de síntese, somente possível através de um meio visual. Possibilita descrever elementos conceituais integrados a elementos estruturais.”

Modelagem inclui metodologia, planejamento e habilidade técnica nas escolhas de suas características e componentes sensoriais. Afinal, cada característica física ou mecânica de qualquer material causa um efeito. E uma mesma idéia pode ser expressa ou representada de várias maneiras ou em partes, e sua expressão ou representação mais apropriada sempre irá depender dos aspectos que se deseja destacar dela. Esses aspectos refletem as intenções expressivas e representativas do idealizador (14), as quais estão sujeitas a contextos e relações econômicas, sociais e culturais. O projeto arquitetônico não está finalizado na mente, onde, obviamente se origina. Longe da noção de ‘gênio criador’ cultuada por alguns grandes nomes da arquitetura, um número cada vez maior de evidências demonstra que o projeto é, de fato, o resultado de um longo processo de gestação (15). Rozestraten (16), referindo-se ao desenho, expõe essa idéia:

“O desenho exige um tempo para que o olho percorra o que é desenhado. Esse tempo de construção do desenho é necessário para a apreensão da forma visível e para a construção da forma gráfica. O ato de percorrer com o olhar o que se desenha, enquanto a mão constrói a imagem, modifica profundamente a compreensão da existência material das coisas, pois essa concentração necessária ao desenhar constitui uma situação reflexiva que reinaugura a forma das coisas”.

O projeto precisa de seus vários meios de expressão e representação para ser gestado. No caso da modelagem real o horizonte se amplia. O ser humano pode ver o objeto de muitas formas a partir de seu repertório inicial, daquilo que conhece e sabe, e pode, nesta experiência, modificar, transformar, confirmar posições, selecionar o que quer ver e, mais importante, ‘como’ quer ver. Suas conclusões e a sua produção de sentido serão guiadas e informadas por essa lenta e gradual experiência de modo mais profundo. Enquanto observador (a), ele (ela) percebe os volumes e texturas na sua essência, sente movimentos, aromas e sons, e circunda o objeto de acordo com seu foco pessoal. Ele (ela) tem a possibilidade de escolher as perspectivas e passear (ou “viajar”) pelo objeto, em uma experiência externa, real. Enquanto participante, tem a possibilidade de concretamente tocar e alterar o objeto como desejar, reproduzindo o artefato de acordo com seus sentidos. Quanto maior for o grau de interação entre idéia e o (a) observador (a)-participante (fruidor), maior será o estímulo intelectual. É isso que promove uma leitura mais completa, sofisticada e detalhada de uma idéia. A representação tridimensional real aumenta a tangibilidade, a proximidade, o domínio natural de perspectiva. Não é por outra razão que, se por um lado, esta é uma atividade eminentemente material, por outro ela é extremamente sensível e intuitiva, envolvendo criatividade e imaginação, bem como uma grande e permanente dose de reflexão.

Não se trata de propor um julgamento de valor sobre outros meios de expressão e representação, mas sim de vê-los como instrumentos com linguagens, potenciais e características específicas que podem ou não ser divididas entre si. Conforme muda a função de uma manifestação artística mudam suas formas de representação. Estas devem ser examinadas criticamente com o intuito de estabelecer sua complementaridade dentro de um espírito de colaboração e construção (17).

Qualquer que seja o meio, uma pintura, uma foto, um desenho, uma palavra, uma imagem virtual, um gesto, um modelo real, todos serão sempre interpretações da idéia, e, portanto, uma tentativa particular de exploração da realidade. Qualquer uma delas exige escolhas, opções e um alto grau de abstração, de acordo com pontos de vistas e repertórios particulares, e construções ideológicas individuais.

O objeto e o estudo

O objeto é o edifício do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, MASP, projetado pela arquiteta Lina Bo Bardi, cuja construção se iniciou em 1956 e inauguração se deu em novembro de 1968.

O estudo tem cunho qualitativo. O aprofundamento do processo foi priorizado sobre uma visão homogeneizadora do resultado acadêmico. Procurou-se encontrar um indivíduo que ainda estivesse ‘tateando’ seu novo terreno (2º semestre – E2), outro que estivesse adaptado a este ambiente (5º semestre – E5), e por fim outro que já tivesse absorvido a carga de conhecimento, processos e hábitos produzida e disseminada no curso (8º semestre – E8). O intuito foi examinar como estudantes com estas cargas e experiências pessoais e acadêmicas diversas lidam com o mesmo desafio. Os estudantes não tiveram contato uns com os outros ou com os trabalhos de seus colegas até o último estágio do processo de investigação, o debate final. As etapas, realizadas na oficina de maquetes e modelos do autor deste estudo, foram:

a) levantamento crítico do objeto de estudo em fontes e referências bibliográficas e outras específicas acerca do objeto;

b) explicitação em esboços e textos da interpretação pessoal das intenções emotivas (expressão) e as pretensões compositivas (representação) da arquiteta;

c) modelagem individual do objeto de estudo em duas ou três sessões de uma a três horas cada, com explicação e justificativas de suas escolhas de procedimentos e materiais e debate com mediação do autor deste estudo. Dois estudantes comentaram o modelo do terceiro e em seguida este teceu seus comentários, sendo assim com os três modelos.

Tentou-se captar o que, implícita ou explicitamente, pode ter relação com o contexto universitário dos envolvidos. Ou seja, indicações do que, de fato, deve ser focado pelo professor na formulação de suas estratégias de ensino.

Uma aproximação aos resultados

O grupo demonstrou seriedade e concentração em todo o processo. Os modelos apresentaram diferenças marcantes. Enquanto dois se revelaram mais claramente figurativos (um monocromático e outro com utilização de cores), o outro resultou em um artefato puramente conceitual.

O primeiro modelo, conceitual, de E2, foi, talvez coerentemente, o mais complicado para significar.

E5 e E8 sentiram muita dificuldade em traduzir as noções de E2. Observaram cuidadosamente de todos os lados e de cima, tentando entender o deslocamento do paralelismo do edifício em relação ao sistema viário. Argumentou-se que a horizontalidade e leveza propiciada pelo uso do acrílico ficaram evidentes. E, no entanto, a intenção de E2 era destacar o brutalismo da estrutura. O modelo foi considerado fragmentado, mas sem vínculo com o MASP. E2 argumentou que as placas deveriam sintetizar a horizontalidade do projeto, mas não uma fragmentação, admitindo que não foi muito feliz neste aspecto. A qualidade de realçar o interno, a visão desde dentro, foi elogiada, mas notou-se a ausência do entorno. E2 admitiu que quando viu o modelo de E5 (que segue) percebeu que não havia focalizado neste aspecto, que havia lhe faltado reflexão. “Isso pode ser um aspecto metodológico, de não ter posto no papel o que deve ser colocado. Mas, na questão da estrutura, o que eu quis realçar, foi o funcionamento estrutural do projeto e a coisa do bruto, de estar mostrando como é que o MASP fica de pé”. Seu intuito foi mostrar isto com um material ‘massudo’, sólido, ainda que, aparentemente, não desse muita atenção à natureza transparente do acrílico. Uma outra questão levantada foi a de que o modelo não respeitou a proporção das massas que existem no projeto. A possibilidade levantada para tal falta de registro entre produtor e fruidor, foi que “A coisa estava tão clara na minha cabeça, que talvez eu tenha sintetizado demais. Faltou uma preocupação minha com a comunicação que isso ia ter com vocês. Para mim está tudo aí, pois está na minha cabeça, não é? Isso é responsabilidade social do arquiteto, de se colocar no lugar do outro... Esse é um hábito que tem que ser desenvolvido. Você tem que se colocar no lugar do outro para ver como o outro vai provavelmente ver a sua obra”. A incongruência foi, no final, mencionada por E5 e E8: “A maquete não tem exatamente um marco conceitual, mas é conceitual. Isto a torna mais complicada ainda. Quando a maquete é conceitual, cada coisa que você coloca é simbólica, não?” O foco foi em como a obra ficava de pé, e não em outras questões representativas.

O segundo modelo, figurativo, de E5, incluiu a cor vermelha atual das vigas e pilares, embora soubesse que esta cor não é original do projeto.

Sua intenção foi destacar a importância de um patrimônio da cidade, um fato urbano. Ele buscou representar a radicalização da arquiteta quanto ao espaço livre sob o edifício, o hall cívico, a atração e a curiosidade despertadas pelo vão. Quis também demonstrar a relação do edifício com a população da Avenida Paulista. Além disso, procurou evidenciar a quebra da verticalidade pela horizontalidade do edifício. “Eu representei o entorno, o gabarito de altura idêntico, o monocromático e os volumes idênticos, como se fosse um deserto urbano, um paradoxo. É deserto, mas é urbano porque é habitado, é construído, mas não tem uma relação sentimental, pois isso é que é deserto... [...] E o MASP não, ele tem esse brilho, seria um oásis dentro desse deserto, que é um ponto de referência para todos. [...] O MASP conseguiu criar um símbolo e vínculo com a população”. Com a cor vermelha, E5 buscou acentuar esta relação, da monumentalidade com o cidadão transeunte, e da relação do edifício com o Parque do Trianon num continuum horizontal. Houve certa demora de E2 e E8 em perceber este vínculo com a população, e E5 revelou que deveria ter colocado alguma escala humana, mas não o fez por causa da escala escolhida, um pouco reduzida: “[...] ficaria meio perdido e talvez volumes irreconhecíveis”. Quanto ao comentário de que não incluiu a parte de trás (boulevard e restaurante), E5 argumentou que a arquiteta desejava uma arquitetura mais social, em que o hall cívico fosse, na sua interpretação, o destaque. O boulevard seria um pouco mais “segregado”. No entanto, do ponto de vista dos procedimentos, comentou “isso é uma coisa que achei interessante... Faltou um processo, definir etapas. Eu até tentei estipular algumas coisas, primeiro fazer o entorno, a base, como e com que material representar, mas pelo erro de processo eu acabei eliminando a topografia, aquele volume que fica no subsolo...”.

O terceiro modelo, também figurativo, de E8, revelou, segundo seu autor, uma discrepância entre a intenção e o resultado.

“Tem uma grande diferença entre o que eu planejava fazer na minha maquete e o que acabou acontecendo. Eu tinha uma serie de conceitos que eu queria mostrar na minha maquete, mas que eu não mostrei porque simplesmente tive que terminar e eu acabei abrindo mão de algumas coisas. Faltou metodologia. Eu fui fazendo...foi intuitivo, na base de tentativa e erro [...] eu não estava acostumada a trabalhar com esses materiais. Então, eu tive que aprender a trabalhar, aprender a cortar....”. E8 gostaria, por exemplo, de incluir a questão da horizontalidade versus a verticalidade do entorno, bem como destacar o Trianon. “Eu tinha uma idéia geral do que eu queria representar, mas eu não fiz nenhum tipo de planejamento como seriam as peças, como elas vão se encaixar...” E8 quis evidenciar um olhar do MASP “que a gente normalmente não tem”, destacando a parte de trás. Essa, segundo E8, tem um peso muito maior do que o volume suspenso. Por isso quis colocar a transparência dos vidros, tentando demonstrar uma contradição: “a parte mais pesada dessa caixa está em cima e a parte mais leve está embaixo [...] dá uma sensação de que deveria ser o contrário. Isso sempre me chamou a atenção”. O comentário de que a arquiteta buscou marcar a horizontalidade contrastante também esteve presente neste modelo; a idéia de que só o edifício, sem o entorno, mas claramente demonstrando o modo de sustentação, embora não suficiente para concluir que este eixo foi o priorizado por não haver possibilidade de comparação, ainda assim o sugere. “Eu quis mostrar que o MASP tem essa presença horizontal mesmo que você não indique a cor”, e também tentar transmitir a força da idéia de um vão livre e amplo (sem edifícios do entorno). Além disso, chamou-se a atenção para o MASP “na topografia”, revelando uma intenção de vista para além do vão livre, do hall cívico. A vista do MASP, mais do que sua integração ao entorno, é que foi a tônica deste modelo. “o MASP por trás estabelece uma relação muito diferente do que a de quem está na Avenida Paulista”. O tratamento monocromático visou destacar a relação entre o leve e o pesado do projeto, seu brutalismo.

Tridimensionalidade real

Uma das contribuições desse tipo de estudo é estabelecer com maior clareza tanto a riqueza de possibilidades, como alguns limites deste meio de expressão e representação. Uma das preocupações levantadas pelos participantes foi em relação à limitação de sua capacidade em provocar certas sensações. E5: “Eu acho que com a maquete você consegue transmitir grande parte dos sentimentos que a obra real transmite, mas você se utiliza de outros meios para transmitir também, desenhos, computação gráfica, etc. Até mesmo uma maquete conceitual, você se utiliza de outros meios, talvez até outros materiais. Acho que não conseguiria transmitir a monumentalidade da obra, que na maquete é impossível. [...] Nesta escala com certeza não consegue transmitir isso. Uma perspectiva com o observador aqui te dá esta idéia. A maquete deveria ser numa escala que teria de ser quase a verdadeira grandeza, para você realmente ter esta sensação”.

O comentário de que uma perspectiva resolveria o problema chama à atenção. Aparentemente, a avaliação que resultou neste comentário levou em conta o impacto puramente visual, no sentido de provocar uma reação frente às proporções métricas, num exercício de relação fria de medidas. Pensando no modelo enquanto aproximação do real, no entanto, ele pode não ter considerado que medidas produzem espaço e volume, e que é isto que nos simula a sensação de “esmagamento”. É óbvio que a sensação que poderia, por empréstimo, ser chamada de verdadeira, só poderia ser conseguida na obra real. Mas algo no modelo fez com que esta sensação fosse mencionada na figura do termo ‘monumentalidade’, e também no de ‘brutalismo’. A própria massa do edifício produziu esta sensação na mente do observador, por meio de um modelo, sem que fosse necessário se colocar sob o MASP. Uma alternativa foi sugerida por E5: “Talvez, se a gente colocasse uma escala humana ali, ampliando um pouco essa escala, a sensação quando você vê o figurativo, essa pessoa ali, diante da grandiosidade, você reflita um pouco, pensaria, será?”. A escala humana aumentaria nossa ilusão pela relação direta, não de simples medidas, mas de espaço. Como se o cérebro humano registrasse a diminuição das dimensões de modo proporcional, e acompanhasse esse “cone” até se colocar na posição da escala humana (18).

Parece haver uma tendência de eliminar explicações, situando-se ao nível do senso comum, como para E5: “Há uma grande diferença, óbvia, entre a maquete e entre a obra real. Na maquete, você se apequenar diante da obra não ocorre porque a maquete é uma coisa em miniatura. Mas no MASP, pela grandiosidade, pela monumentalidade, é diferente. Você já sente toda esta opressão, toda esta grandiosidade; ele intimida realmente pela escala. No caso da maquete a escala não gera os mesmos sentimentos.”. Em princípio, a preocupação da modelagem não deve ser produzir “os mesmos sentimentos”, senão aproximá-los de um modo que outros meios não conseguem. É fundamental, todavia, assimilar esta interpretação e considerar estratégias de ensino que a coloquem em debate.

Um aspecto positivo da modelagem levantado foi sua aplicação no desenvolvimento do projeto por E8: “você pensa muito na funcionalidade, talvez até num desenho de plantas. Aí você faz uma volumetria, pára e pensa: não era bem isso que eu estava pensando. Então um modelo volumétrico, durante as etapas, ia facilitar muito o seu raciocínio, sua clareza de volume. Para mostrar volumetria é uma coisa rápida”. Mas o entendimento ainda está limitado à volumetria, aos aspectos externos da obra arquitetônica. Esta concentração na forma se revela também para o mesmo estudante E8 (já indicando uma preocupação metodológica): “Eu sinto que [...] dou prioridade a algumas questões e deixo outras coisas em segundo plano, [...] me prendo muito a questões funcionais do projeto, como é que vai acontecer a interação entre um ambiente e outro... A questão da forma surge depois. Talvez este seja um dos motivos porque a maquete ajuda bastante a visualizar esta parte formal. Eu fico me perguntando: será que a gente tem que pensar em que etapa a gente vai usar a maquete, em função de como que a gente pensa o projeto? A gente está engatinhando!” Este é, portanto, outro desafio para a disciplina de modelagem.

Metodologia

Um dos resultados mais positivos deste exercício foi o fato de ter provocado nos estudantes uma reflexão sobre metodologia (a relação de procedimentos entre idealização e realização). O estudo refletiu o hábito de rotular o artefato real como ‘maquete’ e não modelo, conferindo-lhe um caráter final. Uma das instruções do exercício foi que mais de um modelo poderia ser produzido. Nenhum dos três estudantes contemplou a possibilidade, admitindo falta de pré-planejamento, tendo realizado escolhas durante o exercício. Isto encontra eco na experiência de ensino do autor deste estudo, em que é freqüente a percepção de que uma parcela significativa de estudantes tem uma preocupação exclusiva com o acabamento e com a forma, com a conclusão da tarefa. Até mesmo em modelos de estudo, claramente identificados como tal pelo professor, existe o medo de “estragar” o artefato para estudar, por exemplo, uma determinada implantação; o processo praticamente não existe.

No caso em tela, o tempo de confecção dos produtos revelou um cuidado acima da exigência do exercício, uma preocupação quiçá excessiva quanto ao acabamento. É possível, e há indícios disso nas declarações dos participantes, que o acabamento tenha sido sinônimo de boa comunicação. Daí um esmero maior. Mas isso não elimina, necessariamente, os hábitos adquiridos no contexto formativo. E5 revelou o que entendia por modelos, que, como por hábito, chamou de maquete: “quando você faz uma maquete, é para leigos entenderem melhor. A maquete, hoje em dia, quando se usa para uma etapa de projeto, é algo estritamente formal. Vamos ver como fica. [...] Se esse volume combina com esse, se esse ambiente é agradável, se isso gera uma sensação tal...”. Parece que para E5, aspectos funcionais, conceituais, estruturais, estão fora desta perspectiva. Mesmo o aspecto formal está definido de modo bastante limitado. Isto sugere a necessidade de ampliação de horizontes no uso deste meio, e, por conseguinte, de métodos variados.

E8: “pelo menos na faculdade, que é a referência que eu tenho, o que eu aprendi sobre maquetes foi na faculdade, a gente aprende muito a fazer a maquete como o resultado final do projeto. Mas, por exemplo, o Frank Gehry usa os modelos... Assim, ele pega uns pedaços de papelão, uma coisa bem ‘mal acabada’. Por que ele está pensando... Ele está usando aquele material para transmitir uma sensação. Falta a gente aprender como fazer isso, como usar a maquete como uma coisa menos acabada, como um instrumento que você usa no começo... uma coisa rápida, mais dinâmica. Aqui, usamos de uma maneira mais realista. Sempre acabei seguindo estas etapas estabelecidas, na qual a maquete é uma das ultimas coisas que você faz, e aí quando você faz você não reconhece o seu projeto, porque é a primeira vez que você vê no tridimensional, então, às vezes, você começa a notar umas coisas absurdas, coisas que você não queria que ficassem assim”.

Isto sugere que tanto a função comunicativa deste meio (ver como é que fica), como o conhecimento de seu potencial e seu lugar no processo de projeto, podem estar freqüentemente relegados a segundo plano no contexto universitário. E2: “na faculdade, eu fiz o meu modelinho, mostrei para o professor, ele falou “eu gostei”. Depois eu fiz o grande e só depois eu desenhei. Foi uma surpresa para mim, começar o processo de projeto através de um modelo. Só que isso foi perdido, pois nenhum professor incentiva a gente a começar a pensar pelo modelo. É disso que eu sinto falta. Na faculdade, dar esse subsídio de processo de projeto, de metodologia de projeto usando o modelo durante o projeto, e não na apresentação final. Porque a maioria dos professores pede é isso. Você vê no programa da disciplina: produto final, pranchas tal e tal, com corte, elevação, perspectivas. Às vezes pedem memorial descritivo e modelo volumétrico, ou maquete de material tal e escala tal”.

A demanda por modelos (maquetes) pode ser um incentivo tanto quanto um contexto apropriado. E8: “[...] cheguei aqui e achei o ambiente muito legal. Fiquei com vontade de mexer com materiais que eu não tinha contato. Esse ateliê, essa oficina, me deu um espaço para experimentar mais. Você tem um acesso maior a materiais, a máquinas. É verdade que isso tomou um tempo. Eu tive que aprender a mexer. Se eu tivesse feito com papel Triplex teria sido mais rápido com certeza, mas teria sido menos interessante”. No entanto, o contexto que prescinde de formação de nada serve para o uso eficiente de um instrumento de projeto como a modelagem. Há, portanto, que se refletir para que serve a modelagem real. Por que e como é utilizada há séculos no desenvolvimento de idéias e novas tecnologias, de novas funções e formas complexas?

Uma metodologia de modelagem que entende o projeto como um processo, pressupõe que o próprio projeto deve se desenrolar por meio de um método dinâmico, cuja apreensão deve se iniciar nos anos formativos do futuro profissional. E8: “Como é que a gente adquire metodologia de projeto? Como é que começo a desenvolver a minha metodologia de projeto? Como, no meio do curso, você vai desenvolver a metodologia, e como no final do curso você vai pontuando, colocando as vírgulas, fazendo o acabamento dessa metodologia? Como vai entrar a parte de modelagem? Isso é uma grande questão. Uma dificuldade que eu sinto bastante, quando eu quero colocar um modelo na escala, é que material eu vou usar? Que material vai me dar a possibilidade de ficar mudando, mexendo no projeto?”.

É possível perceber que, mesmo sem pré-planejamento, estes estudantes passaram por um processo de descoberta, em que sua constante reflexão foi crucial para a finalização do exercício, e até para sua análise posterior. Permitiu intuir que o exercício, ao final das contas, não foi concluído. Foi, antes de tudo, um instrumento de reflexão na ação, dentro de um contexto de construção de conhecimento.

Comentários finais

Este estudo permitiu a observação de três estudantes materializando interpretações diferentes de uma mesma obra, tendo tido a oportunidade de estudá-la antes. Sugere (e isso exige reflexão crítica) que a diferença de semestres não indica distinções marcantes nas habilidades individuais. Revela, sim, que a intuição e a curiosidade estão presentes, e que, aliadas a um mínimo de metodologia e técnica, podem permitir a estudantes de arquitetura interessados iniciar suas investigações e testes em seus próprios projetos, bem como sobre projetos arquitetônicos de terceiros para a construção de seus repertórios. Por outro lado, os comentários revelam que a tendência dos (das) estudantes é o de se concentrar em um foco para representar e expressar sua interpretação, talvez a identificação de um destaque na obra, ou seu conceito ou partido. Aqui ou foi a estrutura, ou a relação com o entorno, ou o ângulo de visão. Além disso, expõem o hábito de chamar o objeto de ‘maquete’, como provável resultado de ter, em seu contexto de produção de conhecimento, a visão destes artefatos como um produto final. Revela também que modelos literais, figurativos, podem ter sua expressão limitada pelo enquadramento, e que os conceituais podem facilmente errar o alvo, caindo em uma situação de abertura incompatível com o propósito inicial do exercício. Um outro aspecto a destacar, é que houve unanimidade na impressão, ainda que introdutória e com ressalvas, de que modelos contribuem para a construção de sentidos de um projeto, onde o conceito tem o potencial de se revelar com mais intensidade.

Este estudo permitiu examinar introdutoriamente algumas das afirmações iniciais deste relato: a visão da modelagem como algo que ocorre somente ao final do projeto, a importância da metodologia, a colaboração entre os vários meios de expressão e representação, o perigo da superficialidade e da falta de conteúdo, o conceito sendo construído ao longo do processo de fruição, a variedade de interpretações de uma mesma idéia, os contextos da modelagem, tudo isso foi levantado nas considerações dos estudantes, e destacado com maior ou menor ênfase. Até que ponto seu aprofundamento inexiste ou ocorre em um curso de arquitetura não é do âmbito imediato deste estudo. É de seu âmbito permitir uma reflexão crítica acerca do papel do professor neste processo, de modo a aperfeiçoar sua didática no intuito de enriquecer a experiência de aprendizagem dos (das) estudantes. Neste sentido, pode-se dizer que há pano para a manga, e que, só por isso, o esforço valeu a pena.

notas

1
O autor agradece os comentários de Claudia Lemos Vóvio, Artur Simões Rozestraten e Wilson Flório, relevantes e quase todos incorporados, assumindo, claro, a responsabilidade pelo texto. Fotos dos modelos tiradas pelo autor do estudo. Foto do MASP retirada do site “Wikipedia, a enciclopédia livre”, crédito de Morio.

2
ROZESTRATEN, Artur. Estudo sobre a História dos Modelos Arquitetônicos na Antiguidade, São Paulo, dissertação de mestrado, FAUUSP, 2003.

3
SANTOMÉ, Jurjo T. Globalização e Interdisciplinaridade, Porto Alegre, Artes Médicas, 1998.

4
SANTOS, Boaventura de Souza. “Por que pensar?” In: Lua Nova – Revista de Cultura e Política Pensar o Brasil, n. 54, São Paulo, CEDEC, 2001, p.19.

5
SCHÖN, Donald. The reflective practitioner, how professionals think in action. New York, Harper Collins Publishers, 1983; CAMPOS, Carlos; DA SILVA, Cairo. O projeto com investigação científica: educar pela pesquisa. Arquitextos n. 054. Texto Especial 246. São Paulo, Portal Vitruvius, jul. 2004.<www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp246.asp>.

6
POZO, Juan I. A solução de problemas. Porto Alegre, Editora Artmed, 1998.

7
No mesmo sentido aplicado à escrita por OLSON, David. O mundo no papel. São Paulo, Ática, 1997.

8
BRANDÃO, Carlos A. L. Linguagem e arquitetura: o problema do conceito. Belo Horizonte, UFMG, 2006, p. 1.

9
KAHN, Louis. Apud BRANDÃO, Carlos A. L. Op. cit. nota 7, p. 3.

10
BAKHTIN, M.; VOLOSHINOV, V. Discurso na vida e discurso na arte. Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza, para uso didático, 1976.

11
ROZESTRATEN, Artur. “Modelagem manual como instrumento de projeto”. Arquitextos n. 049. Texto Especial 236. São Paulo, Portal Vitruvius, jun. 2004 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp236.asp>.

12
COSTA, Xico. “Síntese gráfica. Funes, el memorioso, e o Colégio de Cartógrafos do Império”. Drops n. 10.06 <www.vitruvius.com.br/drops/drops10_06.asp>. São Paulo, Portal Vitruvius, mar. 2005; CAMPOS, Carlos; DA SILVA, Cairo. Op cit. nota 4.

13
Idem, ibidem, nota 11, segundo parágrafo.

14
FLÓRIO, Wilson. Da representação à simulação infográfica dos espaços arquitetônicos. São Paulo, dissertação de mestrado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, 1998.

15
Ver, por exemplo, HERBERT, Daniel. “Graphic Processes in architectural study drawings”. In Journal of Architectural Education, Vol. 46, n. 1, set. 1992.

16
ROZESTRATEN, Artur. “O desenho, a modelagem e o diálogo”. Arquitextos n. 078. Texto Especial 392. São Paulo, Portal Vitruvius, nov. 2006 <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp392.asp>.

17
FLÓRIO, Wilson. Op cit. nota 13; ROZESTRATEN, Artur. Op cit. nota 10.

18
VYGOSTKI, Lev. La percepción y su desarrollo em la edad infantil. Obras Escorridas II, Madrid, Visor Distribuciones S.A., 1982.

sobre o autor

Mario Lasar Segall, nascido em 1959 em São Paulo, SP, é formado pela FAU Braz Cubas, Mogi das Cruzes (1980) e Mestre pela Universidade de Londres (1983). É professor da FAU Mackenzie e dirige uma oficina de modelos, maquetes e protótipos na Lapa, em São Paulo.

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