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architexts ISSN 1809-6298


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Aline Werneck Barbosa de Carvalho e Lívia Faria de Oliveira trata do processo de verticalização e das mudanças nas tipologias dos edifícios residenciais na cidade de Viçosa-MG, a partir da década de 70, em função das demandas por moradia estudantil


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CARVALHO, Aline Werneck Barbosa de; FARIA DE OLIVEIRA, Lívia . Habitação e verticalização numa cidade universitária: o caso de Viçosa MG. Arquitextos, São Paulo, ano 09, n. 100.05, Vitruvius, set. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.100/112>.

Introdução

Este artigo trata do processo de verticalização e das mudanças nas tipologias dos edifícios residenciais de múltiplos pavimentos na cidade de Viçosa-MG, a partir da década de 70, em função das demandas por moradia estudantil.

Fundamenta-se em pesquisa realizada por Oliveira & Carvalho (1), na qual foram levantadas e mapeadas as características arquitetônicas dos edifícios com mais de 4 pavimentos localizados no Centro e em seu entorno mais imediato, uma vez que a verticalização teve início e é mais visível na área central.

Além da revisão teórica sobre o tema, o estudo constou de pesquisa documental, que compreendeu a coleta de dados junto aos arquivos do Instituto de Planejamento Municipal da Prefeitura Municipal de Viçosa (IPLAM/PMV), e de pesquisa de campo, que correspondeu ao levantamento e registro fotográfico dos edifícios identificados a partir dos documentos analisados. Os dados coletados foram organizados cronologicamente, por períodos de 5 anos, de 1970 até 2005. A espacialização do processo de verticalização foi representada em conjunto de fotos e em mapas. Foram elaborados dois tipos de mapas: mapas de manchas de espacialização, contendo os edifícios com mais de 4 pavimentos construídos em cada período considerado, e mapas de gabarito, incluindo-se nos mapas anteriores a informação referente ao número de pavimentos. A partir daí, foi selecionada uma amostra de edifícios para análise das seguintes variáveis: localização, forma de ocupação do edifício no lote, programa de necessidades dos edifícios e das unidades residenciais, arranjo interno dos compartimentos e relação funcional entre eles, composição formal, padrão de acabamento e condições de conforto interno. Além disso, foram aplicados questionários aos moradores dos edifícios selecionados como amostra, a fim de verificar a forma de apropriação da moradia pelos usuários e o grau de satisfação das necessidades dos diferentes usuários/moradores.

O artigo inicia com uma breve revisão sobre o fenômeno da verticalização, seguido da análise deste processo na cidade de Viçosa, de modo a mostrar como o espaço destinado à habitação coletiva tem sido construído e modificado para atender a um público com características próprias – os estudantes universitários.

O fenômeno da verticalização

A verticalização, entendida como um processo de expansão da cidade que se distingue fisionomicamente pela construção de edificações com diversos pavimentos, tem suas origens a partir da Revolução Industrial, que possibilitou a estandardização dos materiais de construção e o surgimento de novas tecnologias, favorecendo a construção dos edifícios de apartamentos.

Porém, a verticalização não está relacionada somente com os benefícios da produção industrial. A lógica que movimenta este sistema está intrinsecamente relacionada com o processo de acumulação capitalista. É com o desenvolvimento do capitalismo que a habitação, juntamente com os demais bens necessários para atender às necessidades humanas, assume a forma de mercadoria.

A difusão do edifício vertical como elemento transformador do espaço possibilita a multiplicação do solo que aliado ao capital investido acarreta a valorização da terra. Conforme aponta Villaça (2) o solo urbano não é colocado apenas como um local inerte ao trabalho humano, mas tem valor como qualquer outra mercadoria, pois as forças produtivas e as relações sociais criam a localização, aspecto inseparável da questão fundiária. A localização pode ser caracterizada como um dos motores que impulsionam o processo de verticalização: proximidade com as melhores áreas da cidade é o alvo dos promotores imobiliários que, diante do alto valor do solo, pressionam pela máxima exploração do terreno.

Por sua vez, o que possibilita a concretização desse modelo de reprodução do capital são os interesses dos diversos agentes intervenientes no processo - incorporadores imobiliários, construtores, vendedores e compradores – que podem se agregar ou desagregar-se, assumindo papéis que variam com o tempo (3).

É exatamente na articulação desses interesses que o espaço urbano ganha forma, no caso, através da construção de edifícios de apartamentos. A verticalização constitui-se, portanto, a forma privilegiada de um segmento muito importante da reprodução do capital no espaço, aliado a uma forma de morar.

Além disso, a verticalização está associada ao sentido de modernidade do espaço urbano. Assim, este processo pode ser observado não apenas nas grandes metrópoles, mas também nas cidades médias e até mesmo nas pequenas. Além de ser uma alternativa à baixa oferta de terrenos para construção nas áreas centrais e mais valorizadas, a habitação vertical também é um reflexo da tentativa de imitar a vida urbana das metrópoles, contribuindo para certa homogeneização sócio-cultural no país, pelo menos para as classes média e alta, e para a conseqüente descaracterização das identidades locais. O estilo de vida das grandes cidades é tido muitas vezes como um modelo a ser copiado pelas cidades interioranas, que encontra na verticalização a sua realização (4).

Nesse processo, cabe ao Estado o papel de regular a ocupação do solo e garantir a qualidade da vida urbana. É a partir da legislação urbanística que o Estado interfere no processo de construção do espaço urbano, estabelecendo normas de modo a ordenar o uso e a ocupação do solo. Assim, a relação entre verticalização e legislação urbanística se estabelece na medida em que esta funciona como um dispositivo para controlar a iniciativa privada, no seu interesse de ocupar indiscriminadamente os lotes, especialmente aqueles mais valorizados, localizados nas áreas centrais.

Estas considerações aplicam-se ao espaço urbano de Viçosa que, apesar de ser uma cidade de porte médio, vem passando nas últimas décadas por um intenso processo de verticalização que está transformando a paisagem urbana de forma acelerada e sobrecarregando os serviços de infra-estrutura.

A UFV e a transformação do espaço urbano em Viçosa

Em Viçosa, cidade de aproximadamente 70.000 habitantes (5) localizada na Zona da Mata de Minas Gerais, o processo de ocupação do espaço urbano está intimamente relacionado com a implantação e expansão da Universidade Federal de Viçosa (UFV) (6).

Num primeiro momento, a própria instituição encarregou-se de atender a demanda por moradia, construindo, já na década de 1920, o primeiro alojamento estudantil (“Alojamento Velho”) e, no final da década de 1960, o Alojamento Feminino. Também por volta da mesma época foi implantada a Vila Giannetti, núcleo residencial destinado a moradia de professores.

A partir do processo de federalização da instituição, em 1969, ocorreu o que poderíamos chamar de primeira fase de expansão das atividades da UFV, mediante a criação de novos cursos de graduação e pós-graduação. Com o aporte substancial de recursos financeiros que recebeu na década de 70, a UFV se tornou o fator decisivo para o acelerado processo de urbanização que marcou a cidade a partir de então. A nova dinâmica física, social, cultural, política e econômica decorrente da sua expansão mudou completamente a cidade, que passou a se desenvolver em razão da própria Universidade.

Nos primeiros anos da década de 70, quando a Instituição ainda possuía aparato físico suficiente para atender a demanda estudantil por moradia, foram os professores vindos de diversas partes do país e até mesmo do exterior que deram início à construção dos primeiros edifícios de múltiplos pavimentos, juntamente com os comerciantes que tiveram seus negócios expandidos com a nova demanda que se instalava na cidade. O programa de necessidades das habitações para esse público baseava-se no perfil da família nuclear tradicional (7).

Porém, na década seguinte, como os alojamentos estudantis construídos no Campus já eram insuficientes, os estudantes passaram a se alojar na cidade, inicialmente em pensões e posteriormente nos edifícios antes ocupados pelos professores, intensificando-se a construção e o conseqüente adensamento da área central e de alguns bairros adjacentes. Concomitantemente, alguns professores passaram a buscar áreas afastadas do Centro, formando os primeiros condomínios horizontais da cidade.

No final da década de 90, o aumento no número de vagas em cursos já existentes na UFV e a criação de novos cursos representaram novo impacto na provisão de moradia para a população estudantil, com conseqüências visíveis no processo de ocupação do espaço urbano.

Além disso, a partir de 2001 iniciou-se um processo de implantação de novas instituições de ensino superior na cidade. Naquele ano, instalou-se a primeira faculdade particular - a Faculdade de Viçosa (FDV); no ano seguinte criou-se a Escola Superior de Viçosa (ESUV) e, em 2004, instalou-se a Univiçosa, instituição particular que oferece vários cursos na área de Saúde. Essas escolas localizam-se próximas à BR-120, instaurando um novo eixo de crescimento da malha urbana, em sentido contrário ao Campus da UFV.

O aumento populacional decorrente da expansão da UFV e da implantação de novas instituições universitárias tem conseqüências inevitáveis no processo de ocupação e de expansão da malha urbana. Do ponto de vista da administração municipal, passa-se a exigir um aparelhamento institucional e urbanístico capaz de orientar a ocupação do solo urbano e a promoção de melhoria dos equipamentos de infra-estrutura para suportar a nova demanda por moradias e serviços. Por outro lado, intensifica-se o processo de especulação imobiliária, agravado pela falta de lotes urbanos na área central.

Como conseqüência, o processo de verticalização, que se iniciara na década de 70 em função da primeira fase de expansão da UFV, intensifica-se a partir dos anos 90, gerando uma paisagem urbana pontuada por edifícios residenciais de múltiplos pavimentos.

Os promotores imobiliários escolhem a área central para seus investimentos, tendo em vista a possibilidade de lucro praticamente certo, não só devido à proximidade com a UFV, local de trabalho e estudo de grande parte da população, mas também devido à apropriação que fazem da sua paisagem, que, com certeza, é incorporada, como uma externalidade positiva, ao preço do imóvel (8).

Até o ano 2000, o Código de Obras estabelecia um gabarito único para a cidade. Com a aprovação do Plano Diretor e da Lei de Uso, Ocupação e Zoneamento do Solo Urbano, a legislação urbanística torna-se mais restritiva. Passa-se a exigir coeficientes de aproveitamento e gabaritos diferenciados em função dos tipos de zonas de uso do solo, numa tentativa de controlar e ordenar o processo de verticalização em função da capacidade da infra-estrutura já instalada.  Estas restrições têm suas conseqüências na paisagem urbana, pois contribuem para a elevação dos preços dos imóveis na área central e para o aumento da pressão pela demolição de imóveis antigos, muitos deles de valor histórico e arquitetônico.

Além das transformações no ambiente urbano, outro aspecto a ser considerado são as modificações internas introduzidas nos apartamentos pelos estudantes em decorrência do seu modo de morar. Assim, o setor imobiliário, atento às necessidades dos estudantes universitários, que chegam de diversas regiões do País e se agrupam para dividir casas ou apartamentos, vem direcionando seus empreendimentos para o atendimento desta demanda específica.

Estudo realizado por Oliveira & Carvalho (2006) indicou que o direcionamento do mercado imobiliário para atender à demanda por moradia estudantil tem modificado a tipologia dos edifícios de apartamentos em Viçosa, na tentativa de adaptá-los ao modo de morar da população estudantil, dentre elas o fato de se constituir como uma população flutuante, que permanece na cidade pelo período de aproximadamente 5 anos.

Por outro lado, parte da produção de edifícios de apartamentos volta-se, também, para atender a outro segmento da demanda: a população de classe média que busca adquirir ou alugar um imóvel para moradia da sua família, o que caracterizaria outras preferências locacionais e outras necessidades espaciais.

Assim, o processo de verticalização em Viçosa é ditado principalmente por estes dois segmentos da demanda, e ao ser interpretado e incorporado pela iniciativa privada, vem se manifestando não apenas na diferenciação de tipologias habitacionais, mas, também, na localização/espacialização dos edifícios e na mobilidade da população.

Características do processo de verticalização em Viçosa no período 1970-2005

A década de 70 marca o começo do processo de verticalização em Viçosa, que se dá inicialmente nas imediações da Praça Silviano Brandão (Centro), motivado pela localização do comércio. Os edifícios dessa época possuem de 4 a 5 pavimentos, sem elevadores e com uma alta taxa de ocupação no terreno, deixando-se pequenos poços de iluminação e ventilação para os compartimentos. Possuem forma externa rigidamente definida pelas marcações de planos horizontais e verticais, sem recortes e adornos, com janelas de vergas retas, aparecendo alguns exemplares de “janelas corridas”, típicas do Movimento Moderno. Já na segunda metade da década de 70, o Bairro Clélia Bernardes passa a ser intensamente ocupado por edifícios que se destinavam aos professores universitários. Estes edifícios apresentam uma tentativa de retomada de características formais da arquitetura colonial, com o uso de telhado cerâmico de 2 ou 4 águas e vergas das janelas em arco rebaixado. Nesse período, os apartamentos se ampliam, melhoram as condições de iluminação e ventilação e os prédios se afastam das divisas. A unidade habitacional é marcada por uma rígida setorização dos ambientes, definidos pela presença da copa como espaço articulador e da dependência completa de empregada. Quanto ao partido arquitetônico, observa-se que, na maioria dos exemplos, o edifício está encostado na testada do lote, tendo apartamentos de frente e fundos e caixa de escada centralizada.

No que tange aos arranjos internos e ao programa de necessidades dos edifícios, constata-se que ao longo de todo o período 1970-2005 não houve grandes alterações no tipo e no número de compartimentos dos apartamentos, embora haja significativa redução na área dos cômodos, especialmente das cozinhas e dos quartos. Nos primeiros apartamentos, a copa é utilizada como elemento de ligação entre os setores social, privativo e de serviços, funcionando como espaço de refeições individualizado, além da sala de estar e de jantar. Posteriormente, este espaço se integra à sala de estar, constituindo estar e jantar conjugados, ou à cozinha, compondo a copa/cozinha.

A área privativa apresenta maiores diferenças em função do padrão dos apartamentos. Naqueles de padrão mais elevado, desde o início da década de 70 surge a suíte (quarto e banheiro, algumas poucas vezes acompanhada de closet), além dos quartos e do banheiro social. Até a década de 80, o banheiro social liga-se exclusivamente aos quartos, mas a partir dessa época aproxima-se dos ambientes de estar, passando a desempenhar também a função de lavabo. Porém, a presença do lavabo não é usual, o que, provavelmente, está relacionado com o fato dos edifícios não apresentarem um padrão de luxo.

As áreas de serviços dos apartamentos da década de 70, muito precárias em termos de dimensões e de condições de iluminação e ventilação, ampliam-se na década seguinte, mas a partir dos anos 90, a importância e a função deste espaço alteram-se expressivamente. Nos apartamentos mais novos, dirigidos à classe estudantil, a área de serviços reduz-se a um tanque, próximo à cozinha, num espaço mínimo para o cumprimento das funções relativas à lavagem e secagem de roupas. Em alguns edifícios surge a lavanderia coletiva, eliminando-se completamente o espaço entendido como “área de serviço”. O quarto de empregada desaparece a partir do final da década de 90, permanecendo, porém, o banheiro de serviço nos edifícios destinados a um público de renda mais alta.

As varandas aparecem em todo o período analisado, não constituindo um elemento de diferenciação, seja do padrão do edifício, seja da época da sua construção. Na maioria das vezes ligam-se aos ambientes de estar ou aos quartos, mas devido às suas pequenas dimensões, especialmente na largura, não funcionam como ambientes de estar ou lazer.

Observa-se ainda que a compartimentação interna é muito rígida nos apartamentos da década de 70, enquanto, nas décadas posteriores, os ambientes se tornam um pouco mais integrados. Comparados com os de hoje, os apartamentos da década de 80 são mais amplos e possuem um programa de necessidades mais extenso, que inclui, algumas vezes, closet, sala íntima e/ou sala de TV. As próprias dimensões dos compartimentos são mais generosas. Nos empreendimentos mais recentes, especialmente naqueles de melhor padrão, observa-se uma ampliação do programa referente aos espaços de uso coletivo, havendo por outro lado uma redução tanto no programa quanto na área dos apartamentos.

A pobreza formal e o baixo padrão de acabamento caracterizam a maioria dos edifícios das décadas de 70 e 80. Apenas a partir da segunda metade dos anos 80, alguns empreendimentos indicam uma maior preocupação do mercado imobiliário com o aspecto externo das edificações. Enquanto nos anos 70, os planos das fachadas eram marcados pelo uso de cores pouco contrastantes, a partir da segunda metade da década de 80 a utilização de revestimentos cerâmicos de cores vivas e contrastantes se dissemina na paisagem urbana. Algumas construtoras, atentas às mudanças nos padrões dos edifícios praticadas em outros mercados de imóveis, tentam “importar modelos” das capitais para os edifícios de melhor padrão, garantindo status aos seus moradores, além da possibilidade de agregar valor ao imóvel. Assim, a melhoria no padrão de acabamento externo e interno esteve inicialmente relacionada com o público para o qual se dirigia o empreendimento, permitindo distinguir, claramente, os imóveis que não eram destinados aos estudantes. Nos últimos anos, entretanto, mesmo nos imóveis destinados ao público estudantil, tem havido maior preocupação com o acabamento externo.

É também na década de 80 que começam a surgir edifícios com mais de 10 pavimentos na área central e tem início o processo de verticalização da Rua Milton Bandeira, que se intensifica nos anos seguintes. Mais recentemente, observa-se um movimento no sentido de deslocamento deste processo para a região mais próxima à UFV, o que indica o forte poder de indução da Universidade.

Os edifícios dessa época destacam-se na paisagem mais pela escala e implantação em relação à rua do que por suas qualidades arquitetônicas. É nestes edifícios com maior gabarito que a verticalidade realmente se instaura como elemento morfologicamente transformador do espaço e dos hábitos de vida. Destinada a uma parcela da sociedade mais favorecida economicamente, esses edifícios ganham em altura e “status”, representações sociais que se projetam no ambiente construído. O processo de verticalização, que ainda se apresenta pontualmente e disperso na malha urbana, começa a realmente ganhar força. Atento às mudanças sociais e econômicas que se processavam na cidade, em função da expansão da UFV, o setor imobiliário já desempenhava, nessa época, um papel predominante na construção da cidade e de sua imagem.

A década de 90 representa uma mudança significativa no padrão de moradia multifamiliar ofertada ao público viçosense, indicando uma alteração na visão dos construtores e incorporadores imobiliários, embora esta tendência fique mais visível a partir de 1995.  Externamente, as mudanças se expressam no padrão de acabamento e de revestimento das fachadas. O uso da pastilha e da cerâmica ganha espaço e torna-se, com o passar do tempo, uma linguagem única e cansativa, pela sua repetição e uso indiscriminado. Apesar do exagero e do mau gosto muitas vezes presentes na escolha e na aplicação dos materiais, não resta dúvida de que a opção por um revestimento impermeável confere aos edifícios um aspecto de limpeza e cuidado. Além disso, observa-se maior intencionalidade formal, utilizando-se a diferenciação de materiais para acentuar as marcações horizontais ou verticais e as varandas. Por outro lado, a adoção do acabamento cerâmico é um recurso utilizado pelos incorporadores imobiliários para valorizar o imóvel, auferindo-lhe um alto custo por metro quadrado. Assim, ainda que, nas últimas décadas, a área dos compartimentos esteja sendo reduzida e as novas tipologias se voltem para o público estudantil, o padrão externo de acabamento procura mascarar a má qualidade da unidade habitacional.

Do ponto de vista da ocupação do solo, nos anos 90, o espaço urbano de Viçosa é claramente marcado pela verticalidade. Embora a pesquisa tenha indicado que o número de edifícios construídos por década não se alterou significativamente, girando em torno de 40 a 50, constata-se o aumento do número de pavimentos (gabarito), principalmente na década de 90, ultrapassando-se 10 andares. Os edifícios mais altos localizam-se predominantemente na Av. P. H. Rolfs e distinguem-se na paisagem pela escala e implantação em relação à rua. São também estes edifícios que possuem um maior cuidado no tratamento das fachadas. Atualmente, cerca de 12 edifícios com gabarito superior a 10 pavimentos concentram-se num raio de aproximadamente 500m em torno das Quatro Pilastras, conformando uma paisagem urbana vertical nos arredores da UFV.

O impacto do Plano Diretor, aprovado em 2000, e da legislação de uso e ocupação do solo (Lei 1.420/2001) pode ser percebido nos bairros, onde o número máximo de pavimentos caiu para cinco. Este é um dos fatores que vem alterando as características do processo de verticalização nos bairros, concentrando os edifícios de maior altura na área central e arredores da Av. P. H. Rolfs. Isto tem como conseqüência a densificação da área central, cujos problemas de infra-estrutura urbana, especialmente no que tange à capacidade do sistema viário e dos serviços urbanos, se tornam cada vez mais graves.

Já a taxa de ocupação mantém-se muito alta em todo o período analisado, demonstrando a predominância dos interesses financeiros. Os primeiros edifícios não tinham afastamentos laterais, nem frontais; abriam-se vários compartimentos para os poços de iluminação e ventilação, inclusive os de permanência prolongada. Esta tendência modifica-se nas décadas de 80 e 90, quando então os prédios se afastam das divisas, melhorando as condições de iluminação e ventilação internas, proporcionando maior conforto aos usuários e menor impacto urbano. Entretanto, com a construção mais recente dos apartamentos do tipo “quarto e sala”, os poços voltam a ser utilizados, comprometendo significativamente a qualidade da habitação.

Finalmente, quanto ao segmento do mercado visado pelos incorporadores imobiliários no que se refere à construção de edifícios de apartamentos, constata-se que até a década de 80 a maioria dos edifícios era construída para famílias residentes em Viçosa. Nos anos 90, altera-se profundamente a postura do mercado imobiliário. Com a disseminação de apartamentos de múltiplos pavimentos e o aumento gradativo da demanda, vários edifícios foram ocupados para a formação de “repúblicas” estudantis. Ao perceber essa demanda potencial, o setor imobiliário direciona-se para a construção de edifícios voltados para a classe estudantil: os apartamentos tipo “quarto e sala”, que passam a receber grandes investimentos, por se tornarem sucesso de vendas.

A oferta desta tipologia de apartamento, que começou a surgir no final da década de 90, vem se dando numa rápida progressão. No momento atual, o setor da construção civil tem voltado seus empreendimentos na área central claramente para o segmento estudantil, oferecendo-lhes apartamentos do tipo “quarto e sala” ou 2 quartos, com pequena área total, localizados próximos à UFV. Estes novos empreendimentos são altamente rentáveis, por possuírem grande liquidez, sendo facilmente alugados ou vendidos.

Também nos bairros os edifícios são ocupados por “repúblicas”, alterando-se com freqüência os arranjos internos dos apartamentos, em função das necessidades estudantis. Isto acontece, quase sempre, mediante a colocação de divisórias nos espaços destinados às salas de estar e/ou jantar, transformando-as em quarto.

A tendência de construção de edifícios mais altos na área central intensifica-se em resposta ao elevado valor dos terrenos. Isto se reflete no valor do aluguel e no preço dos apartamentos, que são tanto mais altos quanto mais próximos estiverem da UFV, variando também em função do número de quartos. Ainda assim, a população estudantil opta por residir próximo à Universidade, pela comodidade e facilidades que isto representa. Além do mais, a criação de “repúblicas”, com vários moradores, dilui o custo final do aluguel por pessoa, viabilizando a opção por tal localização.

Assim, a satisfação dos usuários, identificada a partir da análise dos questionários aplicados aos estudantes, indica que o setor imobiliário está respondendo à demanda. Mostra ainda que esta demanda é pouco exigente, uma vez que as principais necessidades levadas em consideração na escolha do imóvel para locação referem-se à localização e à data de construção do edifício, esta última relacionada com a melhoria do padrão de acabamento dos prédios mais recentes. Isto talvez se explique por se tratar de uma população flutuante, que vê a sua condição de morador como provisória.

Considerações finais

O processo de verticalização em Viçosa tem obedecido a uma lógica imobiliária de ocupação ditada pelo expressivo aumento da demanda por moradia estudantil e pelo forte papel indutor da UFV.   A partir desta lógica, altera-se a tipologia habitacional no sentido de oferecer um produto especifico para um público também especifico - o apartamento “quarto e sala” para o estudante universitário - e intensifica-se a tendência de concentração de investimentos nas imediações da UFV.

A Universidade aparece como motor transformador do espaço da cidade. Na década de 70 condiciona o surgimento dos primeiros edifícios multifamiliares e, a partir do final dos anos 90, acarreta uma acentuação do processo de verticalização, decorrente do aumento do número de vagas e da criação de novos cursos de graduação e pós-graduação. Mais recentemente, o aumento da demanda por moradia estudantil está também relacionado com o surgimento de novas instituições de ensino superior na cidade, embora se possa afirmar que a ocupação da área central e da Av. P. H. Rolfs se devam à atração exercida pela UFV.

A arquitetura residencial multifamiliar que se produz atualmente em Viçosa deixa expressa, no espaço urbano, a diferença entre os empreendimentos destinados a moradia da população viçosense e aqueles destinados a locação por uma população flutuante. Em nome do lucro e dos interesses mercadológicos, a qualidade das soluções habitacionais oferecidas a esta clientela é comprometida: ocupa-se quase todo o espaço do lote, sem jardins ou afastamentos; os apartamentos são mal iluminados e mal ventilados; os compartimentos têm dimensões mínimas; as condições de conforto acústico são desconsideradas e o programa de necessidades dos apartamentos é reduzido.

Enfim, a grande demanda de moradia estudantil conforma o espaço urbano, atualmente marcado por edifícios residenciais de vários pavimentos, concentrados nas imediações do Campus da UFV e nos bairros mais próximos ao Centro. A concepção da arquitetura fica submetida aos interesses financeiros de determinados grupos e até mesmo o Poder Público revela-se impotente diante da situação, já que a legislação urbanística não foi capaz de induzir a construção de moradias de qualidade, nem redirigir os investimentos para outras áreas da cidade. Reproduz-se, portanto, a tendência observável em centros urbanos de grande porte, onde o fator habitacional altera o valor da terra e determina o tipo e liquidez dos imóveis.

notas

1
OLIVEIRA, Lívia F. & CARVALHO, Aline W. B. de. Novos modos de morar: Estudo da evolução do edifício residencial multifamiliar em Viçosa – MG, a partir da década de 1970. Relatório Final de Pesquisa, Viçosa. 2006.

2
VILLAÇA, Flávio. O que todo cidadão precisa saber sobre habitação. São Paulo: Global, 1986.

3
SOUZA, Maria Adélia A. de. A identidade da metrópole: a verticalização em São Paulo. São Paulo: HUCITEC: EDUSP, 1994.

4
SAHR, C. L. L. Dimensões da análise da verticalização: exemplos da cidade média de Ponta Grossa/PR. Revista de História Regional, volume 5, n. 1, 2000. Disponível em: <http://www.arq.ufmg.br/arquiteturaeconceito/pdf/ufmg82.pdf>Acesso em 09 fev. 2006.

5
De acordo com a Contagem de População realizada pelo IBGE, a população residente em Viçosa em 1º de abril de 2007 era igual a 70.401 habitantes. Deve-se destacar que a população flutuante é considerável, tendo em vista o perfil de cidade universitária.

6
A UFV foi criada inicialmente como Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV). Em 1948 foi transformada em universidade estadual (Universidade Rural do Estado de Minas Gerais - UREMG) e, em 1969, foi federalizada, passando a denominar-se Universidade Federal de Viçosa.

7
OLIVEIRA, L. F. & CARVALHO, A. W. B., op. cit., 2006.

8
RIBEIRO FILHO, G. B. A formação do espaço construído: cidade e legislação urbanística em Viçosa, MG. Rio de Janeiro: UFRJ/PROURB, 1997. 244 p. Dissertação (Mestrado em Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, UFRJ, 1997.

sobre os autores

Aline Werneck Barbosa de Carvalho. Arquiteta e professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Doutora em Arquitetura e Urbanismo - FAUUSP.

Lívia Faria de Oliveira. Arquiteta e urbanista formada pela Universidade Federal de Viçosa. Bolsista do Programa PIBIC/FAPEMIG, no período fev. 2005 a mar. 2006.

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