Urbanismo e municipalismo no Brasil: breve introdução sobre recorte temático adotado
Ampliação do direito à cidade para as populações excluídas das políticas publicas urbanas (2) e ação direta na construção da cidade como lugar de direito das populações (3), são algumas das constatações sobre as atividades do campo disciplinar-profissional do urbanismo no início do século XXI, especificamente do urbanismo no Brasil. Seja partindo da constatação do desafio que ainda hoje existe para produzir tal ampliação (4), ou fechando a análise sobre a ação dos profissionais urbanistas na construção da cidade (5), ambos estudos empreenderam uma análise histórica da formação e continuada construção da prática urbanística no Brasil, para formularem tais considerações.
A pertinência dessas considerações apresentadas, respectivamente, por Maria Cristina da Silva Leme e Margareth da Silva Pereira, sobre a atividade urbanística nas cidades brasileiras, pode, nesse sentido, delinear outras pesquisas no campo da história do pensamento urbanístico no Brasil. No caso do presente trabalho, estas considerações fundamentam uma primeira parte da pergunta central da pesquisa – pelo objetivo principal do estudo sobre o urbanismo no Brasil –, ao longo de um importante momento histórico-político nacional definido inicialmente pela redemocratização de 1945-1946: qual o processo de implementação-estruturação da área temática do urbanismo e, quais foram as discussões e proposições urbanísticas no âmbito do Movimento Municipalista Brasileiro – mais precisamente aquelas produzidas nos Congressos Nacionais de Municípios Brasileiros – entre 1946 e 1964?
Centrado entre dois eventos importantes da história política brasileira, respectivamente, a promulgação da Carta Constitucional em setembro de 1946, e o Ato Institucional Nº 1 baixado em abril de 1964, a pesquisa não ficará restrita às distintas dimensões políticas quem ambos eventos encerram. No entanto, é incorreto desconsiderar quão importantes e decisivas tais dimensões representaram aos interesses municipais, sobretudo aquelas consubstanciadas no processo de redemocratização do país após o Estado Novo (1937-1945), pois, nesse contexto, se originou a primeira e principal unidade institucional do Movimento Municipalista no Brasil: a Associação Brasileira de Municípios (ABM), fundada em 1946 (6). Além desta conjuntura política, é fundamental para o interesse da pesquisa sobre as discussões urbanísticas empreendidas no âmbito do Municipalismo Brasileiro, nesses dezoito anos entre 1946 e 1964, toda uma outra conjuntura de mudanças que envolvem necessariamente a dimensão urbano-regional do território nacional – delineado por um intenso processo de urbanização –, pois, necessariamente associadas ao urbanismo e as políticas urbanas implementadas nas municipalidades.
Urbanismo e municipalismo no processo de urbanização brasileiro
Nesse sentido é importante salientar que, se apenas a partir de 1946 se configurou importante processo de inflexão na história política brasileira, já ao longo da década de 1940 e, fundamentalmente a partir da década de 1950, mudanças importantes perpassaram também os campos da economia e da urbanização, transformando as relações entre o sistema urbano-espacial e o sistema de produção. Momento crucial de conformação de uma economia urbana marcada pela intensa industrialização do sistema de produção – focado na região sudeste, mas principalmente em São Paulo –, decorrente de elevados investimentos financeiros para infra-estruturação do território que foram empregados na região da capital paulista – nas décadas que se seguiram (1950-1960-1970) após a redemocratização de 1946 – pelo governo federal. Este aporte de recursos públicos implementados a partir da segunda metade do século XX, viabilizou o primeiro de um conjunto de três ciclos de expansão e desenvolvimento urbano-regional caracterizados pela referida concentração espacial dos investimentos em São Paulo. Segundo Luciano Coutinho, ciclos delineados “por meio de blocos de investimento púbico em infra-estrutura [...]. Cada um dos grandes ciclos de expansão da economia corresponderam políticas regionais urbanas que refletiam a conjuntura de forças políticas, a conjunção de interesses privados e a forma específica de articulação do projeto nacional de desenvolvimento” (7). O primeiro dos ciclos foi definido por Coutinho como “o período Juscelino Kubitschek (1955-1960)”, marcado “por um forte impulso ao processo de industrialização nucleado em São Paulo com investimentos infra-estruturais de integração nacional (em energia e transporte)” e com uma nova política de incentivos aos investimentos no Nordeste mediante a criação da Sudene” (8).
Um ciclo de expansão da economia totalmente inserido no recorte temporal definido pelo objeto de estudo desta pesquisa em andamento, cuja característica pelo investimento em infra-estrutura de energia e transporte direcionado para o sistema produtivo industrial consubstanciou intenso processo de urbanização do Brasil – mesmo que inicialmente atrelado às áreas de interesse (sudeste do Brasil) dos investimentos deste primeiro ciclo. Processo de urbanização também caracterizado por um conjunto de variáveis associadas às mudanças produtivas e espaciais da economia no país, entre as quais mencionaremos quatro que estiveram e continuam intimamente relacionadas aos debates urbanísticos e os municípios brasileiros a partir da década de 1950: movimento migratório em direção às áreas de atração de mão-de-obra para o mercado de trabalho industrial – e neste movimento não só a relação campo-cidade, mas de cidades de outras regiões do país para a capital paulista e demais cidades da região sudeste –, cuja oferta fora criada pela expansão da indústria resultante dos referidos investimentos (9); crescimento da população urbana decorrente inicialmente deste movimento migratório e êxodo rural; expansão periférica das cidades que esta migração acarretou, geralmente relacionada à necessidade habitacional deste contingente populacional em crescimento – inicialmente migratório e posteriormente natural –, também transformado em agente de demanda por melhorias na infra-estrutura urbana de transporte público, saúde, educação, lazer, entre outras, nas áreas em expansão horizontal das cidades; a intensa especulação imobiliária interessada e associada a esse processo de transformação e expansão física das cidades, sobretudo pelas potencialidades comerciais e econômicas das terras urbanas para loteamentos, muitas configuradas como vazios urbanos à espera de maior valorização.
De todas as cidades da região sudeste do país, São Paulo é a que mais intensamente aglutinou este contingente de transformações econômicas e urbanas – mas não unicamente, pois é um processo nacional de mudanças – delineadas a partir da segunda metade do século XX. Nas pesquisas que Paul Singer realizou sobre São Paulo, especialmente aquelas interessadas na interpretação das relações entre a economia e a urbanização, a lógica da concentração espacial do capital na cidade é ainda mais claramente enunciada (10).
Uma cidade caracterizada, segundo Sarah Feldman, pela “intensificação da verticalização, expansão periférica e reestruturação da centralidade”, cujo resultado é apreensível no processo de mudanças da constituição espacial da cidade que perduraria até os anos de 1970 (11). Ainda conforme Feldman, “a configuração metropolitana, o uso extensivo do espaço, a proliferação de arranha-céus, de indústrias, do comércio etc., ocupam o debate urbanístico de São Paulo no período imediatamente posterior à longa permanência de Prestes Maia como prefeito, de 1938 a 1945” (12).
Foi no âmbito desse importante quadro urbano-industrial já intensamente consubstanciado ao final do Estado Novo, que um processo de estruturação dos setores de urbanismo das principais administrações municipais se consolidou, especialmente, pela criação dos Departamentos de Urbanismo (13) – momento em que o Movimento Municipalista também alcança sua legitimação e institucionalização com a fundação da Associação Brasileira de Municípios, entidade responsável pela organização dos Congressos Nacionais de Municípios Brasileiros.
O debate urbanístico no âmbito do movimento municipalista brasileiro-interamericano: questões para uma investigação
Com a criação dos Congressos Nacionais de Municípios Brasileiros em 1950, ou seja, em meio a todo esse debate urbanístico, estes conformaram não só parte do tripé institucional do Movimento Municipalista, como foram fundamentais nas ações específicas da ABM e do IBAM, assim como, na articulação entre ambas, por configurarem-se no principal ambiente de discussão e proposição dos interesses dos municípios brasileiros nas mais diversas áreas da administração pública municipal: saúde, habitação, urbanismo, transporte, educação, cultura, finanças, jurídicas. Em cada um dos certames realizados entre 1950 e 1963 (este em Curitiba, um ano antes, portanto, da instauração do Ato Institucional Nº 1), cada uma dessas diversas áreas de interesse municipal foram discutidas por Comissões Técnicas cujas considerações finais eram publicadas em documentos oficiais sob a responsabilidade da Associação Brasileira de Municípios. Discussões e proposições municipalistas que, no entanto, não só não estavam limitadas ao Brasil, como já ocorreriam desde o final da década de 1930, com o I Congresso Panamericano de Municípios realizado em Havana-Cuba, no ano de 1938, quando se fundou a Organización Interamericana de Cooperación Intermunicipal – O.I.C.I. (14).
Neste contexto municipalista brasileiro-interamericano focar-se-á o estudo nas questões urbanísticas que perpassavam, particularmente, as discussões e proposições dos Congressos Nacionais de Municípios Brasileiros, sem desconsiderar, porém, o caráter relacional entre o municipalismo brasileiro e as deliberações da Organización Interamericana de Cooperación Intermunicipal – O.I.C.I., mediante realização dos Congressos Interamericanos de Municípios, especialmente o VIII Congresso realizado no Rio de Janeiro em 1958. Portanto, um debate continental-interamericano que, no âmbito deste projeto, recebeu o recorte temporal do contexto municipalista democrático brasileiro instituído em 1946 – pela promulgação da Carta Constitucional e criação da Associação Brasileira de Municípios –, e destituído em 1964 com a instauração do regime militar pelo AI-1; ano em que se criou, pela Lei n. 4380 de 21 de agosto de 1964, o SERHAU – Serviço Federal de Habitação e Urbanismo. Momento em que “o planejamento como função de governo ganha um marco institucional federal que formaliza as condições de criação de instituições estaduais, metropolitanas e municipais” (15).
Esta pesquisa pretende, portanto, empreender esforço interpretativo com atenção focada nas questões urbanísticas propugnadas no âmbito do Municipalismo brasileiro. Nesse sentido, tem como objetivo geral e central o levantamento e interpretação das discussões e proposições urbanísticas que ocorreram no âmbito do Movimento Municipalista Brasileiro, especificamente as discussões que perpassaram suas três instâncias institucionais: Associação Brasileira de Municípios (ABM), Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) e Congressos Nacionais de Municípios Brasileiros (16). O percurso pelas questões urbanísticas dessas três instâncias determina, nesse sentido, o foco de três objetivos específicos da pesquisa. O primeiro deles é a análise daquele processo de incorporação, estruturação e organização da área temática do urbanismo e planejamento urbano nestas três instâncias institucionais do Municipalismo Brasileiro. Este primeiro está diretamente associado ao segundo objetivo, caracterizado pela interpretação das questões urbanísticas arroladas no âmbito da ABM, IBAM e Congressos Nacionais de Municípios Brasileiros e que foram incorporadas na publicação do documento oficial resultante dos Congressos: as Cartas Municipalistas (17).
Estas Cartas são o produto final dos debates ocorridos em todas as Comissões Técnicas de cada Congresso Nacional de Municípios, assim como, resultante das discussões empreendidas no âmbito da ABM e IBAM. Nessas cartas são apresentadas as reivindicações, as recomendações, os direitos, as ações que deveriam nortear as atividades municipais, sempre pautadas pela premissa do desenvolvimento municipal. Por este objetivo específico entender como foram arrolados os desafios e deliberadas as ações pelo campo do urbanismo em respostas aos denominados “problemas urbanos”, que já na década de 1940, estavam associados ao inicio daquele intenso processo de urbanização do território nacional (18).
O terceiro objetivo específico está estruturado na interpretação das discussões urbanísticas municipalistas brasileiras, em seu diálogo com os debates orientados no contexto continental-interamericano pela Organización Interamericana de Cooperación Intermunicipal. Analisar a construção de uma agenda de reivindicações, recomendações, direitos e ações municipalistas nesse contexto, e a inserção dos brasileiros nessa construção. Mapear as formas de inserção e atuação institucional dos profissionais brasileiros vinculados à ABM e IBAM na instância central do municipalismo interamericano: a Organización Interamericana de Cooperación Intermunicipal – O.I.C.I, posteriormente transformada em Organización Iberoamericana de Cooperación Intermunicipal – mudança caracterizada pela inserção do Brasil, Espanha e Portugal como membros desta organização. Posterior, portanto, ao debate municipalista arrolado em outro contexto institucional: os Congressos Hispano-Luso-Americano y Filipino de Municípios, organizados pelo Instituto de Estúdios de Administración Local da Espanha.
Urbanismo e movimento municipalista: uma interpretação hispano-brasileira
Primeiramente é importante salientar que a Organización Interamericana de Cooperación Municipal foi definida a partir da Resolução n. 70 do Primer Congresso Panamericano de Municipios, realizado em Havana no ano de 1938. Uma posterior mudança para Organización Iberoamericana de Cooperación Intermunicipal ocorreu no I Congresso Extraordinário de Montevideo, realizado no ano de 1976, quando da participação “como miembros de número” (19) dos municípios brasileiros, portugueses e espanhóis – este aliás, é o ponto de inflexão e ampliação do escopo da pesquisa inicialmente pensada exclusivamente para o caso brasileiro: entender o processo de construção do pensamento urbanístico no âmbito do Movimento Municipalista no contexto não só Americano, mas fundamentalmente no contexto Iberoamericano, ou seja, aquele que incorpora a atuação de entidades municipalistas espanholas e portuguesas, focado, porém, na relação entre Espanha e Brasil, respectivamente, pelo Instituto de Estúdios de Administración Local e Instituto Brasileiro de Administração Municipal.
Este aspecto particular de entrada conjunta “como miembros de número” dos municípios brasileiros, espanhóis e portugueses na OICI foi o ponto fundamental e justificativo da necessidade de iniciar uma pesquisa específica entre as entidades dos três países. Numa primeira etapa da pesquisa estamos focando atenção sobre as entidades municipalistas brasileiras e espanholas (20) – no caso brasileiro: Associação Brasileira de Municípios, Instituto Brasileiro de Administração Municipal, Congressos Nacionais de Municípios Brasileiros, Revista de Administração Municipal; no caso espanhol: Instituto de Estudios de Administración Local (IEAL), Revista de Estudios de la Vida Local. A pesquisa em Madrid foi justamente direcionada para o levantamento e estudo inicial das questões urbanísticas no âmbito dos debates sobre os municípios, sobre a administração local que estiveram sobre a responsabilidade do IEAL. Desta pesquisa inicial podemos constatar a existência de entidades municipalistas em atuação na Espanha desde a segunda década do século XX: a Unión de Municípios Españoles, que atuou entre 1924 e 1939, posteriormente sendo sucedida pela Federación Española de Municípios e Províncias, com sede atual em Madrid; diferentemente do caso brasileiro, cuja Associação Brasileira de Municípios foi criada somente em 1946.
A pesquisa sobre as questões municipalistas espanholas e os debates urbanísticos foi motivada pela localização nos arquivos do Instituto Brasileira de Administração Municipal (IBAM), de atas dos I e II Congressos Iberoamericanos de Municípios organizados pelo Instituto de Estúdios de Administración Local (IEAL), respectivamente, o Congresso de Madrid em 1955 e Lisboa em 1959. Entretanto, quando desta primeira aproximação com documentos do IEAL, uma pergunta foi formulada: estes Congressos Iberoamericanos são os mesmos Congressos da Organización Iberoamericana de Cooperación Municipal (anteriormente denominada de Organización Interamericana de Cooperación Municipal)? Pesquisas iniciais em atas e documentos também localizados no IBAM confirmaram que não eram os mesmos, pois, não ocorreram Congressos da OICI em 1955, mas em 1954 (San Juan de Puerto Rico) e 1956 (Panamá). Desta constatação elaboramos outras perguntas importantes: qual entidade organizou os Congressos de 1955 e 1959, respectivamente em Madrid e Lisboa? Existiram outros Congressos Iberoamericanos subseqüentes a esses dois primeiros congressos? Qual a relação dos debates entre o municipalismo e urbanismo em desenvolvimento pela OICI, desde o Congresso Interamericano de Havana em 1938, e estes Congressos iniciados em 1955? Quais os profissionais brasileiros envolvidos no debate municipalista no contexto de atuação da OICI e dos Congressos Iberoamericanos?
Com o andamento das pesquisas em Madrid, principalmente na biblioteca e arquivo do Instituto Nacional de Administración Pública (INAP), as primeiras respostas para estas perguntas foram sendo construídas. A criação dos Congressos Iberoamericanos de Municípios sob os auspícios do antigo Instituto de Estúdios de Administración Local (IEAL) ocorreu paralelamente à dos Congressos da OICI. Num primeiro momento, antecedente ao Congresso de 1955 em Madrid, a Espanha foi, segundo o Professor D. Carlos Ruiz Del Castilho (à época Diretor do IEAL),
“invitada como Nación observadora, em los Congressos celebrados por la Organización Interamericana de Cooperación Intermunicipal en el ano de 1953 en Montevideo, y en el ano de 1954 em San Juan de Puerto Rico. A ambas Asambleas asistimos representantes de Municípios y de Organismos técnicos” (21).
Se, como já mencionado, somente em 1976 ocorreu a fusão da categoria “Ibérica” na OICI (passou a ser denominada Organización Iberoamericana de Cooperación Intermunicipal), ou seja, após o Congresso Extraordinário de Montevidéu deste mesmo ano, quando municípios espanhóis, portugueses e brasileiros participaram “como miembros de número” (22), constatamos a ocorrência paralela de dois importantes congressos cujos objetivos estavam centrados no estudo-solução dos diversos problemas municipais: os Congressos Interamericanos da OICI e os Congressos Iberoamericanos do IEAL. Constatação que também responde a pergunta sobre a entidade responsável pela criação e organização técnica dos Congressos Iberoamericanos de Municípios (cuja denominação mais específica é Congressos Hispano-Luso-Americano y Filipino de Municípios): o Instituto de Estúdios de Administración Local – diferentemente do IEAL, que publicara as Crônicas dos seus respectivos Congressos – apenas o congresso realizado no Brasil não foi publicado – (23), a OICI não tem praticamente nenhuma informação sobre os Congressos ocorridos entre a década de 1950 e 1960, período de interesse desta pesquisa sobre o movimento municipalista brasileiro e iberoamericano.
No âmbito deste Instituto de Estúdios de Administración Local, as principais questões municipais em suas mais diversas instâncias foram intensamente abordadas na primeira das quatro áreas temáticas do I Congresso Iberoamericano de Municípios, em 1955: “Problemas de las grandes concentraciones urbanas desde el punto de vista de la organización administrativa y de la gestión urbanística”, coordenada por um importante profissional espanhol, D. Pedro Bidagor Lasarte, à época Jefe Nacional de Urbanismo. Sua presença no Congresso reforça a importância dos debates urbanísticos no âmbito do Movimento Municipalista Iberoamericano, tanto pelos importantes cargos públicos ocupados em sua trajetória profissional (jefatura de la sección de Urbanismo de la Dirección General de Arquitectura del Ministério del Gobiernación em 1939, dirección de la oficina Técnica de Reconstrución de Madrid; Director Técnico de la Comissária General de Ordenación Urbana de Madrid – 1945/1556; Jefe Nacional de Urbanismo – 1949/1956; Director General de Urbanismo del Ministério de la Vivienda – 1957/1969), quanto pelo importante trabalho urbanístico realizado entre 1939 e 1942, o Plan General de Ordenación de Madrid, aprovado em 1944 pela Lei de 25 de novembro (24).
Em seu texto introdutório da temática “Problemas de las grandes concentraciones urbanas desde el punto de vista de la gestión urbanística”, publicada nos Anais do I Congressos Iberoamericano de Municípios, Bidagor Lasarte discute uma das questões centrais ao Movimento Municipalista em relação ao planejamento urbano, qual seja, a questão regional, de cooperação entre as municipalidades. Segundo Lasarte,
“el espacio de influência del planeamiento urbanístico há passado, em rápido sucesión, de abarcar primer ola periferia, más tarde, la totalidad de um término municipal; luego, su comarca de influencia. Em seguida se aprecio que si bien el organismo urbano quedaba plasmado dentro dels âmbito comarcal, las vinculaciones entre las diferentes urbes de uma región, y de la nación entera, eram tan fuertes que, evidentemente, su desarrollo se condicionada por exigências y limitaciones mutuas, que requerían uma visión conjunta y superior, obteníndose así la necessidad de formular planes regionales y nacionales de urbanismo” (25).
A abordagem sobre a necessidade de pensar o planejamento em diversas escalas territoriais também foi retomada pelo engenheiro brasileiro José de Oliveira Reis, no artigo apresentado no II Congresso Iberoamericano de Municípios, realizado em Lisboa no de 1959 – o artigo apresentado é na verdade uma nova versão de um texto apresentado no VII Congresso Interamericano de Municípios da OICI, no Rio de Janeiro em 1958: “a interdependência existente entre o planejamento local, urbano, suburbano, metropolitano, regional, estadual, nacional e internacional, mostra que se, política e administrativamente, há limitações de áreas, na realidade esses limites são ultrapassados no estabelecimento dos planejamentos. Para conciliar os interesses jurisdicionais dessas limitações, tem-se proposto a criação de órgãos planejadores em âmbitos nacionais, estaduais e municipais, que devem manter um íntima colaboração” (26).
Importante salientar a indicação da escala “internacional” do texto de José de Oliveira Reis, permitindo uma aproximação com as problemáticas atuais das cidades no contexto da competição internacional por investimentos. No caso brasileiro, uma competição destrutiva das relações cooperativas e associativas entre as diversas municipalidades de um mesmo Estado, ou ainda, como mencionou José de Oliveira Reis, entre Estados. No contexto da chamada “guerra fiscal” (27) em que os Estados e municípios brasileiros estão inseridos, dificilmente a construção de comissões mistas de planejamento poderá ou conseguirá ser instituída e, os interesses coletivos regionais associados às problemáticas comuns (seja ambiental, de uso do solo, habitacional, infra-estrutural, de transporte, entre outras) dos municípios pensados na lógica da cooperação intermunicipal, base da própria denominação da organização municipal iberoamericana, qual seja: Cooperación Intermunicipal. Entender o debate e as proposições ocorridas nas décadas de 1950 e 1960, pelas particularidades políticas, econômicas, culturais, sociais destes períodos é fundamental para pensar o mundo urbano em que vivemos atualmente. Como explicitou Pedro Bidagor Lasarte,
“la extensión de las ciudades constituye uno de los fenômenos mas significativos del mundo contemporâneo. La rapidez del crescimiento urbano, el desarrollo de la vida econômico-social, la complejidad y constante superación de los médios técnicos, son factores que obligan a la Adminstración y a las Empresas constructoras a uma actitud inquieta y vigilante, para estar a la altura requerida por las situaciones que se plantean. La modalidad de la mayor parte de las ciudades actuales, em circunstancia de continua y rápida expansión, es atractiva, por lo que supone de ímpetu y juventude, pero es incómoda, por lo mucho que obliga para garantia de uma personalidad auténtica y de um porvenir fecundo” (28).
Situação que contextualizada para o início do século XXI não é muito distinta das condições explicitadas pelos diversos profissionais que estiveram envolvidos com os debates urbanísticos no âmbito do Movimento Municipalista Iberoamericano.
notas1
Esta pesquisa está em desenvolvimento desde janeiro de 2006, por integrar parte da pesquisa da tese doutoral desenvolvida na Unicamp sobre o engenheiro José de Oliveira Reis. O texto aqui apresentado articula considerações resultantes desta etapa de pesquisa com questões e problemáticas em processo de elaboração, portanto, não finalizada. Importante salientar que a continuação da pesquisa já ocorreu em dois momentos posteriores à de elaboração da Tese Doutoral: uma etapa realizada em Madrid nos meses de janeiro e fevereiro de 2008 foi financiada pela Fundación Carolina. Nesta etapa realizamos pesquisa na Biblioteca do Instituto de Estúdios de Administración Local de Madrid; uma segunda etapa ocorreu com financiamento da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), mediante concessão de bolsa pós-doutoral entre os meses de abril e setembro de 2008, sob supervisão da Profa. Dra Maria Cristina da Silva Leme, da FAU-USP.
2
Cf. LEME, Maria Cristina da Silva. “Os desafios do urbanismo no Brasil: ensino e profissão”. In: MACHADO, Denise Barcellos; PEREIRA, Margareth da Silva; SILVA, Rachel Coutinho Marques da. Urbanismo em questão. Rio de Janeiro, UFRJ/PROURB, 2003.
3
MACHADO, Denise Barcellos; PEREIRA, Margareth da Silva; SILVA, Rachel Coutinho Marques da. Urbanismo em questão. Rio de Janeiro, UFRJ/PROURB, 2003.
4
Cf. LEME, Maria Cristina da Silva. Op. cit.
5
MACHADO, Denise Barcellos; et. Al. Op. cit.
6
ABM: Associação Brasileira de Municípios. A primeira assembléia da ABM ocorreu no dia 30 de abril de 1946 após uma reunião de instalação da entidade no dia 15 de março do mesmo ano com a criação da Comissão Nacional Organizadora da Associação Brasileira de Municípios.
7
COUTINHO, Luciano. “O desafio urbano-regional na construção de um projeto de nação”. In: GONÇALVES, Maria Flora; BRANDÃO, Carlos Antônio; GALVÃO, Antonio Carlos Figueiredo (Org). Regiões de cidades, cidades nas regiões: o desafio urbano. São Paulo: Editora Unesp: ANPUR, 2003, p. 39.
8
Idem, ibidem, p. 39.
9
Especificamente sobre a urbanização, a economia urbana, o emprego urbano e seus aspectos demográficos podem ser detalhadamente apreciados em dois estudos publicados em ESTUDOS CEBRAP n. 19, 1977: ”Emprego e Urbanização no Brasil” de Paul Singer; “Aspectos Demográficos da Urbanização” de Felícia R. Madeira.
10
SINGER, Paul. Economia política da urbanização. São Paulo, Brasiliense, 1987, p. 124.
11
FELDMAN, Sarah. Planejamento e zoneamento. São Paulo: 1947-1972. São Paulo, EDUSP/FAPESP, 2005, p. 15.
12
Idem, ibidem, p. 19.
13
São exemplos importantes dessa estruturação, o próprio Departamento de Urbanismo em São Paulo, criado pelo Decreto-lei 431 de 7 de julho de 1947, e o Departamento de Urbanismo do Rio de Janeiro, criado pelo Decreto-lei 8034 de 6 de dezembro de 1945.
14
A Primeira Sede da O.I.C.I foi Havana em Cuba. Em 1960, no Congresso de San Diego, ela foi transferida para San Juan de Puerto Rico. Atualmente a Sede central da O.I.C.I. é em Madrid, onde ocupa parte da sede física da Federación Española de Municípios y Províncias. Uma entidade que possibilitou a construção de um debate inicialmente continental-interamericano sobre os problemas, interesses e ações das municipalidades, e que posteriormente ao Congresso de Montevidéu em 1976, abrangeu a dimensão iberoamericana de municípios, pela incorporação, como membros da O.I.C.I. – que passou nesse momento a ser identificada como Organización Iberoamericana de Cooperación Intermunicipal –, de municípios portugueses e espanhóis.
15
FELDMAN, Sarah. “O arranjo SERFHAU: assistência técnica aos municípios/ órgãos de planejamento/ empresas de engenharia consultiva”. In: Anais do XI Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional. Salvador, 2005, p. 2.
16
Petrópolis em 1950, São Vicente em 1952, São Lourenço em 1954, Rio de Janeiro em 1957, Recife em 1959 e Curitiba em 1963.
17
Como exemplo das Cartas: Carta dos Princípios, Direitos e Reivindicações Municipais (1950); Carta Municipalista de São Vicente (1952); Carta dos Municípios Brasileiros (1954). As questões urbanísticas e de planejamento urbano foram reforçadas em vários pontos das Cartas: como exemplo, na Carta de 1954, pela Recomendação I – Elaboração e estabelecimento de um Plano Nacional de Obras e Serviços Municipais (Operação Município); Recomendação XLVII – Criação de Conselhos Municipais de Urbanismo.
18
COUTINHO, Luciano. Op. cit; SINGER, Paul. Op. cit.
19
In: “La Organización Iberoamericana de Cooperación Intermunicipal”. OICI, Madrid, 2001, p. 23.
20
Etapa que foi desenvolvida em janeiro-fevereiro de 2008 com uma Bolsa de Pesquisa disponibilizada pela Fundación Carolina e com anuência da Escuela Técnica Superior de Arquitectura da Universidad Politécnica de Madrid.
21
Anais do I Congresso Iberoamericano de Municipios. Madrid: IEAL, 1956.p.19.(Este congresso é também denominado de Hispano-Luso-Americano-Filipino de Municípios).
22
In: “La Organización Iberoamericana de Cooperación Intermunicipal”. OICI, Madrid, 2001,p.23.
23
Congresso ocorreu na cidade de Brasília entre os dias 22 e 25 de novembro de 1965. In: Revista de Estúdios de la Vida Local. Ano XXV, noviembro-deciembre, n. 150, p. 890.
24
In: Servicio Histórico do Colégio Oficial de Arquitectos de Madrid
25
In: Crônica del I Congreso Iberoamericano de Municípios. Madrid: IEAL, 1956, p. 151.
26
In: Crônica del II Congresso Iberoamericano de Municipios. Madrid: IEAL, 1959, p. 373.
27
Sobre esta problema: “Da reestruturação corporativa à competição entre cidades: lições urbana sobre os ajustes de interesses globais e locais no capitalismo contemporâneo”. In: Espaço & Debates – Revista de Estudos Regionais e Urbanos. Ano XVII, 2001 – N. 41, p. 26-45.
28
In: Crônica del I Congreso Iberoamericano de Municípios. Madrid: IEAL, 1956, p. 149.
sobre o autor
Rodrigo Santos de Faria, Professor no Departamento de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo da FAU-UnB. Pós-doutorado pela Fundación Carolina/Universidad Politécnica de Madrid-Escuela Técnica Superior de Arquitectura. Mestre e Doutor em História pelo Departamento de História da UNICAMP. Arquiteto-Urbanismo pelo Centro Universitário Moura Lacerda de Ribeirão Preto. Pesquisador do Centro Interdisciplinar de Estudos da Cidade do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP